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Dom Ernesto Maguengue: O bispo que diz não ter sido entendido
Maputo, Quinta-Feira, 8 de Novembro de 2012
Notícias Atónitos, os crentes da Igreja Católica Romana não se conformaram, mas o bispo não foi mais além para satisfazer a necessidade de esclarecer melhor a decisão tomada, considerada inédita e que muitos seguidores de Cristo nesta parcela do país nem sequer contavam com a possibilidade de uma renúncia voluntária duma autoridade religiosa do nível de um bispo de uma diocese.
A crítica, durante os oito anos do seu reinado, em Cabo Delgado, apresentava-nos um bispo, por um lado, revolucionário, no sentido de claramente interventivo em matérias de corrupção, manutenção da paz e a necessidade de resgate dos valores morais, que muitas vezes disse terem sido perdidos na nossa sociedade.
Esta corrente de opinião acrescentava ainda, em termos não muito abonatórios, tratar-se de um bispo politicamente alinhado, de tal jeito que, em contraponto, o governador provincial, Eliseu Machava, passou a ser chamado “segundo bispo”, em alusão ao facto de que o outro (Dom Ernesto Manguegue) era mais político que este, que se apresentava, alegada e religiosamente, perante a necessidade de correcção dos erros dos seus subordinados.
Por outro lado, o bispo Dom Ernesto aparece, para outra corrente, como um homem de obras, que se empenhou na recuperação e valorização dos bens da Igreja bem assim activou outras actividades concorrentes às liberdades fundamentais.
A irmã Anselmina, directora da Rádio Sem Fronteiras, por si criada e impulsionada, considera a estação emissora, neste momento, órfã do seu patrono e vê o seu horizonte particularmente nublado.
O nosso Jornal, na tentativa de resgatar as aparições consideradas mais polémicas de Dom Ernesto Maguengue ao lado do que se diz ter sido vítima de um isolamento dos seus dirigidos, nomeadamente padres e demais subordinados, traz aqui alguns discursos que podem justificar a sua intolerância face à corrupção, resgate de valores morais, paz, harmonia, entre outros, que soaram, entretanto, como uma tomada de posição politicamente firme.
Degradação moral e a paz
Maputo, Quinta-Feira, 8 de Novembro de 2012
Notícias O chefe da Igreja Católica, em Cabo Delgado, dissera que se a consciência moral dos homens que compõem a sociedade permanecer subdesenvolvida tudo fica na mesma, porque “a degradação moral constitui uma ameaça directa à sobrevivência do homem e do seu próprio desenvolvimento, correndo até o risco de ameaçar directamente a paz entre as pessoas e entre os povos”.
Esta percepção, de acordo com Ernesto Maguengue, traz-nos o ditame de que a tarefa de formar a consciência das novas gerações deve constituir a maior prioridade da Educação e dos educadores, de todo um bom governante, religioso e de todos os cidadãos, não podendo, de forma alguma declinar ou evitar.
“Neste sentido, desejo encorajar vivamente as autoridades políticas, académicas, religiosas e todo o conjunto das forças vivas da nossa sociedade para juntos, numa linha de colaboração e de respeito da diversidade e de competências, a não só reforçarmos a nossa acção a favor da qualidade do ensino, mas também, e acima de tudo, trabalharmos em prol da reabilitação e formação da boa consciência ética e recuperação dos nobres e autênticos valores morais e culturais”.
Fundamentando mais a sua constatação, o bispo de Pemba disse que hoje assiste-se a situações de degradação tão perigosa quanto mais atinge não simplesmente os edifícios e as coisas, mas também os aspectos fundamentais do nosso viver e relacionamento a nível pessoal, social, com a natureza e dentro da própria Igreja.
“Na verdade, não é segredo para ninguém que se constata nos nossos dias a degradação da relação Homem-natureza; são exemplos disso o irresponsável e criminoso do desflorestamento do nosso país ou o espírito predador que leva a pilhagem e saque dos nossos recursos, por obra de estrangeiros, com a conivência dos nacionais”, disse Maguengue.
O prelado disse ainda que são também visíveis sinais de degradação ao nível da relação dos homens entre si, tal comprovam as múltiplas situações de ruptura entre pais e filhos, na praga das crianças abandonadas, no aumento da separação dos cônjuges ou de divórcios, no tráfico e consumo de droga, na multiplicação e difusão de vídeos com conteúdos pornográficos e de violência gratuita, que invadem até as escolas e chegam às aldeias mais remotas, influenciando negativamente as camadas mais jovens e por isso vulneráveis.
