sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Moçambique: Não há data marcada para o fim da greve dos médicos.

Volvidos cinco dias as ameaças continua e os membros da AMM, com presença de especialistas, afirmam que só vão voltar ao serviço depois de verem as suas reivindicações satisfeitas.
O quinto dia da greve seria marcado por uma concentração no circuito de manutenção António Ripinga, ao lado do gabinete do primeiro ministro. Contudo, a queda de chuvas na madrugada e manhã desta sexta-feira privaram Alberto Vaquina de uma companhia "indesejável".
Ainda não há acordo e as ameaças por parte de altos quadros do Ministério da Saúde não cessam. A Associação Médica de Moçambique (AMM), contudo, já se precaveu e aconselhou os seus membros a registarem as mensagens de texto e encaminharem à Liga Dos Direitos Humanos.
Por outro lado, chegam cada vez mais mensagens que estimulam os grevistas ao revelarem que o movimento é nacional e junta médicos de todo o ponto do país.
"Nunca tive tanta fé de que vamos vencer. Antes pensei que fosse impossível, mas nós ao nível do distrito estamos firmes", referiu um médico que trabalha num distrito de Cabo Delgado."
Porém, o pensamento dos médicos no distrito é de suspender os serviços mínimos. Entendem que ninguém negoceia sem estar encurralado. Ou seja, o Governo, dizem, está descansado por causa da manutenção destes serviços. "Não podemos dar hipóteses de existirem planos de contingência", dizem.
"Felizmente a saia ficou justa para o Governo. Pessoalmente, sinto que não precisamos de interromper os serviços mínimos. Eles já colapsaram pelo desgaste de quem não estava habituado a lidar com os mesmos. Sair do ar climatizado do MISAU para as urgências não é brincadeira", defendem.
Os antecedentes da greve dos médicos
A greve dos médicos filiados à Associação Médica de Moçambique (AMM), motivada pela insatisfação da classe em virtude da deterioração das condições do seu trabalho ante a alegada despreocupação do Governo em melhorá-las, foi precipitada pela desvalorização das suas exigências por parte de quem de direito.
A insatisfação no seu seio dos terapeutas tem-se manifestado há muito tempo. Em 2008, por exemplo, teria sido agudizada pela retirada dos médicos das residências atribuídas pelo Governo nas províncias, através da circular 191/GMS/08 de 16/06/2008. Eles apelaram, insistentemente, aos governos provinciais para que esta mesma circular fosse anulada. Ninguém lhes deu ouvidos.
Por isso, a 26 de Outubro de 2012, a Ordem dos Médicos e a Associação Médica de Moçambique escreveram, sem sucesso, uma carta ao ministro da Saúde, Alexandre Manguele, na qual apelavam para que o governante mandasse revogar a circular em causa.
Face a esta situação, a 24 de Novembro do ano passado, num encontro que juntou cerca de 200 médicos na Sala Magna da Faculdade de Medicina da UEM, em Maputo, os médicos decidiram recorrer à greve como último recurso para exigir a melhoria das precárias condições a que o médico nacional está votado, numa situação em que o estrangeiro goza de mordomias.
Refira-se que nessa altura os médicos tinham como principais inquietações a aprovação de um salário justo, habitação e um Estatuto Médico que dignifique a classe. Desde 1995, ou seja, há 17 anos que os terapeutas lutam por um estatuto nesse sentido. “Mas sempre foram invocadas inconveniências socioeconómicas e políticas relacionadas com a conjuntura do país para a sua não aprovação”.
A AMM considera que o Estatuto do Médico aprovado pelo Conselho de Ministros e já submetido à Assembleia da República a 23 de Julho de 2012 para apreciação e aprovação, não reflecte os anseios dos agremiados.
No fim do encontro, produziu-se uma acta que sintetizava os vários pontos debatidos. Em relação ao estatuto, os médicos determinaram que eles deviam ser razoáveis e esperar até 31 de Março de 2013. Contudo, quanto ao salário, a aprovação deve ser imediata, “para Janeiro de 2013; podendo ser efectuado um decreto-lei para o efeito, pois há cabimento orçamental e são dois documentos diferentes”. É neste contexto, que, neste momento, a batalha dos médicos é ver os seus salários imediatamente melhorados.
Os primeiros encontros de diálogo
A AMM pressionou, várias vezes, o Governo para que este resolvesse os seus problemas. Na tentativa de “tapar o sol com a peneira”, o Executivo prometeu, por exemplo, que o Estatuto do Médico seria aprovado na última sessão da Assembleia da República, o que não aconteceu. Entretanto, aquela agremiação elaborou, a 14 de Setembro de 2012, uma carta a solicitar à Assembleia da República que discutisse este instrumento a fim de que fosse implementado nos primeiros meses de 2013. Uma vez mais, não houve resposta.
Mesmo assim, a AMM teve conhecimento de que dos vários pontos que estavam agendados para a última sessão não constava o Estatuto do Médico. No dia 19 de Novembro, o Ministério da Saúde (MISAU) reuniu com a Ordem dos Médicos e com a AMM e entregou-lhes a versão final do Estatuto do Médico e uma proposta salarial. No dia 20 do mesmo mês, a AMM reuniu o seu Conselho Geral. A explicação do MISAU fundamentava-se no facto de que o Estatuto do Médico não poderia ser aprovado sem a simultânea aprovação do estatuto de outras categorias profissionais. Temia-se uma greve dos enfermeiros.
