quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

'Temos que sonhar, senão as coisas não acontecem'

 

6 de Dezembro, 2012por Vanessa Rodrigues
Leia e recorde a entrevista que Oscar Niemeyer concedeu ao SOL, dias antes de celebrar o seu 100.º aniversário, em 2007. Texto originalmente publicado na revista Tabu, a 22 de Dezembro desse ano.
O que é mais importante na vida para si?
Há tanta coisa a destacar… Um gesto de solidariedade, uma prova autêntica de amizade, a coragem dos que lutam por um mundo mais fraterno e solidário, o carinho da mulher preferida.
E quais são os sonhos de Niemeyer?
Os sonhos comuns a todos os que aspiram a uma vida mais justa e digna. Ainda sonho com isso: justiça e dignidade. A gente tem que sonhar, senão as coisas não acontecem!
Diz-se que criou uma linguagem própria nos projectos. Que linguagem é essa?
Cada artista cria e recria a sua linguagem. Tem que haver fantasia! O que prevalece na minha obra é a busca de uma arquitectura mais leve e solta, onde a surpresa e o espanto se fazem sempre presentes. Tem que haver uma solução diferente. Isso é que é importante na arquitectura. O que vai ficar da arquitectura, o que ficou, não foram as pequenas casas, muito bem tratadas... Foram as catedrais; foram os grandes balanços. E a beleza é muito importante!
Chamam-no de vanguardista. As suas ideias são visionárias.
Visionárias? Sou um bicho da terra pequeno, talvez insignificante demais diante da grandeza deste universo fantástico.
Soprou já cem velas. Que momentos mais o marcaram?
Os que passei junto dos meus amigos mais queridos e dos meus familiares. E também os momentos em que participei mais intensamente na luta política.
De onde vem a sua energia?
Talvez do prazer com que me entrego à criação dos meus projectos, o amor pelo trabalho, hoje apoiado e incentivado pela Vera, minha mulher.
Quando estava na Europa, no exílio, escreveu um poema sobre as saudades do Brasil. Como vê o Brasil actual?
Com um pouco mais esperança… Faz parte deste momento especial que a América Latina está a viver – os governos populares se afirmando, mantendo uma vigilância crítica indispensável contra o intervencionismo norte-americano, uma postura corajosa na defesa da soberania nacional.
E o que é ser brasileiro?
É saber amar este país, ter no peito o sentimento forte pela pátria.
Traçou a história da arquitectura com uma postura intervencionista. De que forma sente ter contribuído para a política brasileira?
Acredito ter exercido a minha cidadania de maneira activa e consciente. E isso é o que me basta.
O Brasil tem, hoje, um governo de esquerda, mais próximo dos seus ideais políticos. Acha que o país está melhor?
Estamos com Lula. É um Presidente sensível às questões sociais do país. Tem sabido conduzir a nossa política externa. Mas há muito que fazer para superar um quadro, ainda dramático, de desigualdade social.
Defende a luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) pela reforma agrária no Brasil, uma acção que tem suscitado adesão e, em simultâneo, controvérsia. Qual a importância do trabalho deste movimento?
Trata-se do movimento social mais importante que surgiu no país nestes últimos vinte anos. Admiro muito [João Pedro]Stédile [economista e activista social brasileiro pelo MST] e a sua capacidade de liderança. O MST tem feito um trabalho muito importante na luta pelas terras apropriadas indevidamente.
‘Só usa a arquitectura quem tem dinheiro. Os outros estão fodidos nas favelas’, ouvimo-lo dizer no documentário sobre si: A Vida É um Sopro. Que solução a arquitectura poderá dar aos grandes aglomerados populacionais?
Nas cidades do futuro – esperamos! – as residências particulares serão mais simples. E os núcleos urbanos não estarão reféns dos automóveis, beneficiando de um novo sistema de circulação. A sua densidade demográfica terá de ser mais controlada e a vida será mais harmoniosa.
Qual o maior desafio da arquitectura contemporânea para si?
Ela responde aos grandes problemas do presente. E o que realmente importa são as soluções do dia-a-dia. E os arquitectos têm de conhecer os problemas da vida. Devemos viver a vida de uma forma mais simples e esquecer as intrigas. O homem está condenado de alguma forma, não tem escolha.
Com certeza ele tem muitas possibilidades para aproveitar a vida, mas nasce e morre, como qualquer outra criatura.
E que desafios tem, no momento, em cima do estirador?
Felizmente ainda muitos e diversos. A praça de Avilés, em Espanha [que será inaugurada em 2010] com um grande museu e amplo auditório. Tenho ainda o centro administrativo do Governo do Estado em Minas Gerais, o projecto de um teatro para Recife [E foi recentemente sondado pelo governo angolano para a construção da nova capital do país].
Como concilia a arquitectura no seu quotidiano?
Continuo a trabalhar no meu escritório em Copacabana, todos os dias. Sou incapaz de me sentar numa cadeira sem fazer nada, ou simplesmente a lamentar-me pelas misérias da existência. A arquitectura sempre foi, ao mesmo tempo, um passatempo e uma profissão. Atrai-me e absorve-me, mas não lhe dou muita importância. O mais importante para mim é sentir-me à vontade comigo. É importante mantermo-nos activos até ao fim. Só vivemos uma vez!
Em Portugal o seu trabalho é muito admirado. Sente que influenciou uma geração de arquitectos portugueses?
Essa informação me chega sempre de meus amigos em Portugal. É claro que fico contente. No entanto, é sempre bom frisar que cada arquitecto deve ter a sua arquitectura e seguir, de forma mais livre possível, a sua intuição.
O que lhe dá prazer?
O meu trabalho de arquitecto.
Qual foi o projecto que mais gostou de idealizar?
Foram inúmeros os que me entusiasmaram. Poderia destacar, nesse sentido, aqueles que integram o conjunto de Pampulha [em Belo Horizonte], o Palácio do Congresso em Brasília, a sede do Partido Comunista Francês, a Universidade de Constantine na Argélia e, mais recentemente, o Museu de Arte Contemporânea de Niterói. E, também, a grande praça que desenhei para a cidade de Avilés.
Que obra lhe falta projectar?
O importante é criar! Ver surgir, da folha branca de papel, um palácio, uma catedral, um prédio. Se o projecto não é realizado, fica-nos, pelo menos, o momento de entusiasmo, as conversas surgidas, a esperança de que tudo se realize.
Que leituras o marcaram?
Os romances de Dostoiévski, em particular Os Irmãos Karamazov, a reunião da obra lírica de Camões, A Condição Humana de André Malraux, os romances principais de Albert Camus e do meu escritor português preferido, Eça de Queirós. Como me agrada ler Os Maias ou A Ilustre Casa de Ramires! São uma experiência de leitura sempre renovada.
Como mudaria o mundo?
Ele é muito pequeno. Falo assim não por falsa modéstia, mas sim pela crença de que o ser humano é um sujeito sem perspectiva, de uma fragilidade surpreendente. Ter consciência disso talvez seja um bom ponto de partida para repensarmos a importância de sermos mais modestos e solidários e podermos – de mãos dadas – construir um mundo mais fraternal.

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