domingo, 30 de dezembro de 2012

“Se um docente não produzir, poderá ser convidado a sair da academia”


Arlindo Chilundo
Grande entrevista com Arlindo Chilundo: vice-ministro de Educação.
“Todas as instituições do ensino superior devem ter carreira do corpo docente. O regulamento força as unidades orgânica a controlar o seu corpo docente. Se um docente não produzir, poderá, mais tarde, ser convidado a sair da academia. Reconhecemos a existência de professores turbos, mas não é tão mau quanto se procura dizer, o que é mau é a falta de controlo do corpo docente por parte das instituições”.
Há problemas de investigação nas instituições públicas do ensino superior. Onde está o problema?
Há investimentos. Estamos, neste momento, no processo de formação de cidadãos a nível de doutoramento e a nível de mestrado. Só no momento em que tivermos os nossos docentes com uma formação académica máxima para que possam, de facto, dar contributo como investigadores e docentes, é que poderemos falar de uma instituição académica normal. Na verdade, temos muito poucos Doutores e mestres, temos muitos licenciados a dar aulas e não podemos esperar nenhuma investigação com docentes que sejam simplesmente licenciados. Estamos a investir na formação de quadros e, daqui a um tempo, vamos sentir o impacto do investimento que está a ser feito agora.
Qual é, neste momento, a proporção do investimento destinado ao ensino superior?
É de cerca de 18% e com uma tendência a crescer. em 2010, teve uma pequena tendência decrescente, chegando a situar-se na ordem dos 15%. De lá para cá, a tendência é de subir. O orçamento ainda é pouco, dado os desafios que temos. Estamos, neste momento, em construção de infra-estruturas. O governo aprovou, em 2010, o Decreto 40/2010 que versa sobre o licenciamento e funcionamento das instituições do ensino superior, públicas e privadas. Nós, como governo, sobretudo para aquelas instituições que são públicas, estamos empenhados em construir infra-estruturas para que, até 2015, as nossas instituições possam conformar-se com este decreto. Temos construções a nível de todo o país e estamos a apetrechar outras infra-estruturas com laboratórios.
A realidade, em termos de infra-estruturas, quer para o sector público como para o privado, não parece satisfatória...
Nós estamos satisfeitos e estamos, neste momento, a estimular as instituições, sobretudo as privadas, através da legislação própria que as obriga a investir em termos de infra-estruturas.
Qual é a realidade no terreno?
Quando nós visitamos, sentimos que nem todas as instituições têm laboratórios, mas têm o seu tempo, sobretudo aquelas que existiam antes de 2010, momento em que foi promulgado o decreto, para se conformarem com a legislação. Estamos a ver que muitas estão a trabalhar e aquelas que não o fizerem serão sancionadas quando chegar o momento da inspecção trabalhar.
Enquanto isso...
Todas as instituições do ensino superior que estejam a funcionar e que pretendam abrir uma delegação fora da sua sede têm que tomar com espírito e letra este decreto. Nós não estamos a tolerar, é por esta razão que mandamos encerrar algumas delegações que abriram depois do decreto, não estamos de braços cruzados.
Como produzir verdadeiras instituições do ensino superior com esta realidade?
Nós temos um ensino superior em franco crescimento, um ensino superior que, de facto, está a lutar pela relevância e qualidade dos programas que oferece. E daí que, como governo, aprovámos a estratégia de formação de professores em 2009, cujo plano de implementação foi aprovado ano passado e que visa, fundamentalmente, acelerar a formação do corpo docente para que tenhamos um ensino superior digno desse nome. Estamos conscientes de que há dificuldades, porque temos licenciados a dar aulas a outros licenciandos. Ser licenciado per si não seria mau, se fosse um licenciado com alguma experiência de trabalho noutras áreas, seria admissível. O que está a acontecer é que temos licenciados “fresquinhos” a dar aulas de outras licenciaturas sem sequer ter um regente à frente, e isto é muito grave.
A classe política parece não estar aberta aos pensamentos de académicos. É uma percepção ou é uma realidade?
