sábado, 8 de dezembro de 2012

Eu, militante, me confesso... - Mário Afonso d’Almeida (Kasesa)


Sexta, 07 Dezembro 2012 08:27

Luanda – Eu, militante do MPLA há mais de 50 anos, venho perante o meu partido confessar-me, em primeiro lugar, de ter decidido não actualizar o meu registo eleitoral dentro dos prazos, ficando por isso impossibilitado, segundo o regulamentarmente estabelecido, de exercer o meu direito cívico de votar nas eleições “presidentoparlamentares”.

Fonte: NJ

Em segundo lugar, acrescento à minha confissão o ter decidido abster-me ou não votar positivamente a favor do meu partido, votando “branco”, quando foi dada a possibilidade aos cidadãos de votar com cartão de eleitor não actualizado. Então, porque é que um tão antigo militante, se “rebelava” desta maneira, abstendo-se ou votando em branco?

Vejamos pois quais as razões de tal atitude.

1ª. Razão: O sistema político de governo instituído na actual Constituição, o presidencialismo “atípico” e o modo de eleição dos poderes do Estado, sistema costurado à medida do MPLA e do seu Presidente. Aprovada em Fevereiro de 2010, a nova Constituição substituiu a anterior que obrigava à realização de eleições para Presidente da República e para deputados à Assembleia Nacional, em separado, com um ano de intervalo entre as duas.

Ora, em 2008, foram realizadas eleições para o Parlamento e, segundo a Constituição ainda vigente em 2009, dever-se-ia realizar a eleição para Presidente da República um ano após as parlamentares, o que não foi feito violando assim o preceito constitucional que a isso obrigava. Uma flagrante inconstitucionalidade que, embora reclamada por várias gentes, não foi considerada como tal nem pelo Parlamento, nem pelo Supremo Tribunal este nas vestes de Tribunal Constitucional.

2ª Razão: Durante o processo para a preparação e organização das eleições gerais de 2012, o pacote eleitoral foi, para a sua aceitação, vigorosamente debatido pelos partidos o que, após avanços e recuos, acabou por se encontrar consenso para a sua aprovação. No entanto, a constituição da Comissão Nacional Eleitoral e em particular a eleição do seu Presidente, constituíram mais um pomo de discórdia entre os partidos, com os da oposição a porem em causa a legalidade da indicação e votação da Dra. Suzana Inglês para o lugar de chefia da CNE, por não reunir uma das condições exigidas, o ser magistrado judicial em funções; desde há muitos anos que deixara de ser magistrada judicial tendo passado a exercer advocacia.

Apesar disso, o Conselho Nacional da Magistratura Judicial, em argumentação nada convicente, saíu prontamente a terreiro em defesa da sua “dama”. A muito custo e sob a ameaça pelos partidos da oposição, encabeçados pelo partido UNITA, de boicotarem as eleições, o Conselho Nacional da Magistratura Judicial assim como a maioria dos deputados à Assembleia Nacional reconheceram o erro e a Dra. Suzana Inglês foi destituída e, em sua substituição, votado o Juiz conselheiro Dr. Silva Neto. Que de tempo perdido e quanta humilhação para dra. Suzana Inglês e para essas instituições do Estado!

3ª Razão:
O modo excessivamente desigual e até mesmo em certos momentos ilegal – os tempos de antena - como se processou a pré-campanha e a própria campanha eleitoral, constituiu outro dos motivos da minha atitude.

Durante a campanha eleitoral e mesmo muitos meses antes, a imprensa estatal, mormente a Rádio Nacional-RNA, a Televisão Pública de Angola-TPA e o único diário nacional, o Jornal de Angola ocupavam, os primeiros, diariamente e em todos noticiários, mais de setenta por cento do noticiário e, o diário Jornal de Angola, as páginas principais, com propaganda eleitoral a favor do partido majoritário, infringindo flagrantemente o Código de Conduta Eleitoral no que respeita aos tempos de antena, à vista e ao conhecimento da Comissão Nacional Eleitoral.

Mas o Partido do Governo, através dos governadores-primeiros secretários e das suas organizações partidárias, comités de acção, Oma e Jota, mobilizava os seus militantes vestidos das cores do partido para, em massa, engalanarem as inaugurações, cortes de fitas, distribuição gratuita de alfaias agrícolas, cadeiras de rodas, capacetes para motociclistas, etc. etc. enquadrando-os nas benfeitorias que o Executivo sob a clarividente chefia do Camarada Presidente, Engenheiro José Eduardo dos Santos tem vindo a implementar.

4ª Razão:
O não combate à corrupção e ao enriquecimento ilícito. Regularmente vemos nos meios de comunicação nacionais e internacionais relatos circunstanciados das fortunas de alguns dos nossos concidadãos de quem não se conhecem progenitores ou parentes ricos de que tivessem sido herdeiros de alguns bens dos quais, através de trabalho honesto e porfiado, tivessem obtido por multiplicação o que hoje possuem.

E então, como obtiveram eles essas enormes fortunas? Todos nós sabemos como. Mas o que sucede é que a grande maioria desses milhões (em US dólares) é despendida fora das nossas fronteiras em aquisição de propriedades, de acções bolsistas, de vivendas de luxo e automóveis de alta cilindrada.

Entre esses nossos ricos ou endinheirados há os que, poucos, empregam parte do dinheiro no país criando empresas de vários tipos multiplicando a fortuna e criando emprego. Do mal o menos.

Como foram adquiridas essas fortunas? Alguns dizem que utilizaram as posições que têm ou tiveram no aparelho do estado para, por meio de “engenharias financeiras”, reproduzir as poucas economias; outros, diz-se à boca pequena ou à boca cheia, conseguiram-no através de mecanismos aparentados a corrupção, tais como as comissões de “10 a 30 por centos” de “benefício” ou, puramente, por corrupção de que, só quem não vê ou não quer ver, se diz não haver provas incriminatórias.

5ª Razão: A “partidarização” do Estado e da governação. O Chefe de Estado, Presidente da República, Chefe do Governo e Comandante em Chefe das Forças Armadas é simultaneamente e desde sempre Presidente de um partido, o que não me parece curial.

Não é ele, então, o Presidente de todos os angolanos que, tirando os milhões e milhões do MPLA, são muitos mais os filiados em outras formações políticas, partidárias e não partidárias, ou sem qualquer filiação? Sendo as Forças Armadas, por força da sua natureza e da Constituição, apartidárias, como pode o seu Comandante em Chefe ser ao mesmo tempo Chefe de um só partido? O mesmo, “mutatis mutandis”, se pode dizer do facto de os Governadores provinciais exercerem funções de direcção partidária nas vestes de primeiro secretário do partido.

Como acabar com essas incongruências? Talvez com a retirada dos Estatutos do meu Partido da cláusula que obriga a que o Presidente do Partido seja obrigatoriamente o candidato a Presidente da República e se democratize mais a vida partidária. Chegado às vésperas do dia 31 de Agosto continuava a minha dúvida.

Mas, no próprio dia da votação, depois de avaliar e pesar os prós e contras, decidi apor o meu voto no quadradinho do meu Partido, principalmente por coerência com o meu militantismo de mais de 50 anos, e acabei por considerar positivo o balanço entre as realizações do Governo, implementadas algumas apressadamente com fins eleitoralistas, e outras por implementar: o findar da guerra fratricida e a forma magnânima como foram tratados os vencidos; a criação de novas universidades em algumas províncias; a reactivação das infra-estruturas ferroviárias e rodoviárias; o novo projecto LNG;

o esforço para se atingir o desiderato, megalómano e irrealista, do milhão de casas e dos duzentos e cinquenta mil aniversários licenciados em quatro anos, construindo à lufa as chamadas “centralidades” e os centros universitário entre diversos estabelecimentos de ensino. Enfim, não há que negar e fechar os olhos a tudo que foi efectivamente, talvez não eficientemente, feito.

Face a esse balanço eu, militante do MPLA, confesso que votei no M, em parte constrangido e não me penitencio, pelos motivos apresentados no parágrafo anterior e, também, esperançado de ver realizado no próximo quinquénio um programa que faça o país crescer não só financeiramente com base nos rendimentos do petróleo mas que esse crescimento seja inclusivo e se veja traduzido em desenvolvimento humano cujo nível está ainda entre os mais baixos de África.

Durante os próximos cinco anos da governação do país, estaremos atentos e sempre que necessário far-nos-emos ouvir para a objectiva crítica, positiva ou negativa.

Nota: O Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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