sábado, 15 de dezembro de 2012

O INÍCIO DA LUTA ARMADA EM ANGOLA


TRIBUNA DA HISTÓRIA - Edição de Livros e Revistas, Ldª.
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O autor

Neste excelente livro o autor, tenente coronel António Lopes Pires Nunes, relata minuciosamente o que se passou na guerra do Leste de Angola. Sugerimos vivamente a sua leitura a todos aqueles que estão interessados em saber a verdade sobre a descolonização e a guerra em Angola. Como o livro tem copyright e não será fácil de adquirir àqueles que vivem em Angola, solicitamos a complacência da Editora e do Autor. Obrigado

(...) No dia 15 de Março de 1961, Angola acordou sobressaltada com notícias preocupantes sobre algo de muito grave que ocorria nos distritos de Uíge, Zaire e Cuanza Norte. Os portugueses tomaram, então, conhecimento da existência da UPA (União dos Povos de Angola), movimento independentista que, acoitado no Congo ex-belga e com o apoio de algumas organizações internacionais, cometia naquela região um generalizado massacre. Hordas enlouquecidas, armadas com catanas, assassinavam selvatícamente pessoas de todas as raças, credos e idades, destruíam as estruturas económicas e viárias e incendiavam as fazendas e as povoações daquela tão vasta e rica região, fazendo do Norte de Angola um verdadeiro inferno. Desolação, casas fumegantes, estradas cortadas e cadáveres por todo o lado, era só o que a observação aérea podia detectar. As populações aterrorizadas refugiaram-se nas matas, fugiram para os países vizinhos ou acolheram-se a alguns núcleos de resistência, como Carmona, Negage, Mucaba ou Quimbele, aguardando a chegada de socorros. Por seu lado, as autoridades militares reagiram às atrocidades com as poucas forças armadas disponíveis, que unidades metropolitanas reforçaram, e sustiveram o ímpeto da UPA.

A data iria marcar o início de uma longa guerra subversiva que Portugal viveu em Angola, entre 1961 e 1974, que se foi agudizando com a transformação da UPA em FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola), o aparecimento, do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) e, mais tarde, da UNITA (União Nacional Para a Independência Total de Angola). As catanas, que eram instrumentos de trabalho, foram substituídas por armas automáticas, minas e morteiros e as hordas deram lugar a grupos de guerrilha instruídos que enfrentavam, agora, não populações indefesas mas as FAP (Forças Armadas Portuguesas).

As ideias independentistas que norteavam estes movimentos colhiam crescente apoio internacional e Portugal, como não aceitou discutir a independência deste seu território de Além-Mar, que considerava ser uma sua província ultramarina, foi ficando isolado, nomeadamente em relação a países que tradicionalmente eram seus amigos e aliados.

O conflito armado assumiu características peculiares por serem três os movimentos em luta e, sobretudo, por nunca se terem aliado. Por este facto, as forças portuguesas combateram em Angola sempre contra três inimigos diferentes, que aliás se guerreavam entre si, e que tinham interesses e estratégias diferentes. Sucedeu mesmo que, no Leste, a partir de 1966, defrontaram simultaneamente os três, colocando-os em dificuldades, e nem mesmo este facto alterou as relações entre eles. Esta falta de unidade explica-se, em grande parte, pela circunstância de se viver, então, a chamada Guerra Fria, que dividiu o mundo em dois grandes blocos ideológicos, liderados pela URSS e os EUA, que se afrontavam e disputavam a primazia em África. As organizações e os seus dirigentes participavam indirectamente neste afrontamento ao qual não podiam furtar-se sem colocarem em causa os apoios que obtinham de um ou do outro lado. Também os países vizinhos estavam alinhados e só concediam apoios aos movimentos com quem tinham afinidades ideológicas.

A UPA iniciara a guerrilha no Norte, mas fê-lo precipitadamente e sem reunir as condições ideais. Devido à crise que então se vivia na República Democrática do Congo (RDC), depois república do Zaire, que obtivera a independência havia pouco tempo, esta precipitação foi um risco que poderia ter sido pago caro. Mas ganhou a corrida ao MPLA e, sendo-lhe favorável a evolução política congolesa, foi-se organizando neste país e aí se manteve até 1974, sempre com o apoio do governo pró-ocidental do general Mobutu.

