quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Governo não pode usar a força contra quem tem razão de protestar

Editorial

Maputo (Canalmoz) - O aumento da tarifa de transporte colectivo urbano em menos de 50% do que actualmente se pratica, oito anos após o último reajuste, não deveria constituir problema para os utentes, muito menos para as autoridades municipais e governamentais se vivêssemos num Estado normal, bem governado.
Em 8 anos, seria óbvio que as condições de vida tivessem melhorado para todos de uma forma geral, desde os salários, condições de transporte, vias de circulação, de tal forma que agravar a tarifa de transporte em menos de 50% não seria problema. Mas em Moçambique, onde as coisas parecem caminhar no sentido inverso do normal, quando se fala de aumento da tarifa de transporte todos ficam com medo.
Ficam com medo os utentes porque não tendo aumentado substancialmente os seus rendimentos, o agravamento da tarifa de transporte significa redução, ainda mais, dos seus rendimentos ao ponto, em grande parte dos casos, de pouco sobrar do salário para comer e outras despesas essenciais; ao ponto de correrem até o risco, certas pessoas, de passarem a não ter dinheiro para irem ao local de trabalho buscar o que lhes faz falta para viver.
O medo é sobretudo grande para quem está a governar, que perante situações tão adversas que permitiu que fossem criadas, precisamente por governar mal, acaba por estar hoje praticamente sem legitimidade para continuar no poder.
O Governo e os municípios de Maputo e Matola, ao invés de se concentrarem a organizar os transportes, têm andado empenhados a tratar de tudo menos de condições para evitar os grandes impactos de qualquer correcção nos preços. Usam o Estado para tratarem das suas empresas e interesses particulares e deixam as coisas chegar ao ponto que chegaram, depois deitam as mãos à cabeça quando o Povo se prepara para lhe dar um pontapé.
Sabem que ao aumentar a tarifa de transporte sem antes terem sido criadas condições, este aumento vai sufocar os cidadãos, mas como andaram distraídos a fazer que governam, mais empenhados a tratar das suas vidas do que do bem público agora andam aflitos.
Agora, naturalmente, as pessoas vão-se irritar porque não reconhecem legitimidade a quem deveria ter andado a governar bem, mas preferiu andar a usar o Estado como base para tratar dos seus interesses pessoais.
Agora, como não investiram em melhoria das condições de vida dos cidadãos, investem na Polícia, na indústria da repressão, para, depois de violentar social e economicamente as pessoas, em caso de uma explosão reactiva, violentá-las também fisicamente.
Maior é ainda a incongruência quando estes ineficientes senhores das instituições públicas, já sem argumentos, acabam por tentar justificar a sua incompetência acusando os moçambicanos de serem violentos, depois de terem repetido enjoativamente, cada vez que abrem a boca, que o nosso Povo é um “maravilhoso povo”.
Quem não sabe travar o custo de vida porque é incompetente, o Povo tem toda a legitimidade em mandar sair do Governo e das instituições municipais para que venham outros arrumar a casa.
Amanhã, quinta-feira, data em que se espera a entrada em vigor da nova tarifa de transporte colectivo, ninguém sabe ao certo o que irá suceder, mas pelos antecedentes está meio mundo com o coração nas mãos, receoso que os protestos terminem em violência.
O atraso entre a decisão tomada e a entrada em vigor da nova tarifa é sintoma de que o Governo está sem poder para governar. E um Governo que chega a este ponto, deixa de ter legitimidade para se manter em funções.
Todos estão com medo de alguma coisa. O Governo teme uma eventual manifestação como a que se assistiu nos dias 05 de Fevereiro de 2008 e entre 01 e 02 de Setembro de 2010.
Os cidadãos estão com medo de mandar seus filhos para a escola com receio de que uma eventual manifestação possa receber reacção brutal – como sempre – da polícia e saldar-se em assassinatos com “balas de borracha”, tal como aconteceu com o pobre Hélio, a criança que pagou com a vida a acumulação da incompetência do Governo do País e dos municípios da Matola e Maputo.
Os transportadores estão com medo de ver seus carros serem incendiados pelo povo revoltado.
Então todos estão com medo. Medo de uma decisão que seria absolutamente normal, num Estado normal, com um Governo normal.
Quando já toda a gente viu que hoje o Governo é a maior causa dos problemas que vamos tendo, é óbvio que algo reactivo acabará por ser recorrente.
Se a tarifa aumentasse, mas acabassem com as longas horas de espera pelo transporte, nada se temeria.
Se a tarifa aumentasse, mas se colocassem transportes em condições aceitáveis para transportar seres humanos, cremos também que nada se estaria hoje a temer.
Se o Estado não tirasse tanto dinheiro de impostos às empresas para depois o esbanjar em futilidades e até a desviar para os bolsos de alguns funcionários seniores e organizar congressos, os salários também poderiam ser melhores para se poder pagar tarifas de transporte que ajudassem à exploração dos serviços de transporte de forma mais rentável e sustentável.
O problema é que aumenta a tarifa de transporte, mas o resto piora. Piora pelo menos para o tal “maravilhoso povo”…
Nas condições actuais em que as pessoas são transportadas na capital do País, pensar em “fazer subir o preço do chapa”, sem antes se eliminarem os problemas como o de encurtamento de rotas, indisciplina dos transportadores semi-colectivos, sem antes se disponibilizar o mínimo de transportes públicos para reduzir as longas horas de espera, é, no mínimo, uma decisão arriscada.
A questão não é pagar dois meticais a mais ou 1,5 metical a mais. Pelo que parece, todos estariam dispostos a pagar mais um pouco em troca de um sistema de transporte organizado. O problema é sempre o mesmo: pagar-se mais por serviços que só pioram, chegando-se ao ponto péssimo em que hoje se encontram.
Aumentar os preços nas condições actuais é premiar serviço medíocre. Ninguém está disposto a aceitar o actual estado dos transportes. E com toda a razão.
O problema é como o transporte é feito em Maputo e Matola. Numa distância de menos de 10 quilómetros, as pessoas chegam a apanhar três “chapas”, em condições desumanas. Por exemplo, quem vive no Bairro de Guava ou Mateque, gasta neste momento o mínimo de 15 meticais para chegar ao centro da cidade. Com a volta são trinta meticais. Só nisto já se foram quase mil meticais/mês do salário ou de seus parcos recursos. Apanha um camião em Mateque para a CMC, da CMC apanha outro camião para Xiquelene e de Xiquelene apanha um minibus de 15 lugares mas que chega a carregar 25 pessoas, para o Museu, junto à Escola Josina Machel. Este é o trajecto mais racional. Com o aumento a mesma pessoa vai ter que pagar no mínimo 21 meticais pelo mesmo trajecto, Com a volta passam a pagar 42 meticais/dia, se não usar o transporte para mais nada.
Ninguém estará disposto a pagar o novo valor por um serviço com qualidade péssima.
Se as pessoas não estão dispostas a pagar mais por um serviço péssimo, e quem Governa impõe que paguem mais sem melhorarem os serviços, o que se pode esperar que as pessoas façam? – Revoltam-se, naturalmente. Portanto, uma eventual revolta da população contra a subida do preço do “chapa”, não seria de espantar, pelo menos a quem conhece a realidade do povo.
Nestas condições, não se pode pedir muito ao Povo. É legítimo, isso sim, que o Povo se insurja contra quem acha que ele é “maravilhoso” apenas porque não exige mais de quem governa. É legítimo, isso sim, que o Povo escorrace quem não lhe tem respeito. (Canal de Moçambique/Canalmoz)

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