terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Caso Jorge Valério: Inocentes até que provem o contrário – Feliciano Amado



Luanda – Na noite de quarta-feira, 9 de Janeiro de 2013, o telejornal dedicou uma porção considerável do seu tempo de antena a um caso que abalou profundamente a sociedade angolana. Um caso que se tornou o pivot na luta contra a violência na nossa sociedade. Refiro-me, obviamente, ao caso do jovem Jorge Valério, ou JJ como também era conhecido em vida.

Fonte: Club-k.net

A matéria exibida no serviço central de informação (ou mais apropriadamente no serviço central de "notícias") do canal televisivo que é "todos nós", centrou-se na apresentação de presumíveis autores do crime que constituí o referido caso. Consequentemente, as reacções da sociedade perante tal acto, expressas nos mais diversos meios de comunicação, não tardaram.

A minha (não tão minuciosa) leitura destas mesmas notícias e opiniões enfatizou, de forma geral, o negligenciamento de um elemento importantíssimo por parte da sociedade: a palavra "presumíveis" antes de "autores do crime". Mas o que significa afinal a palavra "presumível"?

Uma pesquisa rápida na internet dá-nos a resposta à esta pergunta: segundo o dicionário online português, presumível significa "que se pode assumir; que se pode supor ou suspeitar". As palavras assumir, supor ou suspeitar são por si só já esclarecedoras o suficiente.

Não se tratou da apresentação de culpados, mas sim de suspeitos. Suspeitos que, pelos vistos, já foram condenados de antemão, principalmente pela opinião pública. Mas a opinião pública pode ser influenciada. Ainda com mais facilidade quando se trata de situações com uma carga emocional tão forte como é o caso do caso em questão.

O alarido causado pela reportagem da TPA apresentando os presumíveis autores de tal crime é perfeitamente justificável: além do tempo de antena dedicado a notícia, os comentários e análises dos profissionais envolvidos na matéria, intercalados com as confissões dos detidos, misturaram-se tão harmoniosamente, dando então lugar ao cenário no qual estes presumíveis autores são, de facto, os culpados. Sem hipóteses alternativas possíveis, principalmente para os mais distraídos.

Este "esforço" desencadeado pela TPA deixa algumas "pulgas atrás da orelha". Ora vejamos que, nem por altura do próprio crime a TPA cedeu tanto espaço quanto o fez desta vez. A situação agrava-se ainda mais pelo facto de nenhuma forma de pronunciamento dos anteriores suspeitos ter sido transmitida publicamente e com tanto respaldo nem desta vez, nem aquando da acusação e posterior detenção dos mesmos.

No que concerne os anteriores "presumíveis" autores do crime: como se terá desenrolado a investigação? Após a apreensão destes, a polícia entrou num silêncio tumular, apenas rompido com a súbita manifestação retratada neste texto. Não foram apresentados nenhuns factos que poderiam ter ilibado os jovens, aliás, eles sequer mereceram qualquer consideração por parte da polícia no que diz respeito à matéria em questão.

Adicionalmente, quais seriam os motivos para que somente após um tempo considerável, estes novos personagens viessem à tona, declarando-se publicamente culpados?

Também não ouve qualquer explicação com relação a este ponto por parte das autoridades competentes. E os indícios (muito fortes) apresentados anteriormente que posicionavam os jovens não como mandantes, mas como os próprios autores do crime (como por exemplo as informações dizendo que havia uma ligação entre o local do massacre e um dos "amigos" de Adilson Monteiro, o principal suspeito na fase inicial do caso)? Terão sido erros investigativos ou pura coincidência?

Claramente, se levarmos em consideração todos os pontos acima descritos (e os demais que sequer foram mencionados), chegamos a conclusão que este caso ainda está longe de ser solucionado. Não necessariamente por estar-se longe da verdade, mas talvez porque aparentemente existem culpados preferenciais.

Digo isto porque os acontecimentos recentes o sugerem, mesmo que seja de forma subtil: é sabido que primeiros suspeitos tinham "costas largas" e "padrinhos na cozinha"; a parcialidade dos órgãos de comunicação (TPA) no que diz respeito aos dois grupos de presumíveis autores do crime é gritante; a falta de precisão nos pronunciamentos policiais é, no mínimo, muito suspeita; a aparição destes novos personagens é extremamente "conveniente", tanto para a polícia quanto para os suspeitos anteriores; a versão recente não é tão lógica e evidente quanto a versão anterior.

Estes são apenas alguns dos pontos que alimentam dúvidas sobre o desenvolvimento deste caso. E se esta nova versão não pegar? Será que aparecerão outros presumíveis autores? Com o mesmo alarido? Com os mesmos golpes nas suas reputações?

Mas se por um lado temos questões infindáveis, por outro lado, pelo que tudo indica, o envolvimento de Jéssica Coelho nessa encruzilhada é mais que óbvio. Talvez seja esta a única (quase) certeza sobre este caso no ponto em que nos encontramos. Então, que prossigam as investigações e que a certeza de que na nossa sociedade ainda existe justiça seja, pelo menos desta vez, garantida em particular à família lesada, e em geral a todo o povo angolano.

Acredito que este cenário dá-nos uma oportunidade para, muito além do caso do Tucho, reflectirmos sobre certas características patentes na nossa sociedade de forma geral: os serviços de informação, que deveriam ser meticulosos no desenvolvimento das suas actividades, não passam de exercícios sensacionalistas a favor de quem for mais conveniente em certos casos e em outros, apenas interessados em aumentar o nível de audiências.

Não há contenção nem consideração das implicações mais profundas das suas actividades. Falta responsabilidade, tanto por parte dos órgãos de comunicação, tanto por parte das autoridades, como também por parte da própria sociedade. Os danos causados na reputação dos jovens anteriores é o mesmo (ou até maior) que os danos causados na reputação dos recentemente apresentados (não relevando o facto dos mesmos terem confessado o crime).

As pessoas são facilmente influenciadas pelos mídia, com uma capacidade de análise que deixa a desejar. Seguidistas na sua maioria. Essa atitude reflecte a imaturidade da sociedade em que vivemos, onde as pessoas condenam sem factos conclusivos e apenas conseguem exibir sensibilidade quando os próprios ou os seus são afectados. É um salve-se quem poder.

A falta de empatia em simultâneo ao direito que as pessoas acham ter sobre o julgamento da conduta moral de outrem torna o impacto desses acontecimentos ainda mais catastróficos. Serias mudanças devem ser feitas. Esta pode ser a hora...

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