Por sua vez, o MPLA, professando uma ideologia comunista, só pôde instalar-se na República Popular de Congo (RPC) de onde apenas podia levar a guerrilha a Cabinda. Confrontado com a falta de adesão dos povos cabindas, transferiu-se, em 1966, para a Zâmbia e fixou-se na fronteira do Moxico para entrar em Angola, pelo Leste. No Moxico, o MPLA encontrou a UNITA que se adiantara e desenvolvia ali um profundo trabalho de subversão das populações e actuava já com grupos de guerrilha. Ao contrário do que sucedia no Norte, o MPLA movimentava-se, agora, à vontade e reforçava as suas estruturas, enquanto a FNLA, nesta área, como tinha os seus apoios no Zaire, ficou muito limitada. Parecia claro que, sem se unirem, propósito que o MPLA tentou e a FNLA sempre recusou, se tornava difícil a qualquer dos movimentos, por si só, executar uma estratégia global.

Em 1966, os movimentos haviam já consolidado as duas áreas de guerrilha, que denominavam de 'frentes', às quais as forças militares opunham Zonas de Intervenção. Logo em 1961, havia sido criada a Zona de Intervenção Norte (ZIN), nos distritos de Cabinda, Zaire, Uige, Luanda, Cuanza Norte e Malange e, prevendo-se o que veio a suceder, a Zona de Intervenção Leste (ZIL), abrangendo os da Lunda e do Moxico.

Apesar das forças portuguesas terem que se repartir, foi-Ihes possível concentrar no Leste meios importantes que, todavia, não foram suficientes para evitar a expansão da subversão.

A opinião pública portuguesa, na segunda metade da década de 60, foi-se mentalizando para as dificuldades crescentes na Guiné e até para um eventual desaire militar neste território mas, em relação a Angola, enraizou a ideia de que a situação militar era muito favorável - e era-o, de facto, até 1966. A generalidade dos portugueses e mesmo uma grande maioria dos militares só tarde se foi apercebendo do perigo que representava o MPLA instalado na Zâmbia com a exclusividade das ajudas deste país. E apenas despertou para a realidade quando começaram a chegar notícias, cada vez mais preocupantes, das baixas em combate no Leste e do aparecimento dos grupos guerrilheiros, cada vez mais no interior de Angola.

Fortemente instalada na Zâmbia, tendo o apoio directo de uma população que transferiu, com o apoio da OUA, da região de Brazzaville (Cf. Iko Carreira, em "O Pensamento Estratégico de Agostinho Neto") e com bases perto da fronteira, onde o armamento chegava em grande quantidade, a ameaça era real. Se o MPLA continuasse no mesmo ritmo, a situação militar em Angola tornar-se-ia muito problemática com enorme impacto em Portugal Continental e com reflexos incalculáveis nas lutas que as FAP travavam na Guiné e em Moçambique.

Em 1970, os comandos militares responderam ao MPLA com igual conversão estratégica e, nos primeiros anos da década de 70, acrescentaram uma nova fase à luta que se travava no Leste, que ficou assim definida:

• De 1966 a 1970, o MPLA expandiu-se profundamente no território do Leste e a UNITA afirmou-se como um movimento muito aguerrido com capacidade para o acompanhar, em profundidade, ainda que limitadamente. Criou-se, então, uma situação militar muito difícil porquanto o MPLA chegou a atravessar o rio Cuanza para oeste, ameaçando o distrito do Bié. No entanto, as FAP, sem grandes alterações estratégicas e apenas com o balanceamento de meios conseguiram suster o avanço da guerrilha.

•Em 1970, o Comandante-Chefe das Forças Armadas de Angola tomou grandes decisões estratégicas e transferiu o esforço principal do Norte para o Leste.

• De 1971 a 1974, as FAP iniciaram uma verdadeira contra-ofensiva, em termos de guerra subversiva, e foram capazes, numa posição claramente vencedora, de remeter os três movimentos para além fronteiras, completamente desorganizados, obrigando-os a ter que reformular a sua estratégia.

