quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Sahara Ocidental nunca foi do Marrocos

 - defende Embaixador Zenan Mohamed Brahim

Zenan_BrahimÉ DOS mais longos processos de paz no mundo. Passaram por ele quatro secretários-gerais da Organização das Nações Unidas (ONU) e teve cerca de seis enviados especiais da mesma organização, mas até hoje, nada está resolvido.
Maputo, Sexta-Feira, 12 de Outubro de 2012:: Notícias
A 27 de Junho de 1991, o Conselho de Segurança da ONU criou uma missão para um referendo na República Árabe Saharaui Democrática (RASD), contudo, o mesmo tem sido, sistematicamente, adiado. Moçambique foi dos primeiros países a manifestar, de forma aberta, o apoio à causa saharui tendo, para isso, aceite acolher uma embaixada do Sahara Ocidental que tem na Frente POLISÁRIO o legítimo representante do seu povo. A guerra pela libertação deste território da antiga colónia espanhola, invadido pelo Marrocos em 1975, vai longa. E porque “a esperança é a ultima a morrer”, o povo saharaui ainda acredita que um dia a independência chegará tal como aconteceu em muitos outros países africanos. Por ocasião do dia da Unidade Nacional do Sahara Ocidental que se assinala hoje, o “Notícias”, entrevistou o Embaixador daquele país africano em Moçambique, Zenan Mohamed Brahim, que explica os actuais contornos da guerra com o Marrocos ao mesmo tempo que não deixa de agradecer a Frelimo e ao povo moçambicano pelo apoio prestado na luta por uma causa que preocupa a comunidade internacional. Foi a 12 de Outubro de 1975 que todos os chefes das tribos saharauis se reuniram em Guelta Zemur (localidade do Sahara Ocidental) para proclamar a sua fusão na Frente POLISÁRIO e combater a invasão marroquina e pôr fim, definitivamente, ao sistema tribal.
A seguir transcrevemos alguns excertos da referida entrevista:
Notícias (Not) – O Marrocos entende que o Sahara Ocidental faz parte do “Grande Marrocos”, entidade que se estenderia do Mediterrâneo ao rio Senegal, como uma das formas de legitimar a sua presença na região. O que leva a Frente POLISARIO a contrariar esta pretensão do Marrocos?
Zenan Mohamed Brahim (ZB) - Isso demonstra o espírito expansionista do Marrocos. Como sabe, o Marrocos já reivindicou todos os países vizinhos. No entender do Marrocos, este país começa no extremo Norte até ao rio de Senegal a Sul, incluindo uma grande parte da Argélia, todo o Sahara Ocidental, toda a Mauritânia, uma grande parte do Mali e do Senegal. Então, o Marrocos teve desde sempre, uma atitude expansionista e todos os países vizinhos são vítimas desta ganância desmedida. Em 1973, o Marrocos evadiu a Argélia e depois reivindicou o território mauritaniano como parte do seu território. Depois de fracassarem as suas reivindicações contra a Mauritânia sob pressão da antiga Organização da Unidade Africana, o Marrocos mudou de tom e em 1975 invadiu o Sahara Ocidental contra todas as resoluções das organizações internacionais que consideram esta atitude como colonialista. Portanto, o Marrocos foi um país colonizado ontem e hoje transformou-se num colonizador.
Not - Sente que de algum modo, esta atitude expansionista do Marrocos tenha a ver com os recursos naturais que o Sahara possa ter?
ZB – A invasão está ligada às riquezas abundantes do Sahara. O território saharaui possui muita riqueza, o que leva o Marrocos a insistir na sua ocupação. Não faria sentido gastar muito dinheiro por um deserto. Já se dizia nos anos 1970, quando lutámos contra a Espanha, que a zona tinha muita riqueza. Aliás, o próprio Marrocos invadiu o nosso território, alegando que não podia permitir a existência de uma zona, ao seu lado, com pouca população e muita riqueza porque isso podia criar grandes desequilíbrios regionais.
Not – Mas que riqueza existe no Sahara Ocidental?
ZB - Temos fosfato e, como se sabe, existem naquela zona reservas das mais importantes do mundo. É sabido que a Rússia é o primeiro produtor mundial do fosfato, mas acredita-se que o Sahara possa ter mais reservas que a própria Rússia. A exploração do nosso fosfato pode ser feito a céu aberto e isso é uma grande vantagem. Sahara tem uma costa que é das mais ricas do mundo para a pesca. Também existe no Sahara, o urânio, cobalto, ferro e há fortes probabilidades de petróleo. É um ponto de ligação entre a África Subsahariana e a Europa.

