sábado, 17 de novembro de 2012

O saudosismo das elites portuguesas

Artigos
Roger Godwin


Em http://jornaldeangola.sapo.ao/19/46/o_saudosismo_das_elites_portuguesas
 

Hoje
As antigas potências coloniais, sem excepção, tentam ciclicamente colocar à prova os seus antigos “protectorados” de modo a testar as possibilidades de um regresso ao passado, seja por via do mero paternalismo ou através de “programas de ajuda económica” destinados a aplanar o aumento da influência política.
É isso que se passa com a França em relação a países como o Senegal e o Mali, e o que sucede com a Inglaterra relativamente ao Zimbabwe. E é, também, o caso de Portugal em relação a Angola.
O caso concreto do saudosismo colonial das elites portuguesas em relação a Angola, que aqui abordamos, acaba por ser revelador da existência, por parte do antigo país colonizador, de um evidente e mesquinho complexo de inferioridade por parte de quem ainda se julga superior.
Portugal, o país mais pequeno, mais pobre e também o mais complexado da Europa atravessa, actualmente, um dos mais conturbados momentos da sua história com a existência de um governo a ser apontado pela esmagadora maioria da sua população com uma série de epítetos pouco abonatórios para a dignidade dos seus membros. É comum ouvirmos os manifestantes chamarem ladrões aos ministros!
Essa crise económica e de liderança política, expressa das formas mais variadas nas ruas e nas páginas dos jornais, obrigou a classe política no poder em Lisboa a tentar encontrar formas de dispersar as atenções da opinião pública de modo a perpetuar-se por mais algum tempo no poder.
Para isso, nada melhor do que apelar ao sentimento “patriótico” da população encontrando em Angola os bodes expiatórios para o lançamento de uma campanha de difamação capaz de unir o maior número possível de portugueses.
Só que os mentores dessa campanha, as tais elites que não escondem o seu saudosismo dos tempos coloniais, escolheram mal o argumento utilizado e optaram por uma desajeitada forma de lhe dar andamento. Servindo-se da subserviência política de um semanário para com o partido no poder, e da corrupção que grassa nos meandros da justiça lusa, os promotores da campanha escolheram argumentos que são os mesmos, pasme-se, que actualmente colocam Portugal num imenso charco de lama.
Num país onde a Justiça mantém em liberdade um grupo de destacados membros da sociedade que, comprovadamente, abusaram sexualmente de jovens socialmente fragilizados e que, de forma sistemática, deixa prescrever numerosos casos de corrupção que envolve badalados membros do governo, não admira que o Ministério Público, responsável pela instauração desses processos, seja permissível as articulações governamentais destinadas a tentar lavar a sua imagem.
Para isso, para eles, pouco importa que se cometa mais um crime: o de ingerência nos assuntos internos de um país estrangeiro, sobretudo se esse país for uma antiga colónia que, ainda por cima, teve o desplante de dar a volta por cima dos seus problemas e de estar, agora, a cometer a “afronta” de dar a mão a quem o subjugou durante demasiado tempo.
Aquilo que Portugal nunca pode perdoar a Angola é de não ter precisado dele para se impor internacionalmente e para acabar com uma guerra civil por si fomentada com o apoio explícito dado a Jonas Savimbi a quem pagavam para adiar a inevitabilidade da união de todo o país.
O “orgulhosamente sós” proferido por Oliveira Salazar no auge da luta de libertação nacional do povo angolano – e que agora está a ser reeditado por Cavaco Silva – é a moeda ingrata com que Portugal paga a Angola pelo facto deste país estar a ajudá-lo a sobreviver a esta crise.
Um país que abriu as portas aos portugueses que o primeiro-ministro aconselhou a emigrar, um país que cria mecanismos de favor para a instalação de empresas que haviam aberto falência e que tentam encontrar em África a solução para o seu salvamento, merecia, no mínimo, mais respeito pelos seus direitos de soberania.
Não fosse a ajuda que Angola tem dado a Portugal e este país europeu já teria caído no abismo provocado pela incompetência dos seus dirigentes que teimam em governar contra a vontade da esmagadora maioria do seu povo.
Um país falido, que já perdeu todo o crédito junto dos seus parceiros europeus, não se pode dar ao luxo de hipotecar – por uma mera questão de orgulho das suas elites – todo um capital que tinha encontrado junto de um dos mais bem sucedidos países africanos.
Angola e os seus empresários podem escolher investir em qualquer outro país europeu, mas será que Portugal se pode dar ao luxo de perder um investidor desta estirpe para ajudar a reequilibrar as finanças públicas.
O silêncio cúmplice como o Presidente da República e o governo de Portugal acompanharam as notícias de abertura, por parte do Ministério Público, de processos contra dirigentes angolanos revela a existência de uma articulação destinada a difamar o nome de Angola e, desta forma, a afrontar todo o mundo africano que assim fica exposto a todo o tipo de ingerências externas.
Quando um Ministério Público cai na tentação de investigar eventuais crimes cometidos noutro país por cidadãos estrangeiros está-se perante uma tentativa de legalizar uma política neocolonial no que ela contém de mais explícito.
Se a justiça portuguesa e a sua classe política já estavam desacreditados perante o mundo, este episódio apenas serve para sublinhar o desespero e a falta de vergonha que acompanham um país que, de tanto se vergar perante os que julga serem mais poderosos, corre sérios riscos de hipotecar a sua própria independência.
Para os africanos resta a consolação de um dos seus melhores filhos, Angola, está numa fase ascendente da sua existência enquanto Portugal, que já estava na cauda da Europa, esta a um passo de ser anexado pelos interesses dos seus parceiros europeus.

Sem comentários: