sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Eleições presidenciais americanas de 2012 oportunidade de novos alinhamentos estratégicos

Canal de Opinião
Por: Noé Nhantumbo
 
Mas é necessário não acalentar muitas esperanças…
Beira (Canalmoz) – Os acontecimentos americanos decorrentes de suas eleições presidenciais são uma ocasião mais do que oportuna para os governos de países com aspirações a potências com expressão global aproveitem a maré de indecisão e confusão para colocarem as suas pedras no tabuleiro das relações internacionais.
Se pelos debates entre os dois candidatos pré-eleições, tudo indica que as percepções americanas prevalecentes continuarão a ser as mesmas no que se refere ao que o governo americano faz ou pretende fazer na arena internacional.
Os governos de países como a Rússia e China atravessam uma fase crítica, com seus problemas próprios. Se na China avança-se para a renovação de sua liderança no próximo Congresso da partido Comunista, na Rússia Vladimir Putin após regressar ao Kremlin tem estado ocupado a enfrentar uma oposição interna cava vez mais esclarecida e combativa. Verdade é que um dos constrangimentos estratégicos enfrentados tanto por chineses como russos tem a ver com todo um enquadramento novo em que políticas internas.
Os comportamentos domésticos de governos poderosos tendem a obedecer a preocupações domésticas antes de atenderem às oportunidades que se registam na arena internacional.
Se o actual panorama mostra a falência de modelos de governação com pretensões hegemónicas, abraços com profundas crises financeiras, derrocada de garantias sociais que constituíam base para angariação de votos em momentos eleitorais, desemprego avassalador, isso não tem sido utilizado da melhor forma pelos aspirantes a potências.
Seria do interesse dos russos e chineses estabelecerem uma plataforma inteligente, estrategicamente virada para a concretização de um rearranjo do panorama internacional.
Com fraqueza americana à vista, após duas guerras consumidoras de recursos e desgastante, os americanos nunca se viram após a guerra do Vietname numa situação como a actual.
Toda a coligação liderada pelos EUA enfrenta um momento de particular preocupação. A União Europeia e em especial a zona do Euro correm um risco real de desintegração. A posição dura e inflexível da Alemanha principal motor da EU está enfrentando uma oposição crescente nos países onde a crise se faz sentir com maior acuidade. As linhas de coesão europeia estão se desfazendo à medida que suas economias entram em derrapagem.
Do outro lado do Atlântico, os EUA após o resgate de sua indústria automobilista e de uma tentativa forçada de regulação de seus importantes mercados financeiros, assiste-se a uma incerteza quanto ao futuro próximo. Embora a economia registe sinais positivos de crescimento e o mercado de emprego esteja conhecendo admissões, muito dos trabalhadores estão sendo empregues como temporários. A famosa Bolsa de Nova York anda aos trambolhões e não se vislumbra um crescimento da economia americana que traga de volta aquela confiança que no passado atraía investimentos e de todo o mundo.
Este momento, em que se verificam fraquezas estruturais e as fórmulas do passado não estão resultando, quem produz em quantidade e com qualidade colhe as vantagens imediatas. A China posiciona-se em primeiro lugar como potência económica mundial de primeira grandeza com ritmos de crescimento superiores a qualquer país.
Mas se a China se presta a socorrer alguns países em dificuldades comprando sua dívida pública e injectando fundos através de investimentos directos em suas economias, isso continua sendo uma acção fundamental mas insuficiente para cumprir objectivos estratégicos que seriam normais de alcançar na presente situação mundial.
Quanto à Rússia por vezes é preciso duvidar de sua política externa pois vezes sem conta abandona seus aliados como já aconteceu no Médio-Oriente aquando da Guerra dos 6 dias e na Guerra de Outubro.
Mesmo o desfecho da situação líbia decorrente da Primavera Árabe teve a sua quota-parte no posicionamento de Moscovo e da China. Se não tem havido abstenção no Conselho de Segurança da ONU a intervenção da Nato e seus parceiros árabes teria sido muito mais complexa e dificultada.
Em África a intervenção dos russos e chineses aparece esporádica ou unicamente como veículos de fornecimento de armas e de créditos financeiros. Se a China procura recuperar o tempo perdido e posicionar-se cada vez mais próxima do continente o mesmo já não acontece com a Rússia que após o descalabro da URSS praticamente abandonou África.
