quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Verdadeira transparência precisa-se na indústria extractiva em Moçambiquei

Análise

Joanesburgo (Canalmoz) - Se tudo correr conforme o previsto, no dia 26 deste mês, o Secretariado Internacional da Iniciativa de Transparência na Indústria Extractiva (ITIE) sedeado em Oslo deverá declarar Moçambique cumpridor da ITIE, depois do país ter falhado essa meta em 2011.
Quer dizer que o país passa a ser considerado implementador dos procedimentos cabais de transparência no sector extractivo. Entenda-se transparência como publicação de pagamentos e recebimentos do sector – o que se chama de ITIE básica.
Este texto argumenta que tal transparência não é suficiente e que a sociedade civil deve continuar a exigir que haja transparência de verdade, nomeadamente, que o governo publique todos os contratos assinados com cada uma das empresas que opera na indústria extractiva nacional, pela seguinte razão: a publicação dos pagamentos das empresas e os recebimentos do governo – mesmo representando um passo em frente no cenário moçambicano é um passo em falso, na medida em que é impossível aos donos dos recursos explorados (o povo moçambicano) saber se os montantes declarados como pagos e recebidos são de facto os que deveriam tê-lo sido.
A não inclusão da obrigatoriedade da publicação dos contratos do sector extractivo, no quadro da ITIE básica torna a iniciativa numa medida de semi-transparência. Por isso mesmo, vários países ricos em recursos naturais decidem publicar os contratos desse sector. Porque em negócios públicos o segredo não é a alma do negócio – como diz o ditado popular – é sim instrumento de encobrimento de pagamentos e recebimentos ilícitos, fonte de desconfianças de desvios que nalgumas vezes nem sequer existem.
São vários os casos de países onde os contratos são públicos. O governo de Moçambique e as empresas que aqui operam sabem dissoii. Algumas dessas empresas operam também nesses países, como por exemplo, Libéria, Níger, Iraque, Timor Leste e, desde último domingo 14 de Outubro, o Afeganistão. Este último país tornou públicos mais de 200 (duzentos) contratos assinados com as empresas que lá operamiii . Ademais, no mesmo domingo passado, o governo afegão avisou que todos os contratos (passados e futuros) serão doravante publicados sem excepções. Alguma empresa terá decidido abandonar o Afeganistão? Até agora nenhuma! Tal como nenhuma empresa terá abandonado aqueles outros países por ver os seus contratos publicados.
Moçambique precisa duma verdadeira transparência na indústria extractiva, publicando todos os contratos do sector, como acontece nos países acima referidos, onde todos os contratos estão acessíveis ao público, não só daqueles países como de qualquer parte do mundo, dado que em alguns casos (Libériaiv e Timor Lestev , por exemplo) os contratos estão na internet.
Os dirigentes do ministério dos recursos minerais (MIREM) quando confrontados com os casos de países onde os contratos são públicos costumam apresentar três argumentos principais, todos eles problemáticos: primeiro, o de que publicando os contratos as empresas podem deixar de operar em Moçambique. Este argumento não tem nenhuma validade empírica, pelo facto de nenhuma empresa mineira ou petrolífera ter abandonado um país em consequência da publicação do seu contrato; segundo argumento, o de que não é necessário publicar os contratos, porque em Moçambique eles contêm uma cláusula anti-corrupção e um visto do Tribunal Administrativo; terceiro argumento, o de que todos os contratos assinados no período pós-2007 obedecem a um modelo padronizado (contrato-modelo). Os dois últimos argumentos pecam por não serem verificáveis por ninguém de fora do governo, porque todos os contratos são mantidos em segredo. Mas até quando? E o tribunal administrativo é garantia de transparência considerando a politização/partidarização da justiça?
A grande pergunta: mas porquê os contratos não são públicos? Desconhecimento e falta de experiência? Certamente que não!
A não transparência permite a dúvida sobre a existência de alta corrupção. Não interessa ao governo e aos governantes eliminar esta presunção?
Notas:
iTexto exclusivamente escrito para os jornais Canalmoz e Canal de Moçambique.
iiSobre este assunto, ver um trabalho anterior de Selemane e Nombora (2011) aqui http://www.cip.org.mz/article.asp?lang=⊂=archive&docno=84
iiiO New York Times desta segunda-feira 15 de Outubro publica uma reportagem sobre esta matéria, ver aqui http://www.nytimes.com/2012/10/16/world/asia/mining-contract-details-disclosed-in-afghanistan.html?pagewanted=all&_r=0
ivPor exemplo, o contrato assinado entre a multinacional BHP Billiton (principal accionista da Mozal) com o governo da Libéria pode ser acedido aqui http://www.leiti.org.lr/doc/bbwe2.pdf
vUm exemplo dum contrato de Timor Leste está acessível aqui http://www.laohamutuk.org/Oil/PSCs/PSC06-01A.pdf
(Thomas Selemane, thomselemane9@gmail.com Este endereço de e-mail está protegido de spam bots, pelo que necessita do Javascript activado para o visualizar )

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