Referendo vai resultar numa independência

Maputo, Sexta-Feira, 12 de Outubro de 2012:: Notícias
O Diplomata saharaui diz que o Marrocos recusa o referendo por saber que o mesmo vai resultar numa independência da República Árabe Saharaui Democrática. Defende igualmente, que a Frente POLISARIO é o legítimo representante deste povo.
Not – A 27 de Junho de 1991, o Conselho de Segurança criou uma missão para referendo sobre o futuro do Sahara Ocidental, o que não se concretizou até ao momento. Qual é o ponto de situação?
Z B - É uma pergunta importante e temos que falar mais porque, este processo de paz já levou 21 anos com muitos problemas. É um processo de paz que já passou das mãos de mais de quatro secretários-gerais das Nações Unidas e mais de seis enviados especiais do secretário-geral da ONU e nenhum deles conseguiu resultados. O que acontece é que quando a solução está quase a ser alcançada surge um bloqueio do Marrocos, que não quer o cumprimento do Plano de Paz e o referendo sobre a autodeterminação do povo saharaui. Sabe (o Marrocos) que um referendo vai resultar numa independência. E faz tudo para recusar todas as resoluções da ONU, com o apoio da França, o que lamentamos bastante.
Not – Nas conversações em curso, quais têm sido os principais obstáculos?
ZB - Há uma postura do Marrocos de rejeitar tudo. No Plano de Paz diz-se que tem que se dar ao povo saharaui a oportunidade de expressar, livremente, a sua vontade. Significa que o povo tem que votar na independência ou na integração do Marrocos. O Marrocos não quer a opção de independência, mas sim de autonomia. Então, o problema é criar obstáculos à independência. A Frente POLISÁRIO que é o legítimo representante do povo saharaui aceitou o referendo de autodeterminação em que existe a opção de integração. Nós poderíamos não aceitar um Plano de Paz com esta condição de integração, mas não quisemos ir por extremos. Aceitamos que podia se colocar a opção de integração mais da independência, mas isso não foi aceite pelo Marrocos. Aceitamos um plano nesses moldes para favorecer os esforços da ONU na busca de uma solução política neste processo de paz que é o mais longo do mundo.
Not – A Frente POLISARIO defende a independência e o Marrocos a autonomia. Por que é que os saharuis não aceitam a proposta do Marrocos?
ZB - Não podemos aceitar a proposta do Marrocos por uma simples razão. A integração não figura no Plano de Paz da ONU. Este prevê um referendo de autodeterminação do povo saharaui e não a autonomia. Não é o Marrocos que tem que dar a solução. A ONU já tem um plano. O outro aspecto é que o Sahara nunca fez parte do Marrocos para que seja o Marrocos a conceder a autonomia. A autonomia faz sentido para um território que já fez parte de um país. No nosso caso, nunca fizemos parte do Marrocos para que acorde e diga que vocês merecem autonomia e não a independência. Esta é a razão que nos leva a rejeitar, totalmente, a opção marroquina. Chegamos a aceitar até, o Plano de James Baker, antigo Secretário de Estado (norte-americano) que na sua proposta dizia que podia se conceder uma autonomia por cinco anos e depois se faria um referendo para a autodeterminação. A Frente POLISÀRIO aceitou esta proposta porque incluía a autodeterminação depois de cinco anos, mas o Marrocos não aceitou. Isto mostra claramente que Marrocos é que não quer nada, é um perigo para a estabilidade e a autodeterminação de um povo.
Not – Em 1982, o Sahara foi admitido oficialmente como membro da OUA e, progressivamente, mais de 80 países do mundo reconheceram a RASD. Sente que esta admissão e este reconhecimento estão a dar resultados à vossa luta?
ZB - Naturalmente, está a dar resultados no sentido de que esta é uma consagração da vontade do povo saharaui no concerto das nações. A partir deste reconhecimento temos relações diplomáticas abertas com muitos países. Isso reconforta o nosso povo e também reforça a justiça da nossa luta.
Not – O Marrocos retirou-se, em 1984, da OUA em protesto à admissão da RASD. Todavia, alguns países da África subsahariana como Gabão, Senegal, Congo defendem a sua reintegração na família da UA e países como Seychelles, Malawi, Benin ou ainda o Chade reconsideram o seu reconhecimento à RASD. Como é que a Frente POLISARIO reage à esta atitude?
ZB - Para nós, o mais importante é que a RASD é membro efectivo da antiga OUA e agora membro fundador da União Africana e temos os mesmos direitos e privilégios que todos outros membros, incluindo esses países que mantém relações com o Marrocos. Para nós, haver países que têm relações com o Marrocos não muda nada nos termos de equação saharaui. Portanto, se esses países estão muito preocupados com os interesses marroquinos têm que convencer Marrocos a pôr fim à sua política de ocupação ilegal do Sahara Ocidental. A situação do Marrocos leva-nos a questionar se os 54 membros da UA não têm razão, só Marrocos tem razão? Como é que uma organização como a ONU está a reconhecer o direito à independência do povo saharaui e Marrocos não percebe isso? É importante referir que hoje não existe nenhuma organização internacional, por mais pequena que seja, que reconhece a soberania do Marrocos sobre o Sahara. Mesmo na UA foi o Marrocos quem abandonou a organização, então, tem que voltar e pedir desculpas pelos insultos que proferiu após o seu abandono. O Rei Hassane II, quando abandonou a UA disse abertamente que esta era um tabu, não havia conhecimento. Fez isso privilegiando as relações com a Europa, pensando que poderia ser admitido como membro da Comunidade Europeia e isso não aconteceu.

