sábado, 10 de novembro de 2012

Leitura sócio-política dos eventos que precederam a independência de Angola - Júlio Kuvalela

Em: http://club-k.net/index.php?option=com_content&view=article&id=13497:leitura-socio-politica-dos-eventos-que-precederam-a-independencia-de-angola-julio-kuvalela&catid=17:opiniao&Itemid=124

Luanda – A transferência de poderes em Angola, no quadro da sua ascensão à independência, esteve envolvida em circunstâncias particulares no quadro contextual da política mundial. A guerra-fria, então em acto, dividira o mundo em dois blocos: Os que alinhavam com o capitalismo liberal, à testa os Estados Unidos da América (EUA), e os do bloco socialista e comunista, guiados pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).


Fonte: Club-k.net


Não se pode, nessa análise menosprezar a China que, numa posição quase intermédia, despontava como uma potência com amplos interesses quer na área dos dragões, quer na região africana. Na procura de alargar a própria zona de influências, com a investidura de governos clientes, os EUA e a URSS interferiram de maneira substancial no processo de independência angolana, pois que, mercê dos interesses em jogo, sabotaram a solução política que se tinha delineado nos Acordos de Alvor entre os três principais Movimentos de libertação nacional angolanos, a FNLA, o MPLA e a UNITA.

É mister notar que os EUA tinham estabelecido, desde os anos 60, uma relação privilegiada com a FNLA. Kissinger, então Secretário de Estado Norte-americano, tinha como estratégia incitar o conflito entre a União Soviética e a China, para ganhar dividendos no contexto da guerra-fria. Foi então que envolve esta última na ajuda militar e logística à FNLA na luta contra o MPLA que ideologicamente alinhara com a URSS.

Os apoios vindos da China eram canalizados através da República do Zaïre de Mobutu, que, desde o assassínio do 1º Ministro Patrice Lumumba, se tinham tornado em cliente dos EUA. Com efeito, a CIA tinha numerosas instalações no Zaïre e provia forte e continuadamente assistência técnica ao regime mobutista.

Entretanto, o cenário político dos EUA jazia, em 1974, num mar de infortúnios: a crise interna, motivada pela inglória guerra do Vietname, pelo escândalo Watergate que levou o presidente Nixon ao “impeachment”, pela preocupação da campanha eleitoral de Ford. Por essas razões, as preocupações viraram-se nos EUA para as questões internas, de tal modo que a ajuda à FNLA limitou-se a pequenas operações a coberto da CIA que deveriam, no entender de Kissinger, manter-se no “segredo dos deuses”.

Aproveitando-se das convulsões na politica interna Norte-americana, a URSS incrementou a sua ajudar militar e politica ao seu aliado, pois sabia que se, pretendia ter influência no Terceiro Mundo, o MPLA constituía um aliado a considerar, visto ser Angola um pais estrategicamente importante, por causa dos seus recursos naturais.

Este envolvimento internacional no processo de independência angolana fez descarrilar o processo negocial iniciado em Alvor e meteu Portugal às cegas na procura de recoser o diálogo entre actores políticos angolanos que, hegemonicamente se digladiavam no controlo de um país que lançava os seus primeiros passos.

O mesmo Portugal titubeava e acabou, muita vez, confundindo o seu papel de mediador equidistante, quando o então Presidente António de Spínola, na tentativa de contrapor a crescente tendência esquerdista pró-Neto dos radicais do Movimento das Forças Armadas, assina um acordo com o Presidente Zairense Mobutu, acordo designado a reconhecer a liderança no MPLA do dissidente Chipenda e sua facção da chamada “revolta do leste” (que contava com cerca 2.750 homens armados), em detrimento da tendência-Neto.

Desse modo, Spínola intencionava favorecer posteriormente a FNLA de Holden Roberto, com a qual a facção Chipenda perspectivava fundir-se. Esse plano não teve sequência, pois Spínola se demitiu no mesmo mês de Setembro em que se celebrou o acordo , seguramente por instigação de elementos esquerdistas do MFA que se tinham apercebido das manobras do presidente.

A correlação de forças neste jogo de influências sobre os actores políticos no xadrez angolano veio a pender negativamente para os EUA quando a China, depois de um entendimento de não-agressão com a URSS e de terem dirimido a questão das fronteiras em disputa, decide cancelar a ajuda militar à FNLA, frustrando por completo as pretensões estratégicas de Kissinger na fronte angolana.