Assim, face a tudo o que está acontecendo num mundo, com recuos e avanços muitas vezes expressos por indecisões ou decisões tomadas mas não concretizadas ou cumpridas, questiona-se o que realmente querem os governos das potências aspirantes, os BRICS, a China e a Rússia em particular. Tem tudo para fazer a diferença mas pouco fazem para potenciar suas posições.
Claro que a acção combinada dos países da NATO, a sua habitual concertação estratégica, o seu engajamento e tradição de atenção à política externa lhes dá um arcaboiço qualitativamente diferente. Já não andam as apalpadelas nos assuntos em que metem. Actuam com decisão e procuram obter votos nas Nações Unidas nem que seja à custa de troca de pressões indirectas ou favores político-financeiros.
Os EUA estão cientes de que não podem abandonar teatros operacionais importantes como a Ásia e não se importam de deixar África à guarda de países europeus como Reino Unido e França, com o concurso limitado de outros como Portugal e Espanha. É uma máquina lubrificada em funcionamento alicerçada em mecanismos institucionais que não deixam nada ao acaso.
O CFR, Conselho para as Relações Externas, órgão americano, think-tank por excelência, poderoso instrumento para estudo e definição de estratégias, não se cansa de injectar recursos e meios humanos para a compreensão global diligentemente aceites por sucessivas administrações americanas.
Embora outros estejam copiando o modelo, é claro onde está o avanço e onde reside o atraso na percepção da actual realidade mundial.
Para qualquer hesitação ou falta de preparação, indecisão ou atraso em tomada de medidas práticas outros adiantam-se e colocam suas pedras no terreno.
Se antes a URSS possuía alguns activos em África na esfera da defesa hoje quase tudo está na sucata e já não constitui qualquer factor de dissuasão. No Oceano Índico, no Djibouti, no Iémen, na Etiópia, no Uganda, no Ruanda, os EUA possuem uma presença cada vez maior e no Djibouti construíram em combinação com os franceses, uma base para o lançamento de veículos aéreos não tripulados conhecidos por “drones”. Daqui e sob controlos estabelecidos a milhares de quilómetros de distância, são lançados os chamados ataques cirúrgicos contra alvos no Iémen, Afeganistão ou Iraque. O terrorismo internacional está sendo combatido de formas completamente novas sob beneplácito da Rússia e China.
Esta é a situação concreta que não está merecendo a atenção particular que seria de ver acontecendo por parte de países como a China e Rússia.
Dissuadir uma política abertamente de imposição e interferência por parte dos EUA e seus aliados pode e deve acontecer. Só que isso se faz com actos e posições firmes nos fóruns internacionais, com investimentos no terreno, com a deslocação e presença de meios reais. A Índia através de simples acções de colocação de meios marítimos no Oceano Índico pretensamente contra a pirataria de origem somali, está demonstrando que é uma potência nesta região do mundo. Governos como o de Moçambique estão numa posição de dependência em relação a este país e a ele recorrem para assegurar protecção mesmo em ocasião de eventos político-diplomáticos especiais.
Cada vez o mundo se confronta com uma crise se não há interlocutores válidos presentes nas imediações do seu centro, as proporções das crises aumentam e saem fora do controlo. Para isto se requer a presença de alguém forte, dissuasor, competente e de confiança para intervir.
No caso candente na actualidade, a Síria, cuja existência tem sido ofuscada pelas eleições presidenciais americana, assiste-se a confirmação de que existem falhas na estratégia de política externa de Moscovo e de Pequim. Estes dois países membros do CS da ONU têm a força suficiente para lidarem com este dossier de maneira diferente. Suas diplomacias estão como que acantonadas em suas capitais. Quando surgem proclamando alguma coisa em geral é retroactivamente ou simplesmente em reacção ao que Washington, Paris, Londres declaram pretender. Muitas vezes surgem correndo atrás do prejuízo perante factos consumados perpetrados por Washington e seus aliados.
O caso da Líbia é sintomático do tipo de actuação da Rússia e da China. Quando tiveram a oportunidade de influenciar a situação decidiram autorizar de modo velado a intervenção externa supostamente para impor uma zona de exclusão aérea. Após de darem conta que a NATO estava agindo para além do acordado e mandato da ONU, já era tarde. Mas também não tentaram apresentar a votação de resolução que corrigisse a situação.
