terça-feira, 20 de novembro de 2012

Maninho

 

by Chil Emerson David on Tuesday, 20 November 2012 at 13:43 ·
Assim que o dia nasce nos sonhos de Maninho, levanta-se este para alimentar o motor das suas aspirações. Ser alguém, ser grande, fazer a mudança, ser a mudança! É nisso que se resumem os passos audaciosos dessa flor. Passos que abundam entre a imundície do Xipamanine… O sol abrasalador que escurece ainda mais a pele do povo… faz surgir algo brilhante na mente de Maninho. Vender água para saciar a sede persistente das massas, e ganhar dinheiro para erguer-se na vida! Sendo filho de Marungana (alfaiate) e de Vendedeira de vegetais… nunca lhe faltou comida por cima da mesa. Muita ou pouca, há sempre algo para saciar as exigências estomacais dessa familia de Cristo! Com o congelador que fora oferecido pelo padrinho dos pais, Maninho decidiu recoletar garrafas plásticas entre as ruas, limpá-las devidamente e introduzir água nelas, que depois de congeladas seriam vendidas, e com o dinheiro auto-ajudar-se-ia a comprar o material escolar para si, ter sempre um trocado para os seus pequenos caprichos e seguir na vida!
Haja bravura para enfrentar os cobradores desonestos, gai-gais (ajudantes de carga) e todo tipo de gente que, depois de ter a sede aniquilada não efectua o pagamento. Mas Maninho não desiste, berra, chora, sacode seu minúsculo corpo em busca de justiça… pois cada centavo vale ouro, cada perda é menos um obstáculo ultrapassado na sua caminhada rumo ao sucesso. Com razão, esta flor divide-se entre os afazeres académicos e os domésticos, e claro, no seu auto emprego. Nem tem tempo de ser criança, não, está mais interessado em lutar por um futuro decente, dar a sua Mãe uma velhice digna, e fortalecer o orgulho que o seu Pai, Sitoe Marungana tem por si.
O seu olhar de águia é presente em todos os caminhos para onde a intuição o leva, a sua voz “inocente” de leãozinho bravo, é trombeta angelical entre a imundície dos pastos de Lúcifer . “A MATE HALENO, A MATE WA KU TITIMETA HALENO…” (água, água gelada aqui…)

A tarde toda resume-se nisso, humedecer a garganta do povo! Pois pela manhã ele é estudante aplicado, o chefe da turma, que tem os sapatos tão remendados, mas que é uma promessa para o País!
Em mais um dia como tantos, lá segue Maninho, com a seriedade de um adulto, esperançoso em vender todo o “stock” do dia. É que é um dia importante, é o aniversário da sua querida Mãe! A sua latinha será esvaziada com um propósito, comprar uma capulana mais barata na loja do “Mubaniane” (Momentano).
Será um sacrifício justo, o sorriso da mulher que o embala a cada noite, vale mais que todos os seus sonhos. Então o miúdo não hesita, hoje, aplica-se mais que o habitualmente. Vai ter com os cobradores que ele confia, os gai-gais, até com os batedores de fios de ouro e telemóveis, a quem ele não denuncia… pois estes são a sua “polícia”, estes manos velam por si naquela selva!
Maninho enfia-se entre o apinhado de gente, grita, corre até aos chapas e vende uma garrafinha, agradece pelo trocado a mais… sai novamente a correr, ele tem de vender, tem de conseguir vender tudo antes que o “Mubaniana” feche. Mas está esgotado, não tem forças, pois não comeu nada desde que amanheceu. Então ele senta-se desesperançoso… põe a cabeça entre as pernas, e fica riscando o chão empoeirado com o dedo. Ao levantar, dá de cara com um indivíduo bem vestido com um objecto estranho nas mãos, repara para o lado, vê que são dois. O outro focaliza-o com algo também estranho, que ele pode reconhecer logo, “é uma câmera”! Por instantes sente medo, mas há gente com os olhares em si, então isso dá-lhe confiança. O repórter pergunta-lhe:

- Boa tarde menino, como te chamas?
- Maninho!
- Que fazes com esta bacia com garrafas de água?
- Vendo!
- Não estudas? Não deverias estar na escola?
- Estudo sim, já lá estive, agora estou a vender isto para ter um sorriso no final do dia, mas parece que não vou conseguir!

O repórter espanta-se, ao contrário de muitos adultos, o miúdo não se intimida pelas câmeras, pelo contrário, expressa-se sem medo!

- Porque achas que não vais conseguir?
- Faltam-me 10 meticais, e a loja do “Mubaniane” daqui a nada fecha!
- O que tens a dizer sobre a vida das criancas cá na rua?
- Está dificil, muito dificil. Tudo custa dinheiro, até um sorriso!
O repórter e o câmera man sentem um arrepio passando por eles, em poucas palavras “sonolentas”de uma flor, há mais coerência que nos de vários gritos dos adultos.
- Qual é o conselho que dás às criancas como tu, que tiveram de adandonar os estudos?
- Elas escolheram entre ser crianças e sofrer, ou serem adultas e viver melhor. Então nada posso falar sobre isso, eu as entendo! Estás a ver-me? Eu sou as duas coisas ao mesmo tempo, por isso sofro em dobro!
- Como assim Maninho?
- Sou as duas coisas, porque sou criança na escola, quando escrevo ou leio, e sonho como qualquer criança normal. Mas também sou adulto, quando sei que tenho de me arriscar entre estas ruas desonestas para ganhar dinheiro!

Um gesto inesperado do câmera man faz com que a entrevista termine. O entrevistador também não se contém, são frases simples, mas com sentido verídico bruto. A reportagem termina com os dizeres deste anjo. Os dois homens sentam-se ao lado da flor e esta conta-os tudo que lhe vai na alma. O entrevistador aponta euforicamente tudo que Maninho diz. Maninho, normalmente tão timido… mas por vezes há que nos libertamos para mantermos a nossa sanidade mental em paz… então Maninho expressa-se sem temer, diz tudo que lhe vai na alma, até sobre o aniversário da sua querida Mãe. Quem diria, os dois homens comovem-se mais do que antes, ambos sabem o que significa tal sacrifício, tiram ambos notas de cinquenta meticais e orefecem ao pequeno, que agradece repetidas vezes. Despedem-se, depois de desejarem-lhe boa sorte. Pode ser que um dia voltem a reencontrar-se pelo mesmo motivo, reportagens… pois esta flor promete, faz-lhes acreditar que há esperança para o povo da Pérola. Seguem rumos diferentes, mas com as palavras de cada um tatuadas em seus egos! Maninho seguiu com a capulana tão desejada, e os repórteres, com um trabalho magnífico… mas algo os uniu para sempre, a esperança de dias melhores!

Enquanto esses dias não chegam, vários Maninhos estarão por lá,no Xipamanine, Compone, Xiquelene, Mercado do Zimpeto… enfim, em todos os pulmões do povo, vendendo água,… saciando a sede da população, trocando a sua infância por dias melhores na vida adulta!

Chil Emerson David

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