quarta-feira, 7 de novembro de 2012

As eleições americanas e nós - Cláudio C. Silva

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Opinião
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Washington - Nunca votei na minha vida. Não votei em 2008 por me encontrar fora de Angola em estudos tanto no período de registo eleitoral como no período de votação, e não votei em 2012 por questões laborais (trabalho na diáspora, concretamente nos Estados Unidos). Em países “normais”, viver ou trabalhar na diáspora não é motivo para não se votar; aliás, em pleno século 21 existem diversos meios de se votar in abstencia, como fazem tão bem os nossos irmãos caboverdianos aqui mesmo ao lado. Não votei em 2012, portanto, por mais uma vez me ser negado o direito de votar, mesmo sendo cidadão angolano, portador de um passaporte angolano e portador de um bilhete de identidade igualmente angolano.

Fonte: centralangola7311.net
Tampouco voto nas eleições americanas, simplesmente por não ser cidadão americano apesar de largos anos a viver, estudar e trabalhar aqui. Contudo, vivo e sigo com rigor a realidade política dos dois países, principalmente a do meu país de nascença. Leio assiduamente (alguns) jornais do fim-de-semana, converso com amigos e familiares, acompanho os diversos artigos que saiem sobre Angola na imprensa internacional e, de vez em quando, até leio um artigo ou outro na imprensa estatal. E, claro, acompanho e participo nos diversos debates de foro político e não só no Facebook, ferramenta esta que parece ter sido muito bem recebida pelos angolanos com acesso à internet.

Foi, por isso, muito interessante para mim acompanhar a reacção dos angolanos nas redes sociais acerca da recente campanha eleitoral estadounidense, principalmente quando comparada com as reacções acerca da recém terminada campanha eleitoral em Angola. Às vezes até parecia que nós angolanos estávamos mais interessados na campanha americana do que a campanha angolana, mesmo não sendo americanos e mesmo sabendo que dificilmente as políticas do Presidente Obama teriam um grande impacto em Angola.

Gosto de acompanhar os debates presidenciais com um olho no Twitter ou Facebook, para ir acompanhando as reacções dos meus amigos, dos jornalistas que gosto de ler, das pessoas que gosto de ouvir “falar”, etc; durante os três debates presidenciais americanos e com base nos posts que via nas redes sociais e mesmo em alguns artigos que fui lendo, tive a sensação de que o meu pessoal em Angola estava tão ligado aos debates quanto ao meu pessoal aqui nos EUA. Nada de errado com isso – afinal de contas vivemos num mundo globalizado – mas tive a nítida sensação que as mesmas pessoas que tão atenciosamente seguiam o debate americano ao mesmo tempo desmotivavam e eram contra um debate igual aqui mesmo em Angola.

Perdemos assim uma soberba ocasião de termos finalmente uma livre troca de ideias entre os angolanos que queriam liderar o país, e não houve pressão popular para um debate envolvendo todas as partes. Pior que isso, figuras políticas angolanas que desprezaram um debate entre os candidatos presidencias angolanos apareciam depois no Facebook a comentar sobre o debate presidencial americano, enaltecendo-o. Um alto dirigente do partido maioritário angolano chegou mesmo a dizer que não debate com a oposição por esta “não ter ideias.” Afinal de contas, milhões de angolanos votaram na oposição. E a mesma imprensa angolana que destacou o debate nas suas páginas manteve-se silenciosa sobre o acontecimento de algo igual em Angola.

Durante os três debates, os posts sobre a falta de luz e água em Luanda foram rápidamente substituídos por posts sobre a performance do Obama; no Twitter lia pequenos apontamentos de angolanos que pareciam saber mais de estatísticas e dos meandros da política americana do que da angolana. Ontem, após a vitória folgada do Presidente Obama, ao ir dormir reparei que o meu Newsfeed estava a ser inundado por inumeras mensagens de felicitações dos meus amigos americanos, que foram votar e que têm interesse mais que directo no resultado das eleições americanas, o que é perfeitamente normal; hoje, ao acordar, reparei que o meu Newsfeed estava a ser inundado por inumeras mensagens de felicitações provenientes de Luanda, escritas por conterrâneos meus que não são afectados directamente pelas políticas de Obama.

Compreendo muito bem exaltação colectiva que o mundo sentiu pela reeleição do mano Barack. Eu próprio vibrei com ela e não queria de forma alguma estar sujeito às políticas divisionistas do Mitt Romney e os Republicanos. A maioria dos meus amigos na Argentina, Itália, Portugal, Inglaterra, e pelo mundo afora também vibrou com esta victória. Mas a grande diferença entre os meus amigos nestes países e os meus conterrâneos na banda, é que o primeiro grupo é muito mais activo na política interna dos seus países de origem do que o segundo grupo. O primeiro grupo exerce activamente a cidadania nos seus países de origem enquanto que o segundo parece ser muito mais apático; o primeiro grupo é muito mais solidário entre si que o segundo. Reparei no mesmo fenómeno por ocasião da infâme campanha da Invisible Children acerca do Kony 2012 (eu próprio partilhei o vídeo), uma campanha que os próprios ugandenses repudiaram.

Gostaria que nós como angolanos mostrassemos tanto interesse nos nossos assuntos internos como mostramos nos assuntos internos dos outros. Gostaria de ver as sessões do parlamento angolano a passarem em directo na televisão estatal. Gostaria de ver mais participação cívica entre nós, mais solidariedade um com o outro, mais debate, mais ousadia e mais vontade de mudar o statu quo. Mais vontade de mostrar que somos cidadãos angolanos. Não é preciso acontecerem casos de violência extrema para nós marcharmos nas ruas, e não é preciso a falta crónica de electricidade ou água para nos organizarmos como cidadãos, consumidores e angolanos e cobrarmos respostas e soluções de quem nos governa.

Podemos e devemos fazer melhor, olhando mais para dentro do que pra fora.
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