OS MOVIMENTOS INDEPENDENTISTAS EM 1972 e 1973

(...) O ano de 1972 foi desvastador para a FNLA e o MPLA. Além das derrotas militares, ambos os movimentos viveram gravíssimas dissensões internas. A FNLA viu-se a braços com uma grave amotinação dos elementos do ELNA na base de Kinkuso, que obrigou as tropas do Zaire a intervir, e o MPLA foi confrontado com a Revolta do Leste encabeçada por Daniel Chipenda, em oposição a Agostinho Neto. Estes factos, que tiveram grande ressonância regional e um forte impacto na OUA, traziam em si o gérmen da dissolução e da derrota dos dois movimentos e foram em grande parte uma consequência da poderosa ofensiva portuguesa.

Perante a desorganização geral dos dois movimentos, a OUA, com a interferência de Mobutu, ainda os juntou e fez assinar a Acordo de Kinshasa de 13 de Dezembro de 1972. Mas como coligar dois movimentos que não o quiseram fazer durante onze anos, numa altura em que os dois partidos, derrotados no terreno, se desfaziam?

Contudo, a coligação preocupava os comandos militares portugueses uma vez que os dois partidos, com as forças remanescentes, seriam capazes de eleger um objectivo comum e investir nele com uma força poderosa. O acordo, porém, não teve consequências práticas, devido às fortes contradições. Criara-se o CSLA (Conselho Superior de Libertação de Angola) com o CMU (Comando Militar Unificado) e o CPA (Conselho Político Angolano), o que parecia uma solução acertada. Mas, quando se atribuiu o órgão militar ao MPLA, e o órgão político à FNLA sabendo-se que o MPLA tinha maior projecção internacional e a OUA tinha retirado o apoio ao GRAE e o concedera ao MPLA, toda a estrutura ficava sob a hegemonia deste movimento. Mobutu ainda tentou compensar esta discrepância não permitindo ao MPLA circular no território do Zaire mas o acordo nunca teve qualquer consequência militar em Angola.

A fraqueza dos movimentos independentistas no Leste está patente no cada vez mais reduzido número de acções que efectuaram no decorrer do ano de 1972 sobre as tropas portuguesas e as populações. O número de baixas que provocavam foi-se também reduzindo, tornando-se insignificante a partir do mês de Setembro.

A FNLA entrou em crise total e retirou o seu batalhão infiltrado, enquanto o MPLA, após o colapso dos seus esquadrões, ia recolhendo às suas bases na Zâmbia.

A situação para os movimentos não melhorou no ano de 1973. As notícias referiam que o MPLA se encontrava em fase de reestruturação. Politicamente tinha criado o CNMR (Conselho Nacional do Movimento de Reajustamento) e a CPMR (Comissão Provisória do Movimento de Reajustamento), órgãos destinados à Frente Leste, por motivo da dissidência atribuída a Chipenda. No campo militar, pensava reorganizar os efectivos dos seus esquadrões desbaratados em cinco colunas, cada uma delas constituída por um comando e 5 esquadrões, apoiadas em CO (Centros Operacionais) com sede nas bases principais da Zâmbia.

De acordo com este conceito de manobra, completamente desarticulada do falido Acordo de Kinshasa, estas colunas teriam por missão atacar e destruir objectivos na faixa fronteiriça e criar condições para a progressão para o interior. Enviados a Angola alguns responsáveis dessas colunas para reuniram os efectivos e dar as directivas necessárias, acabaram por voltar à Zâmbia para locais inacessíveis ou passaram a viver em regime de normalização.

Com a mudança do Comando da ZML, em meados de 1973, a actividade operacional não abrandou e continuou a dificultar a vida aos grupos que, por vezes, penetravam em Angola para acções curtas e muito violentas próximo da fronteira. Em Novembro de 1973 ainda montaram uma emboscada no itinerário Luvuei-Lutembo, causando 5 mortos e 32 feridos militares, dos quais 15 graves, mas eram já, não obstante o seu elevado potencial de fogo, acções ocasionais de fronteira, mas muito traiçoeiras, porque surpreendiam as tropas portuguesas confiantes e descontraídas. A UNITA, procurando tirar partido da quase ausência do MPLA e da.FNLA e prevendo que a sua situação teria de ser esclarecida, tentou sem êxito, em Outubro de 1973, ser reconhecida oficialmente pela ONU, no decurso da 22a sessão do Comité de Libertação, em Mogadíscio.

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