segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Berlim: a faca e o queijo | Jornal Correio do Brasil

Merkel
Cerca de 70% dos eleitores estão insatisfeitos com a condução de Angela Merkel, porém 60% querem que ela siga no poder
A Alemanha é o país dos paradoxos. É um país considerado “conservador” em muitos aspectos. Isso não se prende apenas ao espectro direita – esquerda. Interfere em tudo, até na esquerda.
Há uma tendência a haver pouca inovação no voto alemão, por exemplo. O trabalhador sindicalizado vota no SPD, por exemplo. Os que eram jovens há 20 ou 30 anos, e se desiludiram com a progressiva gerontocracia que tomou conta deste partido, e hoje são personalidades maduras, votam Verde. Outra parte, que se desiludiu com a guinada para a direita do SPD e se uniu a remanescentes da antiga Alemanha Oriental, inclusive dissidentes de esquerda, votam Linke. Também votam Linke alguns jovens que se desiludiram quando os Verdes, no governo, apoiaram o envio de tropas para o Afeganistão. Agora, os mais jovens preferem os Piratas ascendentes. Já os profissionais liberais que não querem pagar impostos votam no FDP. A classe média conservadora e numerosa vota na CDU/CSU, bem como o empresariado tradicional.
Mas tudo isso se dá em movimentos lentos, com oscilações de voto que raramente ultrapassam os dez por cento para cima ou para baixo. Também o modo de manifestar descontentamento é peculiar: como o voto não é obrigatório, em grande parte quem está descontente com o partido em que vota tradicionalmente não vai votar, ao invés de procurar um outro partido, pelo menos no começo.
Por isso certas oscilações causam perplexidade, e parece haver um rápido movimento de “recomposição” das vias tradicionais. Duas delas chamaram a atenção nos últimos anos. Em primeiro lugar, a ascensão pronunciada do FDP em 2009, chegando a quase 15% dos votos e tornando-se o parceiro da CDU/CSU no governo, embora isso já tivesse acontecido no passado remoto. Esperava-se que o FDP crescesse mais. Sucedeu o contrário: seguiu-se uma débâcle total, e hoje o FDP está arriscado de ficar fora do Bundestag, o Parlamento Nacional, no ano que vem, por não atingir a cláusula de barreira de 5% dos votos. Razões da débâcle? Muitos apontam uma inabilidade por parte do então líder do partido, o Ministro de Relações Exteriores Guido Westerwelle, que se pôs a disputar os holofotes com Angela Merkel, coisa que parece ser fatal a qualquer um que seja próximo da chanceler. Outros apontam uma açodamento do partido em pedir mais reformas ultra-liberais, o que assustou a própria classe média conservadora. Talvez.
Do outro lado, houve a meteórica ascensão dos Piratas, primeiro em Berlim, depois em outras províncias alemãs, integrando parlamentos pela primeira vez. Chegaram a atingir 8 ou 9% da preferência de votos para o próximo Bundestag. Esse crescimento se deu às expensas dos Verdes e da Linke, sobretudo, embora eles roubassem votos de todos os partidos e ainda atraíssem jovens que nunca tinham votado. Depois caíram, e hoje estão nos 5%, o limite da cláusula de barreira. Muitos atribuem isso a uma falta de propostas mais coerentes em outros campos, como dívida pública ou política externa. Ainda outros lembram algumas gafes de seus líderes inexperientes, como a de um deles que comparou a velocidade da ascensão do seu partido à dos nazistas antes da guerra, tocando numa ferida que ainda não cicatrizou. O fato é que votos verdes e linkes voltaram a seus apriscos.
Parece haver um karma alemão em torno da idéia de temperança e equilíbrio. É o que acontece agora com as recentes pesquisas eleitorais e seus resultados. 70% dos eleitores se dizem insatisfeitos com o modo como a chanceler e seu governo vêm conduzindo a economia. Entretanto, 60% manifestam o desejo de que ela continue como chanceler. Enquanto o FDP afunda com 3% dos votos, a CDU/CSU sobrenada, com 39%. O SPD grama com 30%. Entretanto, se os Verdes reconquistarem a marca de 15% ou algo próximo disso, diante da falência do FDP poderá haver um governo Verde-Vermelho, como se diz aqui, aludindo às cores oficiais dos partidos.
Como explicar isto? Para este observador, a chave está tanto dentro quanto fora da pátria germânica. O governo de Angela Merkel sim, está enfrentando crescentes dificuldades internas, porque a Alemanha não é uma ilha isolada , e embora esteja “bem” na foto catastrófica da zona do euro, os sinais negativos vão se acumulando. Mas acontece que o “charme durão”, se assim se pode exprimir esses paradoxos da vida, da chanceler em relação ao restante da Europa, pega bem internamente.
Ainda mais numa situação em que o vizinho elegeu alguém muito diferente dela, um presidente a quem o pensamento ortodoxo e conservador europeu continua vendo como um “perigo vermelho” anti-business, anti-neoliberal, como atesta a enorme reportagem da The Economist, aqui mesmo nesta Carta Maior analisada por Eduardo Febbro.
A chanceler representa bem, assim, os valores de “temperança, equilíbrio, poupança, sacrifício”, etc., que tão bem caracteriza esse karma germânico pós-guerra e pós-guerra fria. A salada de dois no cravo, duas na ferradura, mais outras duas aqui ou ali, portanto, vai continuar.
O que sairá das urnas no ano que vem? Só Deus, Max Weber e Martinho Lutero sabem.

Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.

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