Já em Janeiro de 1975 se delineava que o movimento que, no dia da independência, controlasse efectiva militarmente a cidade capital, Luanda, ganharia de facto para si o controlo de governo político de Angola. Uma vez que Beijing chegara a um compromisso com Moscovo e se tinha estabelecido entre eles uma aproximação, decidiu Kissenger jogar a sua ultima cartada.

Na visita que efectuou à China, tenta dissuadí-la da intenção do entendimento com os Soviéticos, oferecendo, para isso, o estabelecimento imediato de relações diplomáticas. Deng Xaoping, na época ministro dos negócios estrangeiros, objectou que, antes de dar quaisquer passos nesta direcção, gostaria primeiro de ver os EUA terminar as relações diplomáticas que mantinham com Taiwan. Esta contraproposta se apresentava onerosíssima para o lado dos EUA e as negociações se estacaram num intransponível impasse.

Não obstante as contrariedades no plano diplomático, Kissinger não desistia na fronte Angola. Tentou então envolver o Comité 40, por considerar grave a situação de Angola, pois que a intervenção Soviética a favor de MPLA começava a ser muito notória, significativa e assaz compulsiva. Mas os apoios à FNLA não eram senão em forma de acções secretas da CIA que, em comparação com os fornecimentos abertos da União Soviética, apostada em dar supremacia militar ao MPLA, estavam longe de se lhes igualar.

A partir dos meses de Março de 1975 a União Soviética sustenta o MPLA com descargas, por ar e mar, de grandes quantidades de armamento e material logístico, ante a passividade conivente das autoridades militares portuguesas. Em Abril, Maio e Junho oito carregamentos em navios (quatro Soviéticos, dois da Alemanha do Leste, dois da Jugoslávia) forneceram ao MPLA stocks avultados de munições e armas, incluindo um pequeno número de veículos motorizados, tanques e artilharia.

No fim de Maio centenas de conselheiros cubanos começavam a chegar para apoiar e treinar forças do MPLA no manuseio dos tanques e artilharia fornecidos por Moscovo. Embora não existam contendas quanto à chegada de conselheiros cubanos neste período, o seu número é, no entanto, disputado. Garcia Marquez sustenta que tenham chegado nesta altura 480 conselheiros cubanos; Stockwell diz 260, ao passo que Valenta e Durch indicam 230 .

Servindo-se dos préstimos de Fidel Castro, Krushev chegara a ser determinante e determinado para com o destino político em Angola. Com novo material à disposição e suas forças melhor treinadas por conselheiros cubanos, ao MPLA não foi difícil expelir nos fins de Julho quer a FNLA quer a UNITA da cidade de Luanda, tomando o seu total controlo e inviabilizando consequentemente o Governo misto e ‘acéfalo’ de transição.

Kissinger vira-se surpreendentemente à nora, pelo desenvolvimento da situação em Angola nada abonatório para a sua estratégia. De uma perspectiva militar a priori favorável à FNLA, passou a confrontar-se com uma hegemonia imponente do MPLA e é, a partir daquele preciso momento, que Washington intervirá já não a coberto, mas directamente e declaradamente em Angola, envolvendo o Conselho Nacional de Segurança, com o objectivo de restabelecer equilíbrios no teatro das operações.

Nos meados de Setembro, os EUA tinham acumulado em Kinshasa cerca de 1.500 toneladas de armamento e outro equipamento militar que seriam distribuídos às forças da FNLA em Angola, a prestações de 10 toneladas por dia. Concomitantemente aos apoios de Washington à FNLA no norte, a África do Sul do regime Apartheid concedia em Julho uma pequena ajuda secreta à ala Chipenda que, depois das dissensões no seio do MPLA, se tinha fundido na FNLA, para de seguida apoiar a UNITA de Jonas Malheiro Savimbi em Agosto de 1975. Com efeito, sob o pretexto de defender a barragem hidroeléctrica sob o rio Cunene e de perseguir os “terroristas” da SWAPO, as Forças de Defesa Sul-Africanas (SADF) penetraram adentro o território angolano cerca de 25 milhas.

Com a expulsão da FNLA e da UNITA de Luanda, esses dois movimentos aliaram-se numa fronte comum, pois encontraram no MPLA um inimigo comum, coisa que favoreceu uma melhor canalização de apoios de Washington e Pretória à nova coligação. A cooperação FNLA-UNITA veio a colocar, com carga de incertezas, interrogações à Moscovo quanto, como e até que ponto o MPLA seria capaz de manter-se inexpugnável a duas frontes, Norte e Sul, depois de as tentativas de conversações com a UNITA, intencionadas a estabelecer uma aliança contra a FNLA, terem falido.

