quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Da renúncia de Ismael Mussá à nomeação de Luís Boavida



Por Sérgio Chichava   

 

Formado em Março de 2009, após a expulsão de Daviz Simango da Renamo por Afonso Dhlakama, o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) tem passado por sucessivas crises, suscitando dúvidas sobre o futuro político deste partido. De entre estas crises, a dissolução da Comissão Política (CP) pelo presidente do MDM, em Fevereiro de 2010, e a recente renúncia de Ismael Mussá do cargo de Secretário-Geral deste partido, foram as mais mediáticas[1].

 
Como explicar estas crises? Na imprensa, várias têm sido as análises veiculadas, desde aquelas que apontam para as consequências de uma gestão autocrática, nepotista e personalista do “clã Simango”, até aquelas que vislumbram a influência de um quase-omnipresente SISE, que se teria infiltrado e desestabilizado o partido.

 

A DISSOLUÇÃO DA COMISSÃO POLÍTICA


Em Fevereiro de 2010, pouco tempo após a realização das eleições gerais de Outubro de 2009, nas quais o MDM, apesar de ter sido excluído em vários círculos eleitorais, participara, obtendo resultados impressionantes para uma formação política recém-formada e sem grandes recursos humanos, materiais e financeiros, o presidente do partido, Daviz Simango, considerando que era preciso “imprimir nova dinâmica ao partido”, anunciou a dissolução da CP do MDM.
Considerada ilegal e anti-democrática em virtude de não ter respeitado os estatutos do partido, esta decisão de Daviz Simango levou a que alguns círculos (sobretudo parte da imprensa independente) comparassem o presidente do MDM com o presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, conhecido pela sua gestão autocrática e personalista do partido[2]. Com efeito, apesar de os elementos da CP serem eleitos pelo Congresso sob proposta do presidente do partido, que também preside este órgão, os estatutos são ambíguos em relação à sua dissolução, e não prevêem explicitamente a possibilidade de o presidente destituir a CP.


Entretanto, ao dissolver unilateralmente a CP do MDM, Daviz Simango pretendia resolver o impasse que tinha surgido numa reunião realizada em Nampula um pouco antes das eleições gerais de 2009, a qual resultou na participação do MDM nas eleições de Outubro de 2009 sem Secretário-Geral, uma vez que não houve consenso para a sua nomeação. A falta de consenso foi atribuída a certos elementos que, na altura, compunham a CP do MDM, que não viam com bons olhos a pretensão de Daviz Simango de nomear Maria Moreno, antiga chefe de bancada da Renamo e candidata derrotada nas eleições locais de 2008 pelo município de Cuamba, para o cargo de Secretáriário-Geral do MDM.

 
A dissolução da CP do MDM custou a este partido a saída de uma das suas figuras de destaque, Ivete Fernandes, antiga militante histórica da Renamo e viúva do primeiro Secretário-Geral deste partido. Aliás, tudo indica que o objectivo último da decisão de Daviz Simango era afastar esta militante, que na altura ocupava o cargo de responsável da Comissão Política do MDM para a Cidade de Maputo e era vista como tendo se tornado figura incómoda no seio do MDM.
Ademais, não se pode perder de vista que foi logo após a dissolução da CP, ou seja, em Março de 2010, que o MDM conseguiu ter um Secretário-Geral, Ismael Mussá, cuja candidatura tinha apoio de Daviz Simango. Para além de Ismael Mussá, três outros candidatos nomeadamente Maria Moreno, Barnabé Nkomo e João Colaço tinham concorrido para este cargo.



DE ISMAEL MUSSÁ A LUÍS BOAVIDA


Afirmando inexistência de diálogo, denunciando a gestão personalista, danosa e familiar do partido pelo “clã Simango” coadjuvado pelo seu correligionário Barnabé Nkomo, Ismael Mussá decidiu em Abril do ano em curso, pôr o seu cargo de Secretário-Geral à disposição do Partido, pedido que foi imediatamente aceite pelo presidente deste partido. Mais concretamente, Ismael Mussá acusava Simango de não respeitar os estatutos do partido. Quanto a Lutero Simango, chefe da bancada do MDM e Barnabé Nkomo, chefe das relações exteriores deste partido, Mussá acusava-os de, num processo obscuro e em conluio com um empresário nacional, terem importado sem o seu conhecimento 13 viaturas de luxo, avaliadas entre 700 mil e um milhão de Randes cada, sem pagar os direitos relativos à importação, defraudando o Estado em cerca de 25 milhões de meticais[3]. Ou seja, Nkomo e Lutero teriam usado da prerrogativa que lhes confere a isenção de impostos na importação de viaturas para deputados para tirarem dividendos financeiros. Com Ismael Mussá, outros dois destacados membros do MDM, nomeadamente João Colaço e Dionísio Quelhas (a chamada ala “intelectual” do MDM) também se demitiram dos seus cargos. Estava pois consumada a segunda grande crise do MDM, exactamente dois anos após a sua formação! Uma vez mais e à semelhança do que acontece na Renamo quando este partido está em crise, a Frelimo (através do SISE) foi acusada de estar por detrás desta crise. Verdade ou não, o certo é que a maneira como Daviz e Lutero Simango gerem o partido, não parece democrática. Se Daviz Simango agisse de forma democrática não teria ficado impávido face às graves acusações contra Lutero e Barnabé Nkomo, que a se confirmarem, põem seriamente em causa a imagem deste partido.


Entretanto, Ismael Mussá foi substituído por Luís Boavida, que aderiu ao MDM em Março de 2010, portanto, um ano após a sua formação. Como interpretar a indicação de Luís Boavida para Secretário-Geral, sendo que este já forjou uma imagem de político não sério, violento e controverso?
Só para recordar, Luís Boavida é conhecido por ter protagonizado vários desacatos quando deputado pela Renamo. Entre 1994-1999 e 1999-2004, Luís Boavida junto com seu colega de então Jeremias Pondeca formavam a dupla mais “temida” na Assembleia da República. Por exemplo, em Março de 2000, protestando contra a presença de Joaquim Chissano na Assembleia da República, pois não o reconheciam como presidente eleito nas eleições de 1999, quase o impediram de forma violenta de discursar para o país. Assobiando, tocando apitos, mesas e outros objectos susceptíveis de fazer barulho, subindo em cima de cadeiras e de mesas, Luís Boavida e Jeremias Pondeca paralisaram a sessão da AR. Memorável e hilariante cena esta, da qual certamente Chissano e Mulémbwe jamais se esquecerão!


Quatro hipóteses podem ser aventadas para explicar a nomeação de Luís Boavida para este cargo.
1)    Pode-se dizer que Luís Boavida foi escolhido por não ser de Sofala. Como se sabe, o MDM sempre foi acusado de ser um partido de Sofalenses, sobretudo dos Ndaus. A indicação do Zambeziano Luís Boavida para Secretário-Geral pode ser uma tentativa de fugir a estas críticas: doravante, ninguém pode acusar o MDM de ser um partido “beirense” ou “sofalense”; ou seja, tratar-se-ia de fazer jus ao slogan deste partido: “Moçambique para todos”.


2) O facto de Luís Boavida não ser próximo da família Simango quer em termos de parentesco, quer em termos de naturalidade. Como se sabe, o MDM é acusado de ser um partido da família Simango, ou seja, de Daviz e de Lutero. Para além destes dois irmãos, diz-se que outro “dono” do MDM é Barnabé Nkomo, figura que para além de ser originária de Machanga tal como os Simango, a sua família é histórica e bastante ligada à de Daviz: seus antepassados participaram das célebres manifestações de Machanga e Mambone de 1953 tendo sido ambos desterrados.
A ausência de autoridade perante estas três figuras bastante influentes do partido, foi uma das razões evocadas por Ismael Mussá para se demitir do cargo.

A questão que se pode colocar aqui é se de facto isto é verdade, ou seja, que no MDM, para além de Daviz Simango, quem manda são Lutero Simango e Barnabé Nkomo. Conseguirá Luís Boavida impor a sua autoridade no seio do partido? Ou seja, conseguirá Luís Boavida o que Ismael Mussá não conseguiu? Esta será certamente uma das duras tarefas do novo Secretário-Geral: ter autoridade sobre os “donos” do MDM em vez de ser uma figura decorativa do partido, do que muitas vezes se queixou Ismael Mussá.


3)    Apesar de Luís Boavida ser um indivíduo controverso, não é tão perspicaz quanto Ismael Mussá, ou seja, diferentemente do antigo Secretário-Geral do MDM, Luís Boavida, fora do MDM, não tem alternativa política ou profissional. Isto faz com que Luís Boavida seja visto como sendo um indivíduo que jamais contestará a gestão autocrática dos irmãos Simango e do amigo Nkomo: Luís Boavida precisa mais do MDM do que o MDM do Luís Boavida.


4) Galvanizar o eleitorado do Centro e Norte de Moçambique, sobretudo do meio rural e o eleitorado tradicionalmente favorável à Renamo. Deve ser lembrado que Boavida é natural de Pebane, na Zambézia, uma província que, à excepção de 2009, sempre votou a favor da Renamo. Entretanto, se esta estratégia resultar, também pode ter efeitos perversos: afugentar o eleitorado urbano que não se revê numa figura como Luís Boavida.


Em forma de conclusão, pode-se dizer que mais do que uma “mão externa”, ou seja do SISE, o problema do MDM é interno. As sucessivas crises pelas quais o partido de Daviz Simango passou, explicam-se pela gestão (i) arrogante: Daviz nunca se pronunciou seriamente sobre as diferentes crises pelas quais o partido tem passado e se se pronunciou foi para ridicularizar as reivindicações dos queixosos. Sua arrogância explica-se essencialmente pelo facto de ser bastante popular na Beira, onde é presidente do município local; (ii) personalista: todos os demissionários acusam-no de não querer ouvir conselhos de ninguém, de centralizar tudo e; (iii) nepotista: Daviz assenta a sua autoridade em torno de familiares e amigos tanto no partido assim como no município da Beira.


Entretanto, estas diversas crises, pelas quais este partido tem passado, criam dúvidas no eleitorado que, desapontado com a Frelimo e a Renamo, tinha apostado no MDM. Ao invés de se dedicar a trabalhar para se apresentar como única alternativa credível a estes dois partidos, o MDM passa a maior parte do tempo a gerir crises, a dar sinais de um partido não democrático.
Aquando das eleições de 2009, o MDM prometera ser um partido que não vinha “brincar aos partidos políticos”, que tinha um “projecto de sociedade”, que “pretendia mudar Moçambique”, mas não só a gestão do partido como a sua actuação na Assembleia da República mostra que não se está na presença de um partido à altura das suas promessas: depois das eleições de 2009, o MDM nunca mais voltou a dialogar com os seus eleitores, nunca se pronunciou ou apresentou propostas políticas alternativas às apresentadas pela Frelimo, por exemplo. A continuar assim, o MDM arrisca-se a ser apenas um partido beirense (nem sofalense será) e parece que Daviz Simango contenta-se com esta situação. Isto para além de penalizar o próprio MDM, pode acentuar ainda mais a abstenção nas próximas eleições. À semelhança de Afonso Dhlakama que “traiu” os milhares de eleitores que votaram na Renamo nas diferentes eleições, Daviz Simango está “traindo” o eleitorado que em 2009 levou o MDM à Assembleia da República.
 

 



[1] Para além das duas crises acima citadas, outras menos mediáticas podem ser citadas, nomeadamente, o afastamento de Humberto Escova, antigo delegado provincial do MDM em Manica por suposta insubordinação; a crise na delegação zambeziana do MDM.
 
[2] Veja, E. Dança, “Um galo ditador? Daviz Simango dissolve Comissão Política do MDM”, Savana, 12 de Fevereiro de 2010.
[3] Ver “Ismael Mussá demissionário. Crise no MDM, Maputo”, Savana, Maputo, 15 de Abril de 2011.

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