Carta ao Primeiro-Ministro
Indignados com a sua situação laboral, a 28 de Novembro de 2012 a classe endereçou, também sem resposta, uma carta ao Primeiro-Ministro, Alberto Vaquina, na qual escrevia que a dignidade do médico está a cada dia a degradar-se. “Assistimos a um descontentamento profundo e geral dos médicos por conta destas situações (ausência de um estatuto e de um salário condigno), aliado ao facto de os médicos possuírem precárias condições de habitação e estarem a ser retiradas as residências atribuídas pelo Governo nas capitais provinciais”. A mesma carta foi igualmente enviada ao secretário-geral do partido Frelimo, Filipe Paúde.
“Com a presente situação de vida, os médicos vêem-se obrigados a efectuar outros tipos de trabalhos extras, recorrendo ao sector privado, sendo estes designados como médicos "turbo", o que põe em causa a qualidade de serviço prestado no Serviço Nacional de Saúde Público. Outros, para melhorarem as suas condições de vida, recorrem a pedidos de licenças registadas e/ou ilimitadas para poderem sair do Estado e trabalhar no sector privado. Não podemos ignorar este cenário realístico”, lê-se na missiva.
Na mesma carta assinada pelo presidente da direcção da Associação da Médica de Moçambique, Jorge Arroz, referia-se que o sucesso do recém-lançado programa de humanização dos cuidados de saúde depende da melhoria das condições de trabalho (recursos, humanos, materiais e financeiros) e motivação dos profissionais do sector, incluindo o médico. “Os determinantes sociais influenciam de forma profunda a vida dos médicos e de outros profissionais de saúde, e não apenas as vidas das comunidades. Achamos que, após um longo período de espera, é necessário cuidar-se de quem cuida”. O Primeiro-Ministro fez ouvidos de mercador.
No fim do encontro de 24 de Novembro passado, produziu-se uma acta na qual se refere que “o médico sempre foi a única categoria profissional de nível superior que esteve nos distritos e nos locais mais recônditos, quer no período pré-independência, quer no período pós-independência, mesmo durante a guerra civil”.
Entretanto, paulatinamente, e com uma certa incúria por parte de quem de direito, “se tem assistido a uma deterioração da dignidade do médico nas províncias…”.
Apercebendo-se de que não estavam a ter interlocutor, a 17 de Dezembro passado os médicos ameaçam observar uma greve à escala nacional, caso os seus problemas não fossem atendidos até um dia antes daquela data.
O pré-aviso emitido pelo gabinete do presidente da AMM para os associados, Jorge Arroz, foi difundido por todas as instituições a quem o assunto interessava, incluindo o Ministério da Saúde.
Reunião entre a AMM e o Governo
Foi assim que, a 14 de Dezembro, o Governo decidiu dialogar com a AMM e as partes acordaram que, em relação à habitação, a circular 191/GMS/08 de 16/06/ 2008 ficava suspensa.
Os médicos voltaram a viver nas casas do Estado, com as despesas de ocupação suportadas pelo Governo, neste caso concreto o Ministério da Saúde. Esta medida teve efeitos mediatos e a classe deixou claro que não aceitava a co-habitação.
Relativamente ao estatuto, criou uma comissão técnica para revê-lo e harmonizá-lo até o dia 30 de Janeiro corrente.
Os salários da discórdia
Quanto aos salários, decidiu-se, no mesmo encontro, criar-se também uma comissão técnica conjunta, entre os médicos e o Executivo, para discutir os salários e apresentar uma proposta consensual até o dia 05 de Janeiro de 2013. Contudo, dias antes desta data, referem os médicos, o Governo apresentou-lhes uma proposta salarial de 18 mil meticais, contra os 20 mil que havia inicialmente avançado.
Refira-se que, durante as negociações, a classe rejeitou uma outra proposta salarial de 50 mil a 107 mil meticais mensais. No seu argumento, alegou que depois de deduzido o Imposto de Rendimento de Pessoas Singulares (IRPS) e outros, o salário ficava entre 40 e 80 mil, com renda de casa inclusa.
Segundo os cálculos dos médicos, os valores acima referidos significariam o seguinte: com a renda de casa de 13.500 por mês, o salário iria baixar para 26.500 e 66.500 meticais. Para um médico recém-formado seria apenas uma subida de quatro mil (4.000,00) meticais.
Enquanto isso, o salário base estava entre 20 e 38 mil meticais, o que significava um aumento de apenas cinco mil (5.000,00) meticais para o médico recém-formado, e uma reforma não digna para os médicos “colossos”, ou seja, mais antigos na área.
Falta de consenso leva à greve
A 7 de Janeiro em curso, o que antes era uma ameaça tornou-se real. Os médicos filiados à AMM entraram em greve arrastando consigo estagiários e pós-graduados. A mesma consistiu na não ida aos locais de trabalho, em todos os sectores, excepto os serviços de urgência dos hospitais centrais e provinciais.
 
Fonte @Verdade

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