quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Obama passou de «inexperiente» a «implacável», diz Miguel Monjardino

 

Por Fátima Moura da Silva

Barack Obama começou por ser um dos presidentes mais inexperientes dos EUA, tornou-se «implacável» em matéria de política externa e de segurança nacional, contou com o grande obstáculo de uma maioria republicana na Casa dos Representantes e cedeu pouco nas negociações de bastidores em Washington. Hoje, já muito experiente, teria com certeza actuado de maneira diferente, afirma ao Diário Digital Miguel Monjardino, do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica.

Obama «não hesitou em fazer coisas muito complicadas», disse, lembrando a origem e inexperiência de Obama, que depois de ter sido eleito senador, em 2004, passou apenas dois anos em Washington, após o que começou logo a fazer campanha.

«Não me consigo lembrar de um presidente tão inexperiente nas últimas décadas, é preciso recuar até Truman», diz. «Quando dizem que estão desiludidas com ele, as pessoas esquecem-se de onde ele vem e da sua inexperiência». «Hoje não, aprendeu muito depressa e já tem muita experiência», afirma.

«Temos uma imagem muito benigna dele, mas Barack Obama tem sido absolutamente implacável na defesa da segurança dos EUA, e é por isso que a maioria dos americanos estão muito satisfeitos com o seu desempenho a nível da política externa e de segurança nacional, que era tradicionalmente uma fragilidade dos democratas», afirma o especialista, para quem o actual presidente norte-americano tem sido «mais duro» que o seu antecessor (George W. Bush) nessas matérias.

Aliás, ele próprio não escondeu essa intenção no discurso em Oslo, quando recebeu o Nobel da Paz, que lhe foi atribuído provavelmente devido a uma atitude «preventiva» por parte da Academia Nobel.

Duro e implacável, mas estategicamente mais cauteloso. Em vez de investir unilateralmente em incursões militares noutros países, Obama optou por defender os interesses nacionais por uma via dissimulada, secreta, usando o braço clandestino da CIA.

Exemplo disso é a operação «Jogos Olímpicos», o maior ataque informático levado a cabo contra um país, neste caso dos EUA contra o Irão, o qual foi iniciado pelo republicano George W. Bush e expandido pelo actual presidente. «Não é por acaso a desvalorização brutal da moeda iraniana», o rial, que perdeu 80% face ao dólar no espaço de um ano. Só na segunda-feira, perdeu cerca de 15% do seu valor, atingindo mínimos históricos.

Barack Obama foi um homem que levou uma esperança de mudança, não só aos norte-americanos, mas a toda a comunidade internacional. Mas «em Washington, os sonhos desaparecem rapidamente». Tal como o republicano Ronald Reagan e o o democrata Bill Clinton, teve que governar com uma maioria republicana na Casa dos Representantes, mas os seus antecessores (que tinham também a oposição do Senado) «souberam governar bem, souberam negociar e ceder».

Além de que é preciso entender o sistema político norte-americano, muito diferente do europeu. Nos EUA o controlo partidário sobre os seus representantes eleitos é muito menor que na Europa, e é muito frequente os congressistas votarem contra uma indicação do partido, porque colocam em primeiro lugar o respectivo eleitorado.

«Quando promete, um presidente dos Estados Unidos promete fazer a sua parte», explica o professor. Pode contar com uma série de obstáculos. Tanto o Senado – que tem que ratificar tratados, confirmar juízes federais, cargos na administração e os oficiais generais, por exemplo – como a Câmara dos Representantes - que tem a inicativa legislativa e pode até impugnar presidentes – controlam-se mutuamente e fiscalizam «mesmo» o presidente. Se este não conseguir convencer as duas câmaras, não consegue fazer passar determinada proposta.
Barack Obama «não foi um presidente conciliador, não conseguiu unificar o país», considera.

Obama cometeu erros, que agora talvez evitasse. Um deles, que acabou por ser, aliás umas das suas maiores vitórias, mas muito difícl de obter, foi ter entregue à ala esquerda dos democratas no Congresso a elaboração da reforma do sistema de saúde, que ficou conhecido pelo Obamacare. «Devia tê-lo feito ele e só depois enviá-lo para aprovação», considera Monjardino.

O Obamacare obriga as seguradoras a aceitar todos os candidatos e a cobrar as mesmas taxas, independentemente do seu estado de saúde, o que lhe valeu uma oposição feroz por parte das seguradoras. Mas não só. Para os americanos é muito difícil perceber o conceito de Estado-providência, pois consideram que «a saúde é uma responsabilidade pessoal». «Mas parece ser a coisa mais importante que fez», salienta.

Outro dos erros, que é uma tentação de todos os líderes políticos, foi prometer milhões de empregos, ainda por cima herdando uma situação económica dificílima. «Quem cria os empregos são as empresas, não os presidentes», sublinha.

Guantánamo. Apesar de o encerramento daquela prisão em território cubano ter sido uma das suas principais promessas de campanha, quando chegou à Casa Branca Obama percebeu rapidamente que era inexequível, mas também ninguém fala já no assunto.

Com uma vitória ainda não segura, mas possível, com quatro de pontos de vantagem sobre o rival republicano a praticamente um mês das eleições, Obama será com certeza – se for eleito - um presidente mais experiente nas dinâmicas entre a Casa Branca e o Congresso.

Mas «é muito difícil governar em Washington», afirma Miguel Monjardino.

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