quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Traição de Judas continua na história da igreja

Traição de Judas continua na história da igreja
Na sua recente obra, o Papa Bento XVI diz que Jesus sentiu “perturbação diante do poder da morte”, acrescentando ainda que a traição de Judas continua na igreja...
Celebrada pelos cristãos, a semana santa lembra a paixão, a morte e a ressurreição de Jesus. Fazendo sacrifícios ou não, os fiéis reflectem sobre o que Cristo passou (...). Na sua recente obra, o Papa Bento XVI diz que Jesus sentiu “perturbação diante do poder da morte”, acrescentando ainda que a traição de Judas continua na igreja...
Para alguns, a semana santa é apenas um fim-de-semana longo que inicia com a tolerância de ponto decretada na tarde de ontem. Ou seja, mais uma pausa na corrida do dia-a-dia.
Em todo o mundo, a semana santa iniciou com missa e procissão de ramos na manhã do último dia 17, sendo que as actividades terminam este domingo, dia de festa pela ressurreição de Cristo. Em dois dedos de conversa com o padre católico João de Deus, o mesmo referiu-se à semana santa como “o coração da liturgia católica, na qual a igreja revive e actualiza aquilo que aconteceu com Jesus de Nazaré naquela semana. “Celebramos o mistério da paixão, a morte e ressurreição de Jesus”, disse, acrescentando que “a semana santa é a data ideal para olhar, sentir, comover e emocionar-se ante o sacrifício de Jesus por nós. Devemos partilhar esses sentimentos e impressões, além do significado deles, com pessoas não-cristãs, afinal, Cristo veio salvar a todos, inclusive o mundo não-cristão”. Matias Cadre, também cristão, revelou que por estes dias tem vindo a jejuar como uma forma de sacrifício, mas também como uma maneira de se educar: “percebi que a maior necessidade do ser humano é Deus”, vincou o jovem católico. Pelas bandas do pacato bairro de Mahlazine, chegámos a fala com Moche Zandamela, crente na Comunidade Santa Josefina Bakhita. Mesmo atarefado, aceitou descrever como decorriam as actividades alusivas à semana santa na sua comunidade religiosa. “Não fugiremos à regra. Depois da liturgia da palavra (missa do galo), o sábado será preenchido pela vigília pascal. Finalmente, no domingo, é o dia da alegria e o mais bonito é que enchemos o coração de esperança pela renovação. A partir desse instante voltam à música, aos sinos, ao canto de glória e a toda a alegria que foi tirada no período da quaresma”, detalhou o nosso entrevistado.
Contudo, as regras nem sempre são as mesmas. Na igreja Presbiteriana Missionária, a semana santa é encarada com muita naturalidade. Custódia Ndobe, crente daquela congregação, revelou que os cultos do período são como os dominicais e, em algumas igrejas, há apresentações de peças e cantos. As canções lembram a morte e ressurreição de Cristo. A semana da páscoa é comemorada, entre nós, de uma maneira muito simples”, sublinhou Custódia. Como que a secundar as palavras da anciã Custódia Ndobe, o pastor Cardoso Maganda, também da mesma igreja, referiu que não há restrições durante a semana santa. O jejum, por exemplo, não é recomendado. “Os evangélicos não têm esse tipo de recomendação porque todo o dia é dia santo, dia de celebrar a vitória de Jesus e relembrar a sua morte”, explica para depois acrescentar: “é mais um feriado para estar com a família, pensar na criação, mas sem nada normativo”, rematou.
Comer carne na sexta santa é pecado?
Mesmo que a igreja católica tenha declarado que comer carne vermelha na sexta-feira santa não seja pecado, ainda existem muitas pessoas que observam a recomendação de não comer. Embora muitas pessoas não sejam frequentadoras da igreja Católica, elas mantêm a tradição de não comer carne vermelha no período da quaresma. Este é o caso de Francisco Mavota, que na véspera do natal o encontrámos a encomendar peixe para a sua família. “Nesta época do ano, procuro manter essa tradição”.
