segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O SISTEMA FISCAL - OBJECTIVO ESTADO E DEVER DO CIDADÃO: SERÁ CONSTITUCIONAL A ACTUAL PROPOSTA DE REVISÃO DA LEI DO IRPS?

 


No ano passado escrevi um artigo de reflexão sobre o impacto do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRPS) na criação da riqueza nacional e no empoderamento dos cidadãos. Formulei, na ocasião, várias críticas sobre a actual Lei do IRPS e terminei, a referida reflexão, convidando o Governo a traduzir em acções concretas o propalado discurso e compromisso de combate à pobreza, submetendo à Assembleia da República uma proposta de revisão da legislação fiscal vigente de modo a corrigir as injustiças contra os cidadãos e particularmente o funcionário público e agente do Estado.

Um dos aspectos que defendia a sua revisão relacionava-se com os abatimentos de determinadas despesas nos impostos, o que é uma pratica em quase todo o mundo. Na altura, após consultar a legislação fiscal portuguesa, que é o sistema que mais se aproxima do nosso, havia feito duas constatações contraditórias:

· Que a nossa legislação do IRPS era uma autêntica cópia da lei portuguesa no concernente à colecta deste imposto, mas,

· Que era uma cópia imperfeita no tocante aos tipos de abatimentos que a lei portuguesa prevê.

Pois, nos termos da legislação portuguesa, podem ser abatidos ao rendimento do contribuinte, as despesas realizadas, para si e/ou para os membros do seu agregado, com a saúde, educação, juros e amortizações de dívidas contraídas com aquisição, construção ou beneficiação de imóveis para habitação, rendas por contrato de locação financeira relativo à imóveis para habitação própria, seguros, imposto autárquico, planos individuais de poupança-reforma, donativos de interesse público que o cidadão concede às igrejas, instituições religiosas, escolas, associações comunitárias; entre outras despesas sociais.

Defendia eu que o Estado Português ao permitir os abatimentos acima descritos propiciava a sua acção reguladora e promotora do crescimento e desenvolvimento económico e social do país e permitia a construção e a consolidação de uma classe média sólida, factor indispensável ao desenvolvimento harmonioso e estável de qualquer sociedade.

Ora, isto não acontece ainda no nosso país. Os moçambicanos são, à luz da nossa legislação sobre o IRPS, obrigados a pagar este imposto, mas não têm o direito de fazer qualquer abatimento ao mesmo.

Portanto, eram estas e outras inquietações que levaram-me a escrever o referido artigo na expectativa de ver a legislação revista e as preocupações acauteladas em prol do interesse nacional.

Felizmente a minha sugestão mereceu o acolhimento favorável do Governo que acabou de submeter, em Novembro último, uma proposta de revisão da referida legislação. A proposta de revisão da Lei defende que, entre outros aspectos: i) os rendimentos do trabalho dependente deixem de ser englobados aos restantes rendimentos para efeitos de cálculo do imposto, sujeitando-se a retenção na fonte a título definitivo; ii) a fixação de um mínimo não tributável em 225.000,00 meticais/ano; iii) isentar do IRPS o subsídio de morte; iv) determinar que o estado civil do sujeito passivo deixe de influenciar a forma de cálculo do imposto e de declaração dos rendimentos, passando cada sujeito passivo a declarar os rendimentos próprios e de seus dependentes, etc...

Todas essas propostas são à partida bem-vindas e merecem o nosso acolhimento; no entanto, parece-me, salvo melhor entendimento, que a proposta pretende mais uma vez penalizar o contribuinte moçambicano visto que mais uma vez não preconiza qualquer tipo de abatimentos ao IRPS decorrentes de determinadas despesas, propiciando que o cidadão continue a ser dupla ou triplamente tributado diferentemente do que acontece no âmbito da legislação portuguesa (principal fonte de inspiração do nosso legislador).

Mais ainda, o Governo formula outras propostas cuja constitucionalidade é questionável e podem inviabilizar parte da estratégia governamental de combate a pobreza e da criação de uma classe média sólida, factor indispensável ao desenvolvimento harmonioso e estável de qualquer sociedade.

Por exemplo, a proposta de revisão defende uma taxa única de 20% para os rendimentos anuais colectáveis superiores a 225.000,00 Meticais. De acordo com esta proposta, todo aquele que aufira um salário mensal bruto acima de 18.000,00 meticais será tributado à uma taxa de 20%. Anteriormente esta taxa era variável e determinada em função de cada rendimento, mas hoje propõe-se que a taxa seja fixa independentemente de o cidadão auferir um salário mensal bruto de 19.000,00 meticais ou auferir um salário mensal bruto de 100.000,00 meticais ou acima deste montante.

Acontece que à luz da nossa Constituição da República o Estado tem como objectivo a edificação de uma sociedade de justiça social e o sistema fiscal é estruturado com vista a satisfazer as necessidades financeiras do Estado e das demais entidades públicas, realizar os objectivos da política económica do Estado e garantir uma justa repartição dos rendimentos e da riqueza.

Para tal o Estado moçambicano pugna pelo respeito ao princípio de igualdade que, conforme o Professor Doutor Jorge Miranda no Manual de Direito Constitucional, comporta dois sentidos: o da igualdade formal e o da igualdade material. O primeiro pressupõe que se trate a todos de igual maneira e o segundo pressupõe que se trate de igual forma situações iguais e de maneira diferente situações diferentes. Será então, constitucional tratar situações diferentes mas de maneira igual no caso da taxa única do IRPS?

A meu ver, o Estado moçambicano beneficiar-se-ia mais com um alargamento da base tributária e uma redução das taxas dos impostos em vigor permitindo que mais pessoas contribuam para o erário público, do que com o sistema ora em proposta.

Esta opção, quanto a mim, permitiria que os contribuintes moçambicanos, particularmente os funcionários públicos, contassem com mais recursos para melhorar sua qualidade de vida, aumentar a motivação pelo trabalho e eventualmente aumentar a poupança nacional, que certamente se reflectiriam no crescimento económico do país.

Ao agir assim, a meu ver, o Governo estaria a ser mais coerente com o seu propalado programa de combate a pobreza absoluta.

Uma outra questão ligada ao IRPS que a todos atormenta e que continua sem resposta na proposta de revisão, relaciona-se com o seguinte:

Porquê o Governo Moçambicano, através do Ministério das Finanças, notifica, imediatamente, o sujeito passivo devedor de imposto e não faz o mesmo no caso de o sujeito passivo ter direito ao reembolso de impostos indevidamente pagos?

Tratando-se do mesmo sujeito passivo, existirá alguma razão do tratamento diferenciado nos deveres (pagar Imposto) e direitos (reembolso do imposto) inerentes?

Onde é que está a lógica desta discriminação?

Ciente das responsabilidades acrescidas que o Governo tem nesta e noutras matérias, convido o Governo a traduzir em acções concretas o seu propalado discurso e compromisso de combate a pobreza, submetendo, de imediato, à Assembleia da República uma emenda a actual proposta de revisão da legislação fiscal vigente de modo a corrigir as injustiças contra os cidadãos e particularmente o funcionário público.

Por estar convicto de que muitos cidadãos partilham este sentimento, incluindo alguns membros do Governo e da nomenclatura política é que, mais uma vez, volto a escrever sobre esta temática na esperança de que o bom senso prevaleça e o interesse nacional seja acautelado e que o Governo presenteie aos seus cidadãos neste final de ano com um sistema fiscal mais justo e equitativo.

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