quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Os Truques Retóricos de Uma Reacção de Machado da Graça

Conforme referi no post anterior, Tadeu Phiri já reagiu através de um artigo de opinião publicado no jornal Domingo de ontem dia 24 de Janeiro de 2010, ao texto de Machado da Graça publicado na página 6 da edição do Savana do dia 15 de Janeiro de 2010. Devidamente autorizado por Phiri, abaixo vai o texto (recorde este texto e este se quiser ver o filme de início)

Os Truques Retóricos de Uma Reacção de Machado da Graça
Tadeu Phiri
Li a reacção de Machado da Graça ao meu texto, que o jornal Domingo aceitou publicar há uns dias atrás. Achei-a engraçada e é por isso que venho com esta resposta apressada pois encontro-me fora de Maputo. Na sua reacção, Machado da Graça demonstra à saciedade que é retoricamente excelente. Tentou afastar os leitores do essencial da discussão com claras manobras de diversão. Primeiro insistiu muito na questão do anonimato. Lembra uma afirmação que, segundo o meu pai, Machado da Graça teria feito num passado recente. Segundo o meu pai, num debate que estava a ocorrer nos jornais nesse momento, este jornalista teria acusado o seu oponente de estar a socorrer-se do anonimato, pois “todas as pessoas que escrevem bem se conhecem neste país”. Isto mostra que Machado da Graça não acompanhou o esforço que este país despendeu na educação desde 1975. Muitas pessoas que no período colonial teriam morrido analfabetas, hoje têm esta faculdade de escrever bastante bem. E é uma pena que esta pessoa que sempre me pareceu inteligente, não tenha apreendido isso.
Creio que ele pensa que o autor do texto que escrevi é o Augusto de Carvalho, do semanário Domingo, o que é um elogio muito grande para mim. É um elogio porque considero este jurista/jornalista uma das pessoas que melhor escreve no país. Mas este país tem muitos moçambicanos que escrevem muito bem, muitos dos quais educados essencialmente depois da independência. É só visitar uma mancheia de blogs escritos por jovens moçambicanos para se deliciar e se impressionar com o poder de síntese e de argumentação que muitos deles desenvolveram (Elísio Macamo, Júlio Muthisse, Egídio Vaz, Amosse Macamo, Alberto Nkutumula, Bayano Vali, Ilídio Macia, Obed L. Khan, Viriato Tembe, Gonçalves Matsinhe, Nuno Amorim...). Não conheço pessoalmente a maioria destes bloguistas, mas posso garantir a Machado da Graça que estes moçambicanos escrevem tão bem ou melhor que Tadeu Phiri. E nada me autoriza a duvidar da autenticidade da sua identificação e daí saltar para a suspeita de que sejam filhos de Machado da Graça, Augusto de Carvalho, Fernando Lima, Orlando Mendes, Leite de Vasconcelos ou outros antigos gurus da escrita. Não faço isso porque eu próprio sou uma prova de que este país mudou muito nos últimos 35 anos.
Um dos truques retóricos de Machado da Graça consistiu em tentar vender a ideia de que o meu argumento baseia-se no ponto de que ele mudou enquanto que o país não mudou. A partir desta falácia torna-se fácil argumentar, como ele o faz, que muita coisa mudou no pais e que é isso que ele critica. É evidente que não pretendo deixar em branco esta artimanha argumentativa. O que eu criticava no meu texto era a posição de Machado da Graça em relação ao país. Dantes ele colocava o país acima de todos os interesses de fora. Hoje acha que o exterior pode ter boas intenções. Ora, uma vez que ele no passado era contra o capitalismo (e por isso criticava o exterior capitalista) porque acha ele que esses mesmos países capitalistas vão salvar o país contra os corruptos internos? Porque não convoca uma revolução interna e aconselha o rumo cubano? A incoerência do emérito cronista está aqui. Será que Machado da Graça está a dizer que já que a FRELIMO, cuja politica ele defendia, mudou o país agora pode ser entregue de bandeja aos capitalistas externos?
Mesmo sobre a mudança da FRELIMO que parece magoa-lo tanto haveria muito para dizer. Este Partido mudou, isto é verdade! Moçambique mudou, também é verdade! Africa mudou, ninguém o pode desmentir (antes, este continente era dominado por Partidos únicos, com o argumento de que isso servia melhor a unidade dos novos Estados). A Europa mudou! A Juguslávia mudou! O muro de Berlim caiu! O Capitalismo tem estado a sofrer ou a beneficiar de várias mudanças! A China mudou! Ora, como é que perante estas mudanças todas a única entidade que não mudou é Machado da Graça? Será que todos estão errados e, ele sozinho, está coberto de razão? O que torna as suas certezas tão inabaláveis? Eu, no lugar deste insigne jornalista, começaria agora mesmo a interrogar as minhas certezas.
Mas, na verdade, não é só a FRELIMO que mudou. O próprio Machado da Graça mudou. Contrariando as suas próprias crenças leninistas, ele confessa que é proprietário de uma empresa. Tenta minimizar este facto informando-nos de que a tal empresa está em permanente crise. Talvés este pequeno truque sirva para não o associarmos com a corrupção que a chamada esquerda, de que ele parece fazer parte, associa sempre aos africanos que ousem ser empresários. É só prestar atenção ao tom com que nos informa que “Armando Emílio Guebuza é um dos mais importantes empresários deste país.” Para depois acrescentar que este facto indica uma atitude de vida diametralmente oposta à de Samora Machel, o único Presidente com que parece se identificar. É caso para perguntar: para não se ser diametralmente oposto a Samora é imprescindível ter apenas uma empresa “em permanente crise”? A partir de que número de empresas, ou a partir de que nível de prosperidade já se estaria em contradiçao com Samora? Temos que assumir que Machado da Graça é o padrão da honestidade samoriana?
Há um segundo truque retórico que ele usa para contrariar o meu texto. Como eu disse que o sistema de justiça ocidental tinha levado tempo para ser instalado, Machado da Graça acha que pela mesma razão devíamos recusar usar automóveis, aviões, etc. Tenho ouvido muito este argumento mas devo dizer, infelizmente, que ele é falacioso, pois sugere uma comparação inexistente. Quando alguém diz que levou tempo para se instalar um sistema politico funcional não está a dizer que não quer trabalhar no sentido de instalar esse sistema, nem está a dizer que quer totalmente prescindir dele. A analogia serve, no caso dos aviões e telemóveis, simplesmente para dizer que as condições em que essas coisas vão funcionar no nosso seio vão ser diferentes e, por isso, vai levar tempo até a gente ser capaz de as utilizar da mesma maneira. A Mcel tem graves problemas; as nossas estradas estão mal; temos muitos acidentes; temos atrasos nos voos, etc. Isto é, essas coisas não estão a funcionar como funcionam, por exemplo, na Africa do Sul ou no Japão. Nós precisamos de tempo e de produzir os recursos necessários para termos um sistema de justiça como o da Dinamarca, estradas como as da Alemanha, gestão de tempo (incluindo o de voos) como a do Japão. É desonestidade que alguem nos venha exigir que tenhamos tudo isso “até Março”.
Enfim, pessoalmente, acho que Machado da Graça só pode ser desculpado de estar a ser desonesto pelo facto de que ele deve ter investido muito tempo a tentar enganar-se a si próprio.

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