O impacto do apoio americano e sul-africano tornou-se evidente, pois começou a dar os seus resultados no campo de batalha. Não só o avanço das forças do MPLA foi estacado, como até a FNLA, fortemente auxiliada pelas forças zairenses a partir do Norte, e a UNITA, sob forte impulso de conselheiros militares e algumas unidades das SADF a partir do Sul, iniciaram a repelir e a encurralar as forças do MPLA em torno a Luanda.

Tudo indicava que, à vigília da independência, a balança da correlação de forças penderia a favor do lado da FNLA-UNITA, apoiadas pelos EUA e Africa do Sul, em detrimento das forças filo-soviéticas do MPLA. Tão crescente era o pânico registado no seio sua liderança que, por instantes, chegou a cogitar na proclamação antecipada da República Popular de Angola a 5 de Novembro, qual modo de encontrar um álibi ou “legítimo leitmotiv” a uma aberta ajuda soviética. Face à este espectro e à inobservância de Kissinger, a União Soviética se preparava a jogar a sua carta triunfo – forte e massiva presença de tropas cubanas em Angola– que Washington nem de longe imaginara.

Tudo leva a crer que, inopinadamente, Kissinger terá mudado de estratégia, em não procurar uma vitória militar da coligação FNLA-UNITA sobre o MPLA, uma perspectiva que parecia claramente possível nos inícios de Novembro. Propôs-se novamente a negociar. Uma vez que o acordo de aquisição de cereais por parte de Moscovo à Washington tinha sido concluído em 20 de Outubro, facto que abria boas perspectivas na política de contenção (détante) à corrida e ensaios de mísseis balísticos, os EUA esperavam que a URSS cooperasse também numa solução negociada em Angola.

Desta feita, as forças da UNITA coadjuvadas pelos sul-africanos que, a partir do sul, avançavam inexoravelmente sobre Luanda, pararam a 7 de Novembro a pouco menos de 100 km, supõe-se, a pedido explícito do próprio Secretário de Estado Norte-Americano, Kissinger que pretendia a tal ponto tentar com Moscovo uma nova negociação para alcançar o desejado acordo sobre os mísseis balísticos.

Mas o Secretario de Estado tinha feito mal os cálculos desta vez. O Erro foi-lhe fatal quer para as suas pretensões políticas para com Moscovo quer para os seus aliados no controlo de Angola. Moscovo não estava em nada interessado em soluções negociadas, estava sim é determinado a vencer a batalha de Angola e investir o seu predilecto MPLA como governo inconcusso em Luanda, por mais elevados fossem os custos de tal decisão.

A 5 de Novembro, desembarca o batalhão cubano de 650 homens, secretamente aerotransportado especificamente para a defesa de Luanda. Este batalhão veio reforçar o contingente dos “tanquistas” que, dias antes, tinha já desembarcado com os navios El Coral Island e La Plata em Cabinda e El Vietnam Heroico no Porto Amboim. Estas forças cubanas foram determinantes na batalha campal de Kifangondo, onde a 11 de Novembro, na tentativa de executar o que acreditavam ser o último e fatal assalto à retomada de Luanda, as forças da FNLA foram literalmente desbaratadas, resultando num autêntico banho de sangue.

Aqui ficou selada a derrota militar e definitiva da FNLA que, malgrado aos esforços frenéticos da CIA e o recurso a mercenários zairenses e portugueses, jamais se refez do desaire daquela derrota.

Proclamada a independência da República Popular de Angola que, a contar do Brasil, começava a receber o seu reconhecimento no seio da Comunidade Internacional, Agostinho Neto encontrou caminho livre ao pedido “legítimo” de ajuda internacional na defesa da presumida integridade territorial, então ameaçada pela presença de forças estrangeiras quer do Zaire de Mobutu, quanto da África do Sul, tidos, a partir desse momento, como invasores.

No espaço de pouco tempo, “10.000 cubanos estavam posicionados em Angola e com o material bélico soviético altamente sofisticado: com tanques t54, t34 e rockets 122mm” se impuseram pesadamente sobre a coligação das forças da FNLA-UNITA-África do Sul-Zaire-mercenários, repelindo-as seja para o Norte para além da fronteira com Zaire (hoje RDC), seja para Sul nos confins com a Namíbia.

Para nada serviram os constantes apelos de Kissinger para uma solução negociada em Angola, mesmo chamando em causa os seus argumentos preferidos com que, no global contexto da manutenção da “détante” e acordo de fornecimento de cereais, sabia poder vergar Moscovo à anuência. Este, porém, não arredava o pé na sua determinação em resolver, no campo de batalha, o controlo de Angola, acrescendo mais soldados cubanos em Dezembro, mais armas e conselheiros militares soviéticos.

Para a FNLA a aventura militar terminava em Janeiro de 1976, enquanto a UNITA optava pelo recuo nas matas e resistência ao estilo guerrilheiro. Ademais, em resultado da aprovação da Emenda Clark e posteriormente da Emenda Tunney , qualquer espécie de intervenção dos EUA em Angola ficou completamente bloqueada, relegando a UNITA à uma sobrevivência míngua.

A UNITA, os Sul-africanos e até os próprios EUA ainda alimentavam uma ténue esperança que, em última instância, a Cimeira dos chefes de Estados da OUA, convocada em Kampala para tratar em secção especial o caso de Angola, chegasse no mínimo a restabelecer os canais diplomáticos para uma solução política. Entretanto, a Nigéria de Murtala Mohamed, que já tinha reconhecido a República Popular de Angola proclamada pelo MPLA em Luanda, liderava um forte lobbying entre os líderes africanos que, apesar da contestação de uma pequena parte (liderada por Kenneth Kaunda e Phelix Houphuoët Boigny- que defendiam a não marginalização dos outros dois movimentos angolanos), aprovavam uma Resolução em que se reconhecia a independência de Angola e o governo de Luanda, uma vitória moral que deu ao MPLA a “legitimidade” de continuar a pedir apoio soviético e cubano, para prosseguir a guerra, até “varrer do solo pátrio os lacaios do imperialismo”, como soava o seu slogan.

Como se pode depreender, portanto, a guerra civil que afligiu Angola, antes mesmo que se ascendesse à independência, situou-se no conflito Este-Oeste ou da Guerra-fria entre as duas Super-potências, isto é, a URSS, de um lado, e os EUA, do outro. Angola constituiu o campo de batalha da confrontação das duas Super-potências, com o envolvimento directo de milhares de tropas cubanas, operando como emissários União Soviética no suporte ao MPLA, e milhares de forças da África do Sul Apartheid e forças zairenses, comissionadas dos EUA na ajuda à UNITA e FNLA.

É neste quadro/esquema de circunstâncias políticas, ideológicas e jogos de influências que se enquadram as intervenções do Conselho de Segurança em relação a Angola nos anos imediatamente posteriores à independência, e sobretudo no facto do impasse em como as suas Resoluções nunca encontraram a força de injunção suficiente por parte dos intervenientes, pois, consideravam prioritários os próprios interesses geopolíticos e estratégicos na corrida à conquista de zonas de influências de que Angola constituía charneira.

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THORNTON, Richard C., The NIXON-KISSINGER YEARS, Reshaping America’s Foreign Policy, p. 364. Idem, p. 369. Ibidem, p. 375.De facto, no dia mesmo da independência em Angola (11 de Novembro 1975), em resposta a série de perguntas, depois de ter discursado diante do Conselho dos Assuntos Internacionais de Pittsburgh, Kissinger afirmava: “’the United States has no national interest in Angola’ and that Washington preferred a political compromise without foreign intervention. ‘We favor a negotiation among the three major groups there to attempt to create a transitional government that would permit the popular will to be consulted… We would support any move that keeps outside powers out of Angola, and we would participate in such a move… but we cannot recognize one group that seized the capital with foreign assistance’” [Ibidem, p. 381].

WRIGHT, G. A Destruição de um País. A Politica dos Estados Unidos para Angola desde 1945, p. 137.Esta Emenda, proposta pelo Senador Dick Clark ao Senate Foreign Relations Subcommettee on Security Assistance, afrontava a questão das actividades secretas da CIA em Angola, vindo a ser aprovada por unanimidade a 16 de Dezembro e que eliminava aos apoios militares secretos a qualquer dos grupos envolvidos no conflito angolano. Ainda estabelecia, no caso de qualquer intervenção americana, tal envolvimento fosse aberto e publico “… any assistance sought by the Administration would require Congressional approval in 30 days” [ Idem, p. 387].
Em análise ao pedido de Kissinger de 28 milhões de dólares para operações de intervenção em Angola, o Senado aprova a 19 de Dezembro, a Emenda Tunney que proibia despender fundos quer directa quer indirectamente em actividades em Angola. Esta Emenda foi votada e aprovada por 54-22 votos no Senado [ Cfr.: THORNTON, Richard C. The NIXON-KISSINGER YEARS, Reshaping America’s Foreign Policy, p. 391]

*Professor universitário (Dipl. Iuris)

1 comentário:

Anónimo disse...

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