Só podem sentir-se amedrontado aqueles que não fazem investigação, mas aqueles que fazem investigação e fundamentam o seu pensamento com base numa investigação aturada, falam. Talvez seja por aí que alguns se sentem constrangidos, mas não é porque há uma política que os discrimina. Nós estamos a ter uma situação em que nem todos os docentes PHD, dos cerca de 400 que o país tem, se têm engajado numa investigação aturada para podermos ascender academicamente. Para se poder ascender ao grau de Professor Associado é preciso publicar numa revista com credibilidade no mercado onde possa ser visto por pares dentro e fora do país. Estamos a trabalhar no sentido de estimular a investigação.
A massa pensante sente-se inibida de fazer análises sociais. O reitor que concedeu entrevista foi atacado de todos os lados...
Eu insisto na necessidade de os académicos primarem por uma investigação aturada.
Há aqui a persistência da dificuldade de perceber se os docentes universitários são ou não funcionários públicos. Pode esclarecer-nos?
Nós estamos a trabalhar para que haja um regulamento específico sobre trabalhadores do ensino superior. No próximo ano, a proposta do regulamento será uma realidade para que haja uma distinção entre um funcionário público e um docente universitário, por causa das características específicas que o ensino superior tem. Actualmente, os funcionários do ensino superior são uma extensão da função pública e isso, naturalmente, tem trazido alguns problemas.
Como estabelecer reformas para facilitar a interacção entre as instituições do ensino superior o mercado?
Isso tem que ser feito, acima de tudo, pelas instituições do ensino superior dentro da autonomia que têm e que devem ser muito mais proactivas em procurar parcerias com o sector privado e também com as organizações não-governamentais. As instituições do ensino superior têm que estar muito atentas no que está a acontecer no mercado. Aliás, este ano, o governo procurou sensibilizar não só as universidades mas também a sociedade no geral para a necessidade de haver uma maior interacção entre as instituições do ensino superior e o mercado de trabalho e, sobretudo, no que diz respeito à qualidade e relevância. Queremos que os programas oferecidos no ensino superior sejam relevantes. Temos que formar em cursos que dizem respeito às necessidades reais do país no momento, pois caso contrário, vamos continuar com o subdesemprego por parte dos graduados. Neste momento, temos cerca de 70% em áreas de ciências sociais e humanas e somente 30% em áreas como ciências básicas. Nós precisamos de criar maior equilíbrio nesta questão. Olhando para estatística de desemprego na vizinha África do Sul, vemos que há uma grande massa de licenciados desempregados e cerca de 60% desses saem das instituições privadas. Por isso, temos que acautelar que aqui as nossas instituições privadas pautem pelo cumprimento escrupuloso da legislação, de modo a não distribuírem apenas diplomas mas também competências.
Acredita que, neste momento, as instituições privadas não estão nas melhores condições?
Nem todas, temos instituições privadas que estão a funcionar muito bem que até são bons exemplos daquilo que deve ser o ensino superior.
Para quando o regime de pessoal específico para o ensino superior conforme estabelecido na lei?
Como disse, vai ser no próximo ano. Nós vamos levar a proposta de regulamento para o Conselho de Ministros. Em termos daquilo que é a nossa agenda de trabalho, temos sido muito eficientes. Estamos constantemente a monitorar o que está a acontecer na sociedade e, quando identificamos algum problema, lutamos em resolvê-lo. Quando os formados no nosso país saem para fazer pós-graduações, têm sido melhores lá onde vão.
As propinas tendem a subir nas instituições públicas, não estaremos a elitizar o ensino?
De maneira nenhuma, o ensino tem custos e, na nossa legislação, só o ensino primário é que é gratuito. O ensino secundário, o técnico profissional e o ensino superior devem ser comparticipados. Estamos a trabalhar na estratégia do financiamento do ensino superior e o Conselho de Ministros está, neste momento, a deliberar sobre essa matéria. No ensino laboral, não temos casos de altas taxas, mas esses casos existem, sim, no pós-laboral. Para os estudantes carenciados que sejam muito bons, temos uma política de bolsas de estudos. Neste momento, temos cerca de 2 765 bolseiros, dos quais 1 700 são homens e os restantes mulheres, dentro e fora do país. Todo o moçambicano tem direito à bolsa, desde que reúna os requisitos recomendados.
