terça-feira, 20 de novembro de 2012

O perigo de ter escritores que não sabem ler!

 

by Matias De Jesus Júnior on Thursday, 15 November 2012 at 15:50 ·
O perigo de ter escritores que não sabem ler!

Uma das maiores misérias que nos empurra a terceiromundice[1] consiste no facto de convivermos com escritores e críticos, que até têm uma legiãozinha de admiradores, mas que não sabem ler! Isso mesmo: uma das maiores desgraças do nosso meio intelectual, não está exclusivamente no facto de o Governo não financiar a educação de qualidade, nem proporcionar informação de qualidade. Reside em parte, no facto de os nossos escritores e críticos não saberem ler. Esta asserção não traduz uma vontade de satirizar ou arrancar gargalhadas. Introduz sim um facto observado.
Problematizei na matéria sobre a edificação de um monumento artístico, numa das últimas edições do Canal de Moçambique o facto de uma Empresa Pública, a HCB ter pago 16 milhões de meticais pelo monumento. Qualquer leitor medianamente informado e um pouco responsável deveria ter compreendido que não pretendi com a matéria votar ao desprezo a arte nem muito menos informar que os artistas não merecem receber balúrdios de dinheiro em função da sua arte. Longe de mim tal pensamento, acredito na arte e nos seus artistas porque reconheço a sua contribuição para edificação de uma Republica.
Mas se um leitor (escritor) se decide ser meu crítico é da mais elementar ética que me leia e me entenda. Ora aconteceu-me verificar que um dos críticos da matéria em causa, não só não lera na íntegra todo o texto, assim como não estabelecera a sequencialidade entre o punhado de parágrafos que suponho que o crítico tenha lido, com o contexto. E o resultado não podia ser mais catastrófico: o meu crítico entendeu tudo ao contrário e ficou zangado...tão zangado ligou para o amigo, que lhe contou outra versão e zás...pedras ao jornalista.
Ponhamos de lado a miséria intelectual patente neste facto (quem critica? Por que critica? Onde critica? Com que fim critica) e encaremo-lo na sua dimensão de pobreza mental. O meu deficiente leitor leu que o jornalista está contra Abdul Naguib por a sua obra valer muito dinheiro. Logo o jornalista é contra a arte. Não passou pela capacidade craniana do crítico que uma empresa pública carece de concurso público à luz da Lei para comprar qualquer objecto, assim também como não lhe passou pela cabeça que um País que sobrevive de ajudas com prioridades mais nacionalistas como acabar com a fome não se pode dar ao luxo de comprar objectos de arte de requinte, para depois amanhã estender o braço ao G19. Os artistas podem vender os seus objectos a preços que o suor o determinar. E é de bom tom que isso aconteça. Mas um Estado que paga 2500 meticais aos seus policiais, aos seus professores e aos seus enfermeiros e com gente a morrer de fome (aqui perto em Gaza) não pode exibir amor à arte e espectáculos com valores insultuosos e por cima sem concurso algum onde outros conceituados artistas moçambicanos tivessem a oportunidade de se revelar. O meu crítico está-se nas tintas para isso. Preferiu entender que estou contra Naguib e a arte. Espantosa capacidade que talvez um iletrado não possua em tamanho grau.
Na verdade o que aconteceu ao meu crítico foi a leitura de sintomas. A mania de ler univocamente os sintomas, mania mais ou menos constante em todos os dogmáticos leva não só a distorções que ultrapassam as margens de qualquer informação como subverte o real propósito dos nossos escritos. E como o dogmático, regra geral, não gosta de ler aquilo que não lhe cai bem, vai escolhendo uma meia dúzia de parágrafos que lhe servem de archote suficientes para desferir um belo de um pontapé ao contexto, e ficar com os parágrafos isolados como argumento.
Assim, o meu crítico dogmatizou que não passo de um cidadão sem cultura e escreveu este parágrafo: “(…) a nossa cultura e' isto que se ve, a comecar pelos jornais. Gente que nao tem, nao gosta dela e quer ve-la e' longe daqui, a nao ser que pague umas bebidas e se trinquem uns petiscos”
Convêm esclarecer que na minha peça em momento algum afirmo que Naguib recebeu 16 milhões pela obra, mas que a HCB pagou 16 milhões pela e que a obra está a cargo do artista Naguib. Coisas completamente diferentes, que o meu pobre crítico pensa que é mesma coisa. Não passa pela cabeça do brilhante crítico que a HCB pode emitir uma factura de 16 milhões de meticais, sendo que Naguib tenha pedido vamos supor apenas dois milhões. Não entrei nessa especulação porque não tinha dados em relação a isso. Tenho isso sim dado fiáveis de que a HCB pagou 16 milhões a uma rubrica chamada obras de monumento.
