quarta-feira, 10 de outubro de 2012

PROMISCUIDADE

PROMISCUIDADE




Ainda menina,
Promíscua tornei-me a mim.
Amante, a um só tempo,
De quatro homens diferentes,
Distintos de sonho e de mente,
Com os quais alternadamente eu me deitava.

Alberto reclinava-me sobre seu peito
E me fazia sentir caminhar por outeiros
Enquanto calmamente divagava:
"Difícil é ser próprio e não ver senão o visível!"
E com ele lado a lado eu caminhava
E conseguia apalpar, com meus olhos amantes,
A poesia do coração de seu mundo.

Ricardo, a seu turno,
Com seu pensamento prensado e sóbrio,
Inspirou-me amá-lo de forma centrada e soturna,
Dizendo-me:
"Acima da verdade estão os deuses"
Mas, gozemos a vida, pois
"Gozo sonhado é gozo, ainda que em sonho."
E, após tocar com sua mão os meus lábios,
Partiu meu coração ao partir:
"Não quero"... "seu amor que oprime"
"Porque me exige amor. Quero ser livre".
"A esperança é um dever do sentimento".

Álvaro, já doente se encontrava
Quando o conheci.
Mas pude amá-lo e senti-lo,
Quando sozinho o encontrei num cais deserto
A olhar o Infinito, dizendo-me
Do "mistério alegre e triste
De quem chega e parte".
E, ao ouvir-me a dissertar
As minhas verdades de sonho e de vida,
Fitou-me, desiludido:
"Não me venha com conclusões.
A única conclusão é morrer."

Mas Fernando amou-me
E ensinou-me mais.
Nessa minha confusão de amores,
Com a alma obtusa, perdida,
Em plena desolação,
Fernando ensinou-me a namorar os meus versos
E esquecer o coração.
"Sentir", disse ele, "sinta quem lê"...
E ao ver-me intrigada de angústia,
Em meio aos meus quatro afetos,
Sentindo-me promíscua,
Impura, desleal e obscena,
Fernando sussurrou-me ao ouvido:
"Tudo vale a pena,
Se a alma não é pequena."


Ao meu primeiro namorado, Fernando Pessoa e seus heterônimos, meu eterno carinho extremo!

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