Há percepção de que as bolsas de estudo para o estrangeiro beneficiam mais os filhos de gente da elite...
Acho que é uma percepção errada, porque as bolsas para o exterior são publicitadas nos órgãos de informação e, para a selecção, há sempre uma parceria entre o instituto de bolsas e quem oferece as bolsas. Sobre a questão da justiça social, a nova estratégia de financiamento visa também responder a essa situação, porque temos cidadãos que estão em zonas onde não há melhores escolas e que entendemos que, no processo de candidatura, possam ser prejudicados. Estamos a trabalhar no sentido de beneficiar todos. Com a nova estratégia de financiamento, teremos mais cidadãos a receber bolsas. Neste momento, o custo médio anual para a formação de um estudante é de cerca de 67 mil meticais e, se a proposta for aprovada, cerca de 13 mil meticais serão da comparticipação dos menos carenciados. Os mais carenciados não vão pagar nenhum tostão. Portanto, teremos uma maior base de bolseiros. Haverá bolseiros que terão 100%, outros terão 75% , 50% (...). Os do topo não vão beneficiar da bolsa.
Que critérios serão usados para identificar os do topo?
Desenvolvemos um índice de critérios de elegibilidade em que se observam várias variáveis, tais como: o rendimento da família, que inclui os bens que a família tem. Eu tenho filhos que estão nas universidades e eu tenho que pagar as contas. Portanto, olho para os ministros da mesma maneira que olho para todos os cidadãos e não é pelo facto de serem ministros que vão constituir excepção nesse processo.
A falta de qualidade do ensino superior é uma realidade. Que acções para se sair desse dilema?
Neste momento, estamos a guiar-nos pela legislação que nós aprovámos. Recorde-se que antes não tínhamos regulamento de inspecção de instituições do ensino superior. Este regulamento foi aprovado no ano passado. Com base neste regulamento, este ano, realizámos duas inspecções ordinárias e uma extraordinária. Antes disso, formámos 18 inspectores que incluem docentes universitários com grau de Doutores e vamos formar mais. O governo está a trabalhar.
A Universidade Eduardo Mondlane (UEM) desceu de qualidade. O que está a ser feito para resolver o problema?
A nova direcção da Universidade Eduardo Mondlane está a tomar medidas contundentes de modo a retornar aquela universidade na sua posição de referência não só regional mas também internacional. Houve algumas medidas muito corajosas que foram tomadas pela nova direcção. Acreditamos que, com as remodelações que estão a decorrer na UEM, está poderá voltar a ocupar o lugar que lhe pertence.
Há cada vez mais instituições do ensino superior. Qual é o nível de investimento do governo na educação, neste momento?
Há um investimento sério que está a ser feito. Como disse, o orçamento para o ensino superior tem estado, proporcionalmente, a crescer. Este ano, sua Excelência o presidente Armando Guebuza foi inaugurar duas instalações da Unilúrio, em duas cidades, Pemba e Nampula, mas não é só lá, temos muito investimentos a nível das instituições públicas.
Até que ponto o CNAQ pode ser importante para o melhoramento do funcionamento das instituições do ensino superior?
O CNAQ visa implementar um regulamento que se chama Sistema Nacional de Avaliação de Garantia de Qualidade. Neste momento, o CNAQ está basicamente a criar fundações para conseguir avançar. Está a formar os operadores internos das instituições do ensino superior. O sistema de garantia de qualidade tem três subsistemas: o subsistema de avaliação interna, que é feita pelas próprias instituições; tem o subsistema de avaliação externa e tem o subsistema de acreditação. Era necessário que, primeiro, se capacitasse instituições do ensino superior para poderem fazer a auto-avaliação - já houve, pelo menos, três capacitações a nível do país.
Pode falar-nos do Sistema de Gestão Académica adoptado pelo MINED ao que as instituições pública não aderiram...