“Na raiz, porém, de todas estas formas de degradação, está o declínio da própria consciência ético-moral. A consciência de muitos, nossos contemporâneos, homens e mulheres, ricos e pobres, pequenos e grandes, está como que anestesiada, incapaz de discernir o mal do bem, o feio do belo, a verdade do engano, o injusto do justo, o egoísmo do altruísmo, do narcisismo da solidariedade”
Ernesto Manguegue face à corrupção e pilhagem
Maputo, Quinta-Feira, 8 de Novembro de 2012
Notícias Falando para numerosos crentes, em Montepuez, Dom Ernesto Maguengue convidou aos presentes para uma vigilância cerrada contra esse tipo de dirigentes que não olham a meios, aliando-se até ao diabo para satisfazer o seu egoísmo.
Maguengue, por outro lado, atacou a exploração desenfreada dos recursos naturais em Cabo Delgado, em particular, que ameaça deixar a região de rastos e sem nada para as gerações vindouras, sobretudo tendo em conta que, segundo o prelado, o povo que vive nas regiões onde tais riquezas se encontram não tira nenhum proveito.
A corrupção, conforme ele, faz com que toda a riqueza esteja a ser explorada de forma intensa para satisfazer a um punhado de indivíduos que se aliam a exploradores legais ou ilegais, aumentando o fosso entre ricos e pobres no nosso país.
Falou em específico da exploração florestal e das pedras preciosas em regiões em que a pobreza absoluta considerou ser o cartão-de-visita, não havendo explicação plausível, se bem que a terra é rica demais, razão por que os estrangeiros demandam-na e “no dia seguinte se tornam patrões”.
Corrupção nas escolas e nas universidades…
Maputo, Quinta-Feira, 8 de Novembro de 2012
Notícias
Entretanto, no início do ano académico do mesmo ano na Faculdade de
Informática e Gestão do Turismo da Universidade Católica de Moçambique, em
Pemba, D. Ernesto Maguengue foi cáustico contra o que chamou de erosão dos
valores morais e éticos na nossa sociedade, facto que considerou um sério
obstáculo ao nosso desenvolvimento, que entretanto atacaram, igualmente, as
universidades, que deveriam ser uma espécie de reserva dos mesmos.
“Hoje, tal como sabemos e ouvimos, na universidade também se vendem notas e
exames. As meninas vendem-se ou são obrigadas a venderem-se para fazer o curso.
Hoje na universidade, onde era suposto fosse centro de ciência, estudantes ou
docentes vão ao curandeiro para melhorarem o seu posicionamento estudantil ou
profissional. Hoje na nossa sociedade as crianças roubam, mas também os adultos
roubam”, disse Maguengue, para ilustrar quanto apreço se dá, nos tempos que
correm, a actos anti-morais e anti-éticos.
O prelado não parou por aí, tendo associado o actual estado das instituições
de Ensino Superior à criminalidade que grassa o país, que acabam nos badalados
casos de roubo ao Estado e à sociedade em geral, por pessoas que teimam em
manter aquilo que considerou de “escandalosas desigualdades entre filhos do
mesmo povo” e chamou à atenção para o florescimento da “ indústria nacional de
privilégios”.
… INCLUINDO A SEXUALIDADE
“A banalização de um poder que todos temos, a sexualidade, a liberalização da
sexualidade que estamos a importar em vídeos pornográficos que circulam até às
aldeias tudo é uma cadeia de produtos tóxicos contra a nossa sociedade”.
O bispo da Diocese de Pemba chama à atenção para o facto de Moçambique vir a
tornar-se numa autêntica lixeira e sucataria daquilo que nas outras paragens
está a ser rejeitado. “Em Moçambique há poucas pessoas que usam roupa nova. A
maioria usa roupa em segunda mão, já usada por outras pessoas que nem sequer
conheciam, entre elas mortas. Usamos calamidade, tornamo-nos em lixeira. A
maneira como o país importa viaturas em segunda mão não tarda que se torne numa
sucataria, país de ferro velho e depois acolhemos todos os outros produtos
tóxicos contra a nossa moral que os outros não aceitam”.
Para ele, a universidade deve ser o centro onde estes temas devem ser
debatidos e aprofundados para que o ciclo de imoralidades e injustiças sociais
seja quebrado.
MOÇAMBIQUE COMO UM SUPERMERCADO
O bispo viria de novo a terreiro caracterizar a actual situação do nosso país
como precisando de uma correcção imediata, porque, segundo a sua oração por
ocasião da inauguração da Praça Samora Machel, na cidade de Pemba, se está a
transformar num grande supermercado, onde tudo entra no circuito comercial,
incluindo as religiões e desapareceram os nobres valores de solidariedade e
gratuidade.
“Tudo é transformado em objecto de compra e venda: os serviços, o trabalho, a
terra, o corpo humano, os órgãos, o sangue, as pessoas, as crianças, as
mulheres, o tempo, a educação, as notas escolares, o matrimónio, a saúde, o
sexo, o divertimento, os votos, os próprios eleitores, a consciência dos
cidadãos, até as religiões, entram no circuito de compra e venda”, enumerou o
prelado.
Dom Ernesto Maguengue agradeceu a Deus pelo primeiro Presidente de Moçambique
independente, Samora Machel, a quem qualificou de muito amado e admirado e por
todos os heróis que sacrificaram a própria vida e juventude para que o país se
tornasse pátria de todos e não somente de alguns.
Do mesmo modo, o prelado pediu a Deus “fonte inesgotável de todos os dons por
este Moçambique e por todos os seus bens, pois, por amor e generosidade,
fecundaste-o, com uma imensidade de riquezas naturais, recursos ecoturísticos,
florestais, faunísticos, energéticos, minerais… a fim de que todos os seus
habitantes tenham a vida em abundância, vivam saudáveis, livres e felizes”.
O prelado, que falava no dia 25 de Setembro deste ano perante quase a
totalidade da nomenclatura política do nosso país, que se encontrava em Pemba
por ocasião do X Congresso da Frelimo e que se fez presente na Praça Samora
Machel, pediu a Deus que o manancial de recursos, que é um bem comum, com o qual
nos abençoou copiosamente, não se transforme em motivo de ambição despudorada,
divisão, conflitos, pilhagem, fácil e rápido enriquecimento por parte de pessoas
ou entidades nacionais e estrangeiras.
“Enquanto uma larga parte do povo continua mergulhada na penúria, dá-nos,
Senhor, a coragem de resistir contra a tentação diabólica da ganância, da
acumulação egocêntrica que transforma o nosso país num grande supermercado e não
uma casa habitável e acolhedora para todos”, lamentou o bispo de Pemba.
Foi neste instante em que Ernesto Maguengue pediu para que o Todo-Poderoso
assistisse, com os seus dons, os nossos dirigentes, para que promovam não
somente o desenvolvimento económico, mas também o progresso social, a equidade,
a liberdade e o bem-estar material e espiritual.
“Ao senhor Presidente da República, aos seus ministros, líderes dos partidos
políticos, agentes económicos, dotando-os de inteligência, rectidão, amor e
respeito pela vida de todos os moçambicanos, desde a concepção até ao último
suspiro”, pediu o prelado, antes de voltar à figura de Samora Machel por causa
de quem agradeceu a Deus o facto de ter suscitado “entre nós homens e mulheres
ilustres, como Samora Machel, grande herói, inspirador de sonhos, de utopias, de
nobres ideias, defensor dos direitos individuais e dos povos”.
Para o bispo, Samora Machel assumiu na sua própria vida as dores e
sofrimentos, as angústias e esperanças deste povo, razão por que “imploramos,
não permita, Senhor, que a sua memória jamais conheça o ocaso e desperta, em
toda a família moçambicana, desde o pequeno ao grande, os ideias pelos quais
Samora Machel viveu e morreu”.
E O BISPO DEVE EXPLICAÇÕES…
O nosso Jornal está no encalço de mais dados do Dom Ernesto Maguengue, porque
a posição por si tomada deixou muitos órfãos que precisam de perceber os
contornos por que passou o seu reinado, a ponto de, quase silenciosamente, ter
programado a sua saída da Direcção da Igreja Católica ao seu mais alto nível em
Cabo Delgado.
Crentes ouvidos pelo nosso Jornal nem sequer acreditam no que ouviram da boca
do próprio bispo, domingo passado, e temem que tenha sido vítima do que chamaram
de “cancro da igreja”, neste ponto do país, ligado a um tribalismo exacerbado,
em que padres locais nunca quiseram ser dirigidos por bispos vindos de outros
pontos do país.
Este facto terá sido a razão por que a Igreja Católica em Cabo Delgado ficou
largos anos sem bispo, a ponto de ter sido, durante esse período, dirigida a
partir da Arquidiocese de Nampula, numa altura em que, mesmo internamente, os
padres se digladiavam entre o ser ou não de determinada região no interior da
província.
As reuniões a nível da Igreja sucedem-se, depois do anúncio da demissão, bem
assim, mesmo os alheios à diocese se sentem inconformados pela medida, sendo por
isso assunto de muito interesse em Cabo Delgado.
- Pedro Nacuo
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