Como o meu crítico provou que não gosta de raciocinar, e se gosta pouco se empresta a esse exercício preferiu distorcer a mensagem e acomodar o seu espectáculo de incapacidade de leitura.
O festival de asneiras do crítico escritor não terminou por aí. Mas uma prova de que o escritor tem uma leitura que deve ser combatida para o bem da informação e a vergonha da distorção voluntária. Atente-se a isto:
“Todavia, adianta o articulista, o seu artigo escusa-se a fazer comentarios sobre obras artisticas e seus precos mas a necessidade delas quando conhecidos os seus custos. Como se ve, a arte nao tem importancia nenhuma para este Pais, nao tem utilidade publica, nao tem relevo absolutamente algum para as nossas vidas. Eu nao me admiro com tal afirmacao porque vivo na pele essa descriminacao, eu e muitos outros artistas”.
A vitimização não podia ser mais barata e patética. Quanto disparate meu Deus! Quando me demiti de fazer comentário sobre valor dos objectos da arte foi por reconhecer que não sou autoridade artística competente para o efeito. Foi por assumir que não sou jornalista especializado em obras de arte e reconhecia assim que há pessoas especializadas que podiam fazer comentários mais credíveis sobre o preço da obra e o seu valor artístico. Eu, só me propôs a comentar o dinheiro que é público e que é muito! Só isso, por isso até estabeleci comparações com coisas que percebo. Mas o crítico escritor de leitura bastante crítica e perigosa, entendeu a arte não tinha valor. Haja livros de língua portuguesa e haja pessoas com défice e humildade para os lerem!
Se tamanha distorção se restringisse a minha pessoa enquanto cidadão singular, a deturpação do pensamento de um articulista não adviria daí grande mal à comunidade. Acontece porém que tal incapacidade de leitura, constituiu-se não só em uma frente assassina da minha competência e da minha liberdade de estabelecer paralelismo entre os gastos que os dirigentes fazem e as nossas mais nobres prioridades enquanto quarto pior País para se viver na face da terra, segundo o último relatório do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas, mas em tentar de forma fraudulenta levar os leitores e perceberem exactamente o que eu não disse.
Foi para nos acautelar de críticos perigosos como o que criticou o meu texto que o Prof. Martins Garcia chamou atenção aos que aspiravam à intelectualidade que ler não é apreender sintomas, não é apenas determinar ideologias do autor, comparar com a nossa e depois zangar-se porque o autor “não gosta do mim”. Ler é mais do que isso. Ler é entrar num circuito de comunicação reconhecendo-lhe o contexto e se for possível provocar rupturas com ideologias egocêntricas. Ao fugir ao contexto e acomodar os nossos interesses diante de um texto chama-se leitura ideológica, que regra geral, e no dizer de Mia Couto, não debate ideias, abate o oponente. Leitura desta jaez, não é progressista nem instrui. Antes pelo contrário, faz de nós fotocópia autenticada da estupidez! Tem vantagem porque nos livra de uma tarefa árdua: “pensar”, pois é fácil, emocional e primário. Equipara-se ao tradicional processo de avaliação de instinto fanático-religioso. O pastor, padre ou qualquer outro líder religioso não pode dizer que Deus é bom “porque Ele sempre foi bom”. O seu estilo de vida e suas práticas devem provar que de facto Deus é bom porque opera na sua vida. Não é acreditar porque acredita ou não acreditar porque não acredita. Há que ter argumentos.
A crítica ideológica com a sua mania de ler sintomas, esquece que o sintoma é uma probabilidade falível. Ao levar o sintoma a categoria de probabilidade infalível torna claro que o instrumento de leitura e análise já não é o intelecto mas sim a crença. O leitor lê esses sintomas e se bem que os ache adequados ao seu ego quase sempre tem que apelar ao instinto, fé ou crença. A crítica ideológica lê sintomas a atribui-lhes um carácter categórico. Foi por isso que não acreditou em nada do que leu. Resultado: zangou e saiu aos insultos pelo Facebook adentro.
Um abraço a todos artistas e escritores que contribuem com a sua criatividade e conhecimento para desenvolvimento deste País.
PS: Esta semana, pela primeira vez a HCB trouxe uma publicidade de uma página ao meu jornal. Porque será? Talvez o crítico instintivo tenha uma resposta dogmática!

MJJ


[1] Refere-se a pertença ao grupo de países do terceiro mundo ou simplesmente mais pobres do mundo

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