terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Quando for lançada a intervenção no Mali, para onde vão fugir os islamistas?

 

ONU está prestes a aprovar uma missão externa para ajudar Bamaco a recuperar o Norte. "Virá uma vaga de radicais a caminho do Magrebe e da Europa?"
Bastaram algumas semanas para três grupos armados unidos pela oportunidade tomarem o imenso território do Norte do Mali, em Março.
Seguiu-se um golpe de Estado e o Mali é hoje um país onde o poder está dividido entre autoridades militares, líderes religiosos e responsáveis políticos fracos, e "a sociedade está completamente desestruturada", descreve Hans Hoebeke, do Royal Institute for International Relations (Egmont), think tank de Bruxelas.
As autoridades interinas pediram ajuda à União Europeia e às Nações Unidas e está em marcha uma missão europeia de treino das tropas do Mali que tem como objectivo permitir a reconstrução do Exército.
Em simultâneo, a Comunidade de Estados da África Ocidental (CEDEAO) aprovou há três semanas o envio de 3300 militares que deverão ajudar o Exército na reconquista do Norte. Só falta a "luz verde" do Conselho de Segurança, mas ao secretário-geral da ONU, Ban Kimoon, sobram dúvidas. "Questões fundamentais continuam sem resposta", escreveu Ban Ki-moon num relatório entregue ao Conselho. "Como será dirigida, mantida, treinada, equipada e financiada esta força?", por exemplo. Ban admite que uma acção militar "contra os mais extremistas será necessária" depois de esgotadas as vias da negociação e pede ao Conselho de Segurança que aprove a missão, mas não financie uma guerra que vai custar mais de 300 milhões de euros.
A juntar aos seus problemas internos e às crises cíclicas provadas pela seca, os vizinhos do Mali viram-se desde Março a braços com uma crise de refugiados e com o nascimento de um novo refúgio para a jihad internacional no seu próprio território - para além de dois grupos tuaregues, o Movimento Nacional de Libertação do Azawad (MNLA, nacionalista e laico) e o Ansar Dine (islamista), por trás da captura do Norte do Mali esteve o Movimento para a Unidade e a Jihad na África Ocidental, ligado ao ramo magrebino na Al-Qaeda, o AQMI.
Segundo dados de países europeus, só nos últimos meses estes grupos recrutaram mais 2500 combatentes, escreveu o El País. Jovens de diferentes países da região (mas também do Paquistão ou do Golfo) juntam-se à jihad no Mali em troca de um salário; muitos jovens do Mali também são atraídos pelos 300 euros mensais que os islamistas pagam para engrossar as suas fileiras à espera das tropas da CEDEAO.
Por tudo isto, impera a pressa em várias capitais e a União Africana protestou com Ban Ki-moon pelo tom do seu relatório. "O conteúdo parece estar aquém das expectativas do conjunto do continente", escreveu o presidente da organização, Thomas Boni Yayi, chefe de Estado do Benim. "Qualquer retrocesso no envio urgente de uma força internacional para combater o terrorismo no Norte do Mali será interpretado como sinal de debilidade" face aos terroristas, queixa-se. Paris também se irritou e na sexta-feira pediu ao Conselho de Segurança que aprove a mobilização do contingente africano até 20 de Dezembro - assim, seria possível enviar as tropas em Março, antes das temperaturas subirem demasiado.
Negociar com quem?
Ban Ki-moon quer dar mais tempo às negociações, posição partilhada pela Argélia, Mauritânia e Burkina Faso.
Ganhar a guerra e começar a recuperar o Mali será muito mais fácil se antes for possível separar os tuaregues e a Al-Qaeda.
O caminho para as negociações também não se afigura fácil. Blaise Compaoré, Presidente do Burkina Faso e mediador regional para a crise, vai apresentar esta segunda-feira ao Governo interino uma "agenda de conversações" com o MNLA e o Ansar Dine. Reunida numa conferência em Bamaco (a capital do Mali) durante o fim-de-semana, a Aliança dos Democratas Patriotas para a Saída da Crise (que junta 20 partidos e uma dezena de movimentos civis) recusou estas negociações e acusou o MNLA e o Ansar Dine de não serem "representativos dos tuaregues do país".
Ondas de choque
A crise do Mali era uma tempestade à espera de acontecer. A luta separatista dos nómadas tuaregues já tinha motivado três revoltas contra o Governo de Bamaco. A derrota de Muammar Khadafi na Líbia "provocou ondas de choque que vão continuar a fazer-se sentir na região por muito tempo", disse Hans Hoebeke, director do programa africano do Egmont, num encontro com jornalistas europeus. Khadafi passou anos a financiar organizações radicais, engrossando o seu próprio Exército com tuaregues que regressaram à região treinados e bem armados.
"Os intervenientes internacionais não viram o que aí vinha. Não tinham presença suficiente no terreno", nota Hans Hoebeke. Agora, sublinha, há "um contexto geopolítico completamente diferente na região do Sahel e do Sara" a juntar-se "ao problema histórico dos tuaregues".
Hoebeke diz que actualmente há pelo menos três centros de poder no Mali: o chefe do Estado-maior e líder do golpe que derrubou o Presidente Amadou
Touré, o capitão Amadou Sanogo, à frente de um Exército desfeito e mais preocupado em extorquir políticos e empresários do que em impor a estabilidade; o presidente interino, Diancounda Traoné; e Modibo Diarra, "um primeiro-ministro que não está sob controlo do Presidente".
O analista duvida do sucesso de uma intervenção externa, mas, ao mesmo tempo, sabe que quanto mais esta for adiada, mais tempo se está a dar a alguns grupos para se prepararem".
Como Ban Ki-moon, Hoebeke tem mais perguntas do que respostas: "Quando finalmente lançarmos uma operação, eles vão fugir. Para onde? As fronteiras não existem. Virá uma vaga de islamistas radicais a caminho do Magrebe e da Europa?".
Jornal ESQUENTO – 04.12.2012

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