Para África e especificamente para a maior parte dos países o critério de engajamento americano vai decerto continuar a ser o mesmo. Haverá países como o Egipto que merecerão atenção especial tanto por causa do Acordo de Camp David como o papel influente que o Egipto desempenha no Médio-Oriente.
Os EUA continuarão a prestar atenção particular àqueles países que sejam considerados importantes na luta contra o terrorismo internacional, numa estratégia que visa garantir que a expansão física de forças extremistas islâmicas sejam estancadas e travadas na sua tentativa de alastramento geográfico. Os investimentos sendo efectuados ao abrigo da luta anti-droga e contra o terrorismo continuarão a crescer no continente e da Libéria passando pelo Senegal, centro de África, Quénia, Somália, Djibouti e outros países, dólares e assistência técnica vão fluir sem muitos problemas.
De notar que a administração americana na sua incursão por África está muito pouco preocupada se o regime que recebe fundos e assistência técnica e militar americana é ou não democrata. Critica-se os chineses por concederem créditos de vulto aos africanos sem olhar para questões políticas mas da parte dos países europeus uma análise mesmo que superficial, mostra que os procedimentos são similares. O comportamento consistente de Portugal, Reino Unido, França, em Angola é em tudo igual ao que os chineses fazem. Petróleo fluindo para aqueles países tem claramente superado considerações de natureza democrática. Hillary Clinton quando avança por África vendendo a ideia de que os africanos devem ter cuidado redobrado com Pequim está vendendo “peixe podre” pois no entendimento estratégico da Secretaria de Estado norte-americana, não está inscrita nenhuma preocupação efectiva com a sorte dos milhões de africanos. É um “evangelho” para amaciar os africanos e prepará-los para a “panela” das corporações.
Toda a ajuda externa, apoio humanitário é determinada e providenciada em função da docilidade dos governos receptores, sua predisposição para seguir agendas enquadradas no chamado Consenso de Washington.
Será possível realmente aproveitar-se o momento de efervescência que advém das eleições presidenciais americanas e equacionar um novo tipo de relacionamento em África e no mundo? A resposta é inequivocamente sim. Mas os actores mundiais precisam despir-se de alguns conceitos entorpecentes que os guiam. Há que aquilatar de maneira dinâmica o novo quadro de ralações que se foi estabelecendo contra a corrente da vontade das potências alinhadas com Washington. E isso faz-se através da ocupação de espaços e de oportunidades. Quem não está presente nos teatros mais importantes da diplomacia internacional acaba não contando e perdendo oportunidades de se fazer sentir.
Não se pode construir um mundo diferente à bases de enquadramentos que são autênticos estereótipos nas relações internacionais.
Existe necessidade de engajamento construtivo de todos os actores interessados com vista a que encontrem novos caminhos no concerto das nações.
O que as potências antes hegemónicas pretendiam e ainda querem já não é sustentável e cabe aos governos dos diferentes países utilizarem as oportunidades existentes para manifestarem suas prioridades de maneira resoluta.
O presente e o futuro das sociedades humanas sempre foram feitos através de posicionamentos firmes de estadistas e seus colaboradores. África precisa de uma coordenação entre seus governantes que potencie as prioridades de seus países e cidadãos.
Urge que África por si e em conexão com outros parceiros decida-se a entrar nos assuntos mundiais que também lhe dizem respeito. A agenda mundial não pode ser considerada mundial enquanto partes significativas da mesma estiverem relegadas para o segundo e terceiro planos.
A questão não é delinear estratégias que antagonizem países. Os governos da maioria dos países do mundo têm consciência plena de que o jogo diplomático actual tende a favor de potências que os excluem dos benefícios tanto na esfera política como na económica.
Barack Obama reeleito continuará a defender a teses propostas pelos mesmos estrategas de ontem. Sua presença na Casa Branca deve ser vista como questão de importância internacional mas sem perder de vista que ele representa os interesses particulares dos EUA.
Empurrar o comboio das relações internacionais para cenários diferentes é possível e necessário para o desanuviamento internacional e desenvolvimento de uma ordem mundial que respeite dos direitos dos países, pequenos e grandes… (Noé Nhantumbo)

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