Carmelinda Muzingue, vendedora ambulante na baixa da cidade de Maputo, vai mais além: ela não come nenhum tipo de carne em nenhum dia de quaresma, como era no passado. Explicou que, há dez anos, vem mantendo essa tradição. Aniversariando dentro da quaresma, diz que oferece churrasco para os familiares e amigos, mas se abstém de comer. “Ofereço esse sacrifício a Deus pela conversão dos pecadores. O mundo está carente de práticas espirituais, de momentos em intimidade com Deus”.
Saliente-se que é costume entre os católicos, na sexta santa, substituir a carne vermelha pelo peixe. Segundo as palavras do jovem Moche Zandamela, o peixe está presente em passagens da Bíblia e é um símbolo antigo do cristianismo. Quando os seus seguidores eram perseguidos e não podiam ostentar o seu símbolo maior que era a cruz, essa era representada pelo peixe, sublinhou.
Paixão segundo Joseph Ratzinger
O novo livro de Bento XVI sobre “Jesus de Nazaré” dá amplo destaque aos acontecimentos que envolveram a morte de Cristo. A obra acompanha os momentos que os católicos de todo o mundo celebram por estes dias, na semana santa, com o Papa a afirmar que Jesus sentiu “perturbação diante do poder da morte”, falando de um duelo entre “luz e trevas”.
A respeito da oração de Jesus no Jardim das Oliveiras e da sua prisão, o Papa indica que “a angústia de Jesus é algo de muito mais radical do que a angústia que assalta todo o homem face à morte: é o próprio duelo entre luz e trevas, entre vida e morte”.
Bento XVI classifica o discípulo Judas como um “traidor”, afirmando que essa traição continua na história da igreja.
Joseph Ratzinger escreve que “o próprio Deus ‘bebe o cálice’ de tudo aquilo que é terrível e, assim, restabelece o direito por meio da grandeza do seu amor, o qual, através do sofrimento, transforma a escuridão”.
“A sonolência dos discípulos permanece, ao longo dos séculos, a ocasião favorável para o poder do mal”, alerta ainda.
Sobre a “última ceia”, Joseph Raztinger assinala a contradição entre os relatos do evangelho de João e o dos chamados sinópticos (Marcos, Mateus e Lucas) quanto ao momento em que a mesma teve lugar, mas mantém a indicação de que terá acontecido numa quinta-feira.
Em 2007, falando no Vaticano, o Papa tinha afirmado que Jesus “celebrou a páscoa com os seus discípulos, provavelmente, segundo o calendário de Qumran, portanto, pelo menos um dia antes” do que é narrado nos evangelho sinópticos.
Bento XVI assinala agora que a “multiplicidade e a complexidade do mundo judaico no tempo de Jesus: um mundo que, não obstante o considerável aumento dos nossos conhecimentos das fontes, podemos reconstituir apenas de modo insuficiente”.
Mais adiante, o livro assinala que o julgamento que levou à morte de Cristo foi político e condena à ambiguidade do governador romano, Pôncio Pilatos.
“Depois do interrogatório, ficou claro para Pilatos aquilo que, em princípio, ele já sabia antes: aquele Jesus não era um revolucionário político, a sua mensagem e o seu comportamento não constituíam um perigo para a dominação romana”, escreve Joseph Ratzinger.
Bento XVI sublinha que o Evangelho de João é o único que refere o diálogo entre Jesus e Pilatos, “no qual é esquadrinhada em toda a sua profundidade a questão da realeza de Jesus, do motivo da sua morte”.
“A reivindicação da realeza messiânica era um delito político que devia ser punido pela justiça romana”, recorda, destacando que um rei sem legitimação de Roma “era um rebelde que ameaçava a ‘pax romana’” e, consequentemente, tornava-se “réu de morte”.
O novo volume da obra de Bento XVI sobre “Jesus de Nazaré” defende, por outro lado, que a condenação de Cristo à morte não pode ser imputada aos judeus, mas à “aristocracia do templo” de Jerusalém, no século I.
“No quarto evangelho (segundo S. João, ndr), o círculo dos acusadores que pretendem a morte de Jesus é descrito com precisão e claramente limitado: trata-se precisamente da aristocracia do templo” de Jerusalém, indica.
Bento XVI declara que Jesus não quis iniciar uma “revolução política” em Israel e que a “matança de outros em nome de Deus não correspondia ao seu modo de ser”.

Sem comentários: