sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

A segunda fase das nacionalizações

 
O governo nacionalizou a HCB, Águas de Maputo e o BNI. Nas empresas CFM, LAM, TDM, Mcel e EDM já está o Estado como principal dono. A estatização mostra que continuamos um país socialista em termos empresariais, sendo o Estado o principal player e agente económico. É um modelo que asfixia a concorrência e coarta a democracia.

Com as três empresas nas mãos do Estado, o governo tem um caminho muito facilitado para assegurar o alinhamento dos seus programas de desenvolvimento nas áreas de abastecimento de água, fornecimento de luz eléctrica e financiamento a sectores desamparados, principalmente a agricultura.
Nos últimos cinco anos, o governo apercebeu-se que a velocidade dos privados era menor que as metas estabelecidas nos seus planos e decidiu forçar os accionistas maioritários a cederam o seu capital. A decisão criou ressentimentos e abriu feridas, saradas mais tarde pela filosofia soft power da diplomacia entre Maputo e Lisboa.

Nas três empresas, o Estado passou a controlar maior parte das participações, “afastando” empresas portuguesas da estrutura de comando. O antigo presidente do Conselho de Administração da Águas de Portugal, principal accionista da Águas de Moçambique até 2011, mostrou que não gostou do negócio.
 
Pedro Serra disse, durante a assinatura do acordo de transferência das acções, em Maputo, que “o que perdemos não será devolvido” e que “todas as soluções seriam possíveis” para restruturar a empresa.
A estatização visa assegurar a gestão das empresas com um importante papel social e abre campo para o governo dar-lhes uma linha de orientação mais consentânea com as suas políticas de governação.
 
Nas LAM, TDM, Mcel, CFM e EDM está o Estado como o principal dono. Quer dizer, do ponto de vista de gestão empresarial, o país continua socialista, sendo o Estado o principal agente económico. As recentes nacionalizações mostram quanto o Governo quer controlar tudo.
ÁGUAS DE MOÇAMBIQUE
 
A empresa Águas de Portugal (ADP) cedeu, a 30 de Março de 2011, ao Fundo de Investimento e Património de Abastecimento de Água (FIPAG) os 73% das participações que controlava na Águas de Moçambique (ADM).
 
As autoridades moçambicanas afastaram a empresa lusa quatro anos antes do contrato de exploração terminar, e o presidente da ADP, Pedro Serra, disse que “todas as soluções seriam possíveis” para restruturar a empresa.
 
As participações de 73% foram adquiridas pelo FIPAG por cerca de seis milhões de euros, dos quais um milhão já tinha sido desbloqueado à ADP. O remanescente deveria ser pago até 2012, concluindo toda a operação.
 
As partes acordaram, também, repassar uma dívida da empresa para a nova administração. Trata-se de um crédito contraído junto ao Banco Comercial e de Investimentos (BCI), cujo valor não foi especificado.
 
O negócio de transferência de acções da ADP para o FIPAG foi rápido e obedeceu os prazos previstos. Mas também foi desconfortante para quem saiu. O presidente da ADP disse, mesmo, que a empresa que dirigia acumulou prejuízos e que sai numa altura em que a ADM começa a encaixar lucros.
 
Em 2010, a ADM teve um resultado operacional de 33 milhões de meticais, sendo a primeira vez que obteve resultados positivos desde que passou para a gestão maioritária da empresa portuguesa em 1999. Pedro Serra disse que se “conformava” com a decisão das autoridades moçambicanas, mesmo considerando que os prejuízos não serão compensados. “O que perdemos não será devolvido, mas isso não é o mais importante. A ADM tem agora capacidade para prosseguir com os projectos de distribuição de água”.
 
A restruturação da AdM foi recomendada pelo Banco Mundial, com vista a impulsionar o desenvolvimento da indústria nacional de água. A transferência de acções foi negociada ao mais alto nível, pelo ministro das Obras Públicas e Habitação, Cadmiel Muthemba, e pela contraparte portuguesa.
HCB
 
O negócio de compra das participações portuguesas na Hidroeléctrica de Cahora Bassa foi mais complicado. Portugal atrasou-se uma semana para assinar o acordo, em 2007. O negócio foi travado pela União Europeia. Era necessário contabilizar as perdas de Portugal na transferência das participações. A HCB tinha uma dívida de dois mil milhões USD junto de Portugal, entretanto perdoada, e devia pagar na hora 950 milhões de dólares.
 
A viabilização da operação dependia de Bruxelas, que deveria assegurar que o montante não fosse contabilizado no défice público, o que, a acontecer, faria com que Portugal ultrapassasse o orçamentado e se sujeitasse à aplicação de sanções comunitárias, no âmbito do pacto de estabilidade e crescimento (PEC).
 
Na sociedade portuguesa, várias vozes levantaram-se a criticar o governo de José Sócrates, acusando-o de fazer um mau negócio. Os 950 milhões de dólares tinham em conta o investimento que ainda era necessário fazer na empresa, o peso dos juros no aumento do montante em dívida ao longo dos anos, além dos longos prazos de pagamento.
 
Mas não era tudo. Para os bancos financiarem a reversão, precisavam de um contrato de longo prazo com a Eskon, a empresa de distribuição de energia da África do Sul, responsável pelo consumo de maior parte da produção.
 
Moçambique pressionou, até ao último minuto, a conclusão da operação, o que veio a acontecer a 27 de Novembro de 2007, quando passou a deter 85% das participações. Este ano, o país aumentou o seu peso para 92,5%, pagando 42 milhões de dólares.
 
Com o Estado à frente da HCB, a quantidade de energia fornecida à EDM para alimentar a rede nacional cresceu. Em 2007, sob o controlo do estado português, a HCB fornecia à EDM apenas 300 megawatts (MW), quantidade que subiu para 500 MW este ano, o correspondente a um aumento de 40 por cento, em cinco anos.
 
A ideia de nacionalizar a HCB visava exactamente assegurar os interesses da EDM, que tem em meta electrificar o país até 2014.
BNI
 
O Banco Nacional de Investimentos (BNI) nasceu sem o ritmo que determinou a sua criação. Portugal e Moçambique calcularam injectar um capital social de 500 milhões de dólares norte-americanos, mas realizaram apenas… 70 milhões de dólares.
 
Este banco foi montado com várias obras em vista, principalmente a construção da ponte Maputo-Katembe, espinha dorsal e central norte da HCB. Nenhuma destas obras está a ser erguida com dinheiro daquele banco, controlado pela Caixa Geral de Depósitos (49,5%), direcção Nacional do Tesouro (49,5%) e Banco Comercial e de Investimentos (BCI).
 
Esta semana, o governo anunciou que o Estado, através do Instituto de Gestão de Participações do Estado (IGEPE), passará a controlar 100% das participações do banco, devendo fechar a transferência das participações até Junho do próximo ano.
 
O ministro das Finanças, Manuel Chang, explicou que o banco estará virado ao financiamento da agricultura e infra-estruturas, uma resposta à necessidade de criação de um banco de desenvolvimento capaz de financiar sectores de risco.
 
O BNI é o braço do Estado no financiamento de projectos de forte impacto social, enquanto a HCB e Águas da Região de Maputo são empresas estratégicas, alinhadas com os interesses do Estado.
 
O PAÍS – 14.12.2012

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