Samora: advogado da causa saharui

Maputo, Sexta-Feira, 12 de Outubro de 2012:: Notícias
O nosso entrevistado, que considera o falecido presidente Samora Machel, um advogado da causa saharaui, recorda que quando o seu país foi invadido pelo Marrocos o Exército marroquino teria usado bombas de napalm e fósforo branco.
Not – Há dias, uma missão das Nações Unidas foi ao Sahara Ocidental para avaliar a questão dos Direitos Humanos. Como é que está a situação dos direitos humanos no território?
ZB - Temos que recorrer um pouco à história. Desde que Marrocos invadiu o Sahara Ocidental, em 1975, em desafio à lei e ao direito internacional, cometeu numerosos crimes considerados pelas organizações internacionais competentes na matéria; crimes de guerra e contra a humanidade. A Força aérea marroquina, nós lembrámos, bombardeou com napalm e fósforo branco, produtos internacionalmente proibidos, campos saharauis de UmDraiga, Amgala, Tifariti, deixando várias dezenas de mortos e feridos. Muitos saharauis foram lançados de helicópteros, mulheres grávidas estripadas, centenas desaparecidas, uma verdadeira política de genocídio que Marrocos completou com a construção de um muro longo de 2.600 quilómetros protegido por campos de minas anti-pessoal, dividindo o território e separando os membros da mesma família de ambos lados por mais de três décadas. O Marrocos tem vindo a realizar uma política de despovoamento do território através da instalação de colonos marroquinos no lugar da população nativa, isso no objectivo de impor a sua ocupação ilegal. Portanto, todas as organizações internacionais como a Amnista Internacional, Human Right Wach, Center Robert Kennedy, Parlamento Europeu, Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, entre outras organizações, publicam numerosos relatórios condenando Marrocos pela violação dos direitos humanos no Sahara Ocidental.
Not - Como avalia a acção da opinião pública internacional relativamente à questão do Sahara?
ZB - A audiência da causa saharaui na cena não-africana está ganhando terreno cada dia. Por exemplo, a maioria dos Estados latino-americanos reconhecem a RASD. Na Europa e Ásia, desenvolvemos uma rede de solidariedade muito importante com a sociedade civil em coordenação com as representações da Frente POLISARIO no local. Por outro lado, as Internacionais Socialista, Liberal Democracia Cristã, o Parlamento Europeu…etc, apoiam a justeza da luta do povo saharaui. Eu posso garantir que não há nenhum país no mundo, nem uma força política da esquerda ou da direita, que reconhece a evasão marroquina no Sahara Ocidental.
Not – Quando olha para a situação actual do Sahara, como é que vê o futuro, acha que a solução do problema estará para breve ou que vai durar mais tempo?
ZB - Dissemos e acreditamos num provérbio popular que diz que nunca um direito se perde quando atrás está alguém a exigir esse mesmo direito. Portanto, o povo saharaui vai sempre lutar para conseguir a sua independência. Penso que neste século XXI os tempos coloniais, as ditaduras, sobretudo depois desta primavera árabe, estão a passar para traz e não estão na moda. Então, nós acreditamos que todo o mundo já sabe que o povo saharaui está a lutar pela independência e não vai tardar mais que isso seja reconhecido. Demorou muito tempo, mas pensamos que a França, que é o berço dos direitos humanos, não tem mais argumentos para continuar a apoiar o regime marroquino na luta contra o povo saharaui. Depois de apoiar o derrube de Muammar Kadhafi na Líbia, sob o argumento dos direitos humanos, pensamos que não há mais motivos para continuar a se contradizer em relação à causa do Sahara. Não faz muito sentido que se condene o regime sírio alegadamente porque não respeita os direitos humanos e não se faça o mesmo em relação ao Marrocos que viola os direitos do povo do Sahara. Portanto, a causa Saharaui não se difere muito da causa timorense que depois de muita luta contra a ocupação indonésia conseguiu ser reconhecido o direito à independência. O ANC levou quase 100 anos para derrubar o regime racial na África do Sul. Portanto, todos estes cenários levam-nos a acreditar que pode demorar, mas a nossa independência é irreversível.
Not – Como avalia as relações com Moçambique?
ZB - Queria agradecer o povo de Moçambique e o seu Governo pelo apoio que sempre dispensaram ao povo Saharaui. Moçambique foi dos primeiros países que reconheceu o direito do povo saharaui. Esta foi das primeiras embaixadas a ser abertas pela República Saharaui Democrática, já na década de 1970. É preciso dizer que o saudoso Presidente Samora Machel é o advogado da causa Saharaui e nessa altura é importante felicitar o Partido Frelimo pela maneira sábia como tem dirigido o país e pela realização do seu X congresso e nós fomos convidados para este momento de festa e estamos verdadeiramente emocionados com a maneira hospitaleira como a Frelimo tem nos tratado.
  • Titos Munguambe

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