quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Eu, feitor linha dura e a colheita do algodão em Moçambique

 

ALGODO~1Recém saído de uma breve e tumultuada passagem pela Legião Estrangeira, aos 24 anos de idade estava transbordando energia e confiança quando cheguei, em 1973, ao Marrere, Nampula, na região centro norte de Moçambique, na época uma província de Portugal. Enquanto aguardava o início das aulas na Escola de Professores onde seria instrutor de Educação Física, fui colocado para cuidar da colheita do algodão realizado pelas meninas macuas do internato das freiras, que fazia parte do complexo religioso.
Sob o sol forte e sem abrigo do campo de algodão, a produtividade era mínima quando assumi o comando da numerosa turma feminina, com idade média, suponho, de uns 15 anos. Tagarelice contínua, risadas sem fim, cantigas típicas, na rotineira alegria africana. Muteko, trabalho mesmo, nada. Eu, o Mukunha, me achando o grande chefe branco resolvi colocar em prática meus dotes de comando com vigilância cerrada e exigência de produtividade mínima; quem não cumpria as metas voltava ao campo e continuava até completar o peso que estipulara. Não era fácil para as pobres meninas, que contavam os minutos para retornar à liberdade numa idade tão indócil. Mais indócil ainda era eu, que não conseguia entender e ser flexível e logo o trabalho penoso para elas se tornou mais triste, mais suado, sem risos e canções.
Mas a produtividade rapidamente subiu e ultrapassou qualquer média anterior e orgulhoso apresentava para o superior da missão meus dados diários. Os que contestavam que estava sendo duro demais acabaram se calando quando a alegria e as cantigas paulatinamente voltaram ao campo.
Me considerava um líder severo mas amado, pois as meninas eram todas gentis comigo -compreenderam que eu era justo, pensei- e principalmente na hora da pesagem quando decidia quem voltaria ao campo, elas me cercavam alegres e comemoravam os resultados -agora sempre superiores ao mínimo estabelecido- com aplausos e danças. E o grande chefe branco sorria junto, entusiasmado com sua própria capacidade de liderança, até que finda a colheita chegou a hora de ensacar o produto a granel amontoado no canto do grande armazém, para ser vendido.
Minha arrogância e confiança desceram abaixo do mínimo que eu estabelecera quando a “produtividade recorde” se transformou em um amontoado de pedras e grandes torrões de terra misturados ao algodão que, espertamente, haviam sido escondidos pelas meninas dentro dos sacos de colheita para completar com folga o peso mínimo! Toda a festa que faziam à minha volta na pesagem era para me distrair, enquanto outras subiam até o topo do monte para despejar os sacos recheados longe de minha vista...
Hoje sorrio ao recordar e fico feliz que as engenhosas meninas não se tenham deixado amargurar num período tão precioso da adolescência vivida em grupo,longe das famílias. Um grande, apertado abraço do Mukunha brasileiro a vocês, meninas do Marrere, que -merecidamente- fizeram-me de bobo!
In http://pamarangoni.blogspot.com.br/2012/03/eufeitor-linha-dura-e-colheita-do.html

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