Chama-se open source, isto é, um sistema que se pode distribuir gratuitamente. É um instrumento muito poderoso e que pode ser expandido pelas próprias universidades e elas têm que se preparar para poderem gerir o processo. A grande vantagem do sistema é que poderemos poupar muito dinheiro porque, ao invés de importarmos software e pagarmos dinheiro para assistência desses softwares, os nossos cidadãos vão desenvolver habilidades de informática e programação. Esperamos que seja um instrumento que garanta uma maior sustentabilidade em termos de gestão do registo académico. Estamos a trabalhar com a UEM, através do centro de informática, mas há outras universidades que ainda não têm capacidade técnica interna, porque precisam de ter programador. Nós estamos a trabalhar no sentido de potenciar aquelas universidades públicas que ainda não têm condições criadas. A nível do Ministério da Educação, tivemos uma parceria com a Holanda e que, graças a essa parceria, foi possível formarmos cidadãos nossos para garantir a expansão do ensino. Foram formados não só dentro do país, pois alguns foram à Índia para aprender a programação, e são eles que estão a difundir a programação. Se alguma universidade não está, neste momento, a usar o sistema, é porque ainda está no processo de capacitação.
Já se nota alguma melhoria no funcionamento das instituições do ensino superior?
Há melhorias porque, neste momento, temos instituições que estão a criar órgãos internos de governação, conselhos universitários, conselhos de instituto. Isto surge em resposta à legislação que pressupõe a criação de órgãos internos de gestão.
Em relação aos resultados da implementação das inspecções, em que ponto estamos?
A última instituição que foi inspeccionada está, neste momento, no período de contraditório e só depois de termos toda a informação e recomendações detalhadas é que a direcção do MINED vai tomar medidas administrativas. Temos é que garantir que a legislação seja respeitada.
E, em relação ao estágio do sistema de transferência de acumulação de créditos académicos...
Estamos a avançar a passos bem largos. já iniciaram as formações dos gestores do processo académico das instituições do ensino superior pelo país inteiro, para que possam transformar os curricula tradicionais naqueles baseados em créditos académicos. Há troca de experiência entre várias instituições. A Unilúrio e a Universidade Católica de Moçambique já vieram apresentar a sua experiência nessa matéria.
Sobre a estratégia de formação de professores para o ensino superior, o que se está a perspectivar? Alguma acção?
Em função dos números que nós temos, estamos a planificar que até 2015 se forme, pelo menos, 2015 mestres, dos quais 60% serão formados dentro do país, 30% na região e 10% no resto do mundo. A nível do doutoramento, a maior parte dos Doutores, 60%, será formada noutras partes do mundo, 30% na região e 10% dentro do país. Esse plano pode custar cerca de 100 milhões de dólares. Trata-se de um valor que não vem só do governo. É importante referir que também todas as instituições do ensino superior, no acto da sua criação, têm a obrigação de apresentar um plano de formação de professores.
O Doutor Lourenço do Rosário alertou que muitos formados desempregados são uma ameaça à estabilidade social. Também tem a mesma ideia?
Um país não pode formar quadros para não ter lugar no mercado do emprego. Nós defendemos, por isso, que haja programas de pós-graduação curtos para capacitar os licenciados desempregados para que possam ter uma inserção no mercado de trabalho.
E como resolver o problema de professores turbos?
Todas as instituições do ensino superior devem ter carreira do corpo docente. O regulamento força as unidades orgânica a controlar o seu corpo docente. Se um docente não produzir, pode, mais tarde, ser convidado a sair da academia. Reconhecemos a existência de professores turbos, mas não é tão mau quanto se procura dizer, o que é mau é a falta de controlo do corpo docente por parte das instituições. O Conselho de Reitores está a trabalhar no sentido de acautelar esse problema.
Também se verifica a superlotação de turmas no ensino superior...
O número elevado de alunos por sala de aula é normal desde que a sala seja espaçosa e reúna condições. Para grupos maiores, as aulas devem ser dadas em anfiteatros.
Ainda assistimos a problemas de liderança na universidade Mussa Bin Bique. Qual é o papel do Ministério da Educação nesse caso?
A situação, de facto, é crónica. Tentámos aproximar as partes mas sem sucesso. Fizemos inspecção e estamos à espera dos resultados da mesma, que vão dar-nos luzes sobre como proceder sobre esta questão delicada. Mas vamos tomar medidas, porque não podemos admitir aquela situação anárquica.
 
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