Redistribuição de Rendimentos, Crescimento do Fosso entre Ricos e Pobres
A imprensa e as redes sociais moçambicanas estão prenhes de textos, intervenções, comentários e postagens que pretendem abordar categorias e conceitos complexos como redistribuição da riqueza e crescimento do fosso entre ricos e pobres. As imagens e as realidades que são trazidas para “ilustrar” estas realidades são das mais díspares.
Para alguns, o facto de os citadinos de Maputo estarem, neste momento, a ser transportados em camionetas de caixa aberta seria o reflexo de que em Moçambique não existe a redistribuição da “imensa riqueza” de que o país está abençoado, como é o caso do carvão e do gás. Pelo caminho, os nossos “intelectuais” esquecem-se de dizer que as reservas imensas de ambos os recursos mal começaram a ser exploradas e a serem exportadas. Mas este é um detalhe!
Para muitos outros, o simples facto de haver moçambicanos que passam fome, que não têm casa condigna ou que demonstrem possuir um ou outro tipo de carências seria não só uma demonstração dessa falta de redistribuição da riqueza. Seria também uma forma de sinalizar quão imoral é o facto de, nestas condições de pobreza, aparecerem alguns compatriotas com sinais exteriores de riqueza.
Outros analistas pegam uma ou duas pessoas percebidas como ricas e comparam-nas à esmagadora maioria de moçambicanos, como forma de demonstrar que a riqueza está mal distribuída. Pelo meio, escalpeliza-se a idade desses “ricos”, as suas conexões familiares, o facto de “não sabermos” como eles enriqueceram, para mostrar que só os governantes ou pessoas a eles ligadas é que teriam acesso à tal riqueza. Com este conjunto de associações teríamos, nas “análises” dos nossos “intelectuais”, a combustão para o descontentamento popular.
Há redistribuição de rendimentos em Moçambique ou não? Talvez a resposta a esta pergunta dependa do que cada um entende por redistribuição, ou distribuição equitativa da riqueza. Para mim, esta redistribuição não passa por procurar todos os pobres do país e entregar a cada um deles a sua “quota parte” dos recursos nacionais. Na verdade, como muitos de nós nos consideramos pobres, seríamos à partida elegíveis para essa “distribuição equitativa” (outro termo usado pelos “intelectuais” da praça). Nem sei se, nestas condições, haveria recursos nacionais que chegassem!
A redistribuição da riqueza nacional ocorre a vários níveis. Ocorre quando o Estado procura abordar as necessidades sociais básicas através de medidas fiscais. Quando o Estado constrói escolas primárias nas aldeias deste país, está a redistribuir os rendimentos. Quando constrói centros de saúde, está a redistribuir a riqueza. Quando constrói infra-estruturas viárias, de telecomunicações, de energia eléctrica, está a redistribuir. Quando aborda as questões de abastecimento de água, tanto nas zonas rurais, como nas zonas urbanas, está a redistribuir a riqueza. O usufruto destes serviços pode ser grátis ou remunerado. Alguns dos serviços disponibilizados pelo Estado têm de ser pagos, como é o caso de energia, água urbana, serviços de telefonia fixa e outros.
Há outras necessidades importantes que o Estado não está ainda a fornecer a contento da cidadania. Esse é o caso dos transportes públicos. Aliás, mesmo nos considerados serviços sociais básicos ainda há carências visíveis. Há ainda crianças fora da escola ou a estudar em condições inadequadas. Os serviços de saúde ainda não têm a qualidade e a quantidade desejadas. Este facto não se deve a qualquer falta de vontade política em redistribuir satisfatoriamente a riqueza nacional. A razão de fundo radica no facto de o Orçamento de Estado estar ainda a ser subsidiado do exterior em mais de 40%. Conforme referido acima, as propaladas riquezas do subsolo que mantém parte da nação numa espécie de histeria colectiva, mal começaram a ser exploradas e a ser vendidas. Isto é, ainda não estamos a criar riqueza que chegue para todas as nossas necessidades. Neste sentido, não passa de populismo e de demagogia a publicação de fotos com pessoas a serem transportadas de camionetas de caixa aberta, para demonstrar a ausência de redistribuição de rendimentos. Não passa de populismo e de demagogia a publicação de fotos com estradas não asfaltadas nos Tsalalas deste Moçambique, com os mesmos objectivos expressos acima. Não passa de demagogia a publicação de fotografias de charcos de água nos nossos bairros. Estas carências são por demais conhecidas. Elas irão sendo abordadas à medida que o país (que somos todos nós) se capacitar para isso.
Outra parte da redistribuição ocorre quando os grandes projectos criam emprego a montante e a jusante. Os salários que um conjunto de compatriotas leva para casa constituem parte da riqueza nacional. Esses rendimentos localizam-se directamente nas próprias indústrias e indirectamente nas indústrias adjacentes que surgem para servir as primeiras. A Cidade da Beira, sem ter carvão, está a viver um momento de euforia porque o seu porto está a ser usado para exportar esse carvão. Os barbeiros, os donos e trabalhadores de lavandarias, os donos e trabalhadores de hotéis e restaurantes, os fornecedores de tomate, couve, alface, frangos, ovos, peixe, farinha de milho... os fornecedores de numerosos serviços... beneficiam de um processo de redistribuição que se deseja que seja cada vez mais crescente. Espera-se que os portos de Nacala, Pemba, Mocímboa da Praia venham rapidamente e beneficiar-se da mesma efervescência.
Voltando ao problema dos transportes públicos; sobretudo para um país com orçamento deficitário como o nosso, a solução não passaria apenas por o Estado comprar mais e mais machimbombos. Esses autocarros precisam de manutenção e, esta, depende da tarifa cobrada. Quando essa tarifa não se mexe por longos anos (com o objectivo de proteger os pobres) a consequência lógica é a insustentabilidade desses autocarros. Ademais, quando a tarifa é considerada irrisória, outros actores, como os privados, não se sentem encorajados a investir neste sector. E, nesta área do transporte público, se o Estado quiser ser o único actor, há-de ter imensas dificuldades de satisfazer a crescente demanda. Esta é uma área em que os privados devem ser encarados como complemento necessário. Isso dentro de um quadro tarifário considerado adequado por TODOS.
Este texto já vai longo. Mas não posso termina-lo sem dizer algumas coisas finais. Já houve tempo em que quisemos ser todos iguais. Comíamos as mesmas coisas, na base do cartão de abastecimento. As casas eram distribuídas em função do tamanho da família e não em função da capacidade de paga-las ou de mantê-las. Apesar de que este parece ser o modelo preferido pelos populistas e pelos demagogos de hoje, deixem-me dizer que o igualitarismo do passado recente não nos levou a qualquer desenvolvimento. Pelo contrário! Levou-nos à pior recessão de que há memória na nossa história. Levou à falência da produção. Levou às bichas (para os brasileiros, filas). Levou-nos à completa falência do circuito comercial. Levou à completa paralisação do investimento na área da habitação. Paralisou inclusivamente a iniciativa individual para investir na própria habitação. Tempos medonhos para os quais não quero regressar. Julgo que ninguém quer regressar para aquela fase, excepto, quiçá, os demagogos distraídos.
Por tudo isto, os nossos ricos, mais do que hostilização, precisam de ser acarinhados. Talvez eles não sejam os culpados da nossa pobreza.
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