quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O IMPACTO DAS ARMAS LIGEIRAS NAS COMUNIDADES - CAPÍTULO 4

Introdução
Este capírulo é baseado na apresentação e análise de um inquérito exploratório
de rua levado a cabo na cidade de Chimoio, no Norte de Moçambique, em
Abril de 2003. O objectivo inicial do inquérito era de obter dados básicos sobre
a percepção das comunidades locais em relação à segurança, à actuação da
polícia e à presença de armas de fogo em Moçambique.
Contudo, tratando-se de um estudo piloto, o objectivo específico deste
exercício de pesquisa, o qual foi desenvolvido pelo Instituto de Estudos de
Segurança e aplicado noutros países Africanos, era de inspeccionar a
consistência do inquérito com as realidades locais, nomeadamente em
várias regiões na África do Sul a nível nacional da Tanzânia.
Há várias vantagens em utilizar inquéritos previamente concebidos e
testados – uma vez que já foram utilizados e os dados também já foram
analisados, permitindo assim a recolha de dados semelhantes e a
realização de uma análise comparativa. O perigo da utilização destes
inquéritos pode ser o facto de não serem adequados a contextos socio-económicos diferentes. É portanto importante testar estes inquéritos com
uma amostra da população que se pretende atingir e adaptá-los se
necessário for, antes de iniciar a pesquisa mais vasta.
Historial
Um conjunto particular de circunstâncias, incluindo a proximidade da
fronteira com o Zimbabué, a sua situação numa rota de transportes, estar
situada numa zona politicamente polarizada e com uma relativamente
pequena população, fizeram do Chimoio (Capital da Provínica de Manica)
o local escolhido ideal para um estudo exploratório sobre as questões de
segurança em Moçambique.
A província de Manica é atravessada pelo corredor da Beira que é a principal
ligação ferroviária e rodoviária entre o Oceano Índico e o leste, com o
interior da África Austral e mais para Norte, a Central. É uma região agrícola
fértil, produzindo entre outras culturas, o milho, bananas, citrinos e algodão
e também o centro de várias indústrias, incluindo têxteis, moagem,
processamento de algodão e sisal. Relativamente ao resto de Moçambique,
Manica pode ser considerada uma província próspera.
O potencial económico da província e o corredor de transportes que a
atravessam fizeram desta região uma zona de importância estratégica em
ambos os conflitos. A província foi palco de violentos conflitos entre
soldados da Frelimo e da ZANU-PF (União Nacional Africana do Zimbabué
– Frente Patriótica) e os, então, exércitos Rodesiano e Português. Mais tarde,
os contendores viriam a ser os combatentes da Renamo e os soldados de
Moçambique e do Zimbabué independente.
Durante a administração colonial, as receitas de Moçambique provinham do
trabalho e do transporte. Se, para o governo colonial, era fundamental
defender o corredor da Beira, para a Frelimo, era impossível não o atacar. A
presença de uma grande comunidade de colonos na província era um bónus
adicional. Atacando a região significou, não apenas a disrupção económica
para a administração colonial e para o regime Rodesiano como também, a
inflicção de alguns estragos; Por outro lado, mostrava a presença de soldados
da Frelimo numa região onde não havia aliados externos. O impacto
psicológico nos colonos foi tremendo.
Contudo, considerando a falta de apoio adicional na zona, a Frelimo não
podia contar com os seus activistas políticos para persuadir a população
sobre a justiça da sua causa. Assim, a população foi ‘obrigada’ a cooperar
com a Frelimo, sofrendo depois, a seguir a cada incursão da Frelimo, as
consequências da fúria dos Portugueses.
A importância deste corredor foi de novo óbvia quando, depois da
independência, o Presidente Machel ameaçou fechar o corredor da Beira ao
regime Rodesiano e decidiu apoiar abertamente os combatentes Zimbabueanos
da ZANU-PF. Quando o desacordo com o regime Moçambicano começou a
crescer , a Rodésia foi rápida em fornecer apoio militar e logístico, o qual deu
início a um conflito que duraria 16 anos. Numa espécie de justiça poética, a
partir dos anos da década de 1980, o corredor da Beira estava a ser protegido
por aqueles que o tinham tentado desfazer anteriormente – os então
combatentes da ZANU, agora como soldados Zimbabueanos.
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Depois da independência do Zimbabué em 1979, a Renamo, então sem um
aliado na região, enfrentou os mesmos problemas que a Frelimo tinha
enfrentado durante a guerra contra o colonianismo e passou a adoptar as
mesmas tácticas – violência contra a população. Como um antigo soldado da
Renamo afirmou a um pesquisador do ISS: “tínhamos que ser violentos pois
queríamos mostrar à população que o governo era incapaz de protegê-la. De
outra forma a população não acreditaria em nós e não nos daria apoio.”1
Esta combinação de partidos em conflito – soldados Rodesianos,
Portugueses, Moçambicanos e Zimbabueanos e combatentes da Frelimo,
ZANU-PF e Renamo – num movimento perpétuo de conflito com elevados
níveis de violência que durou quase trinta anos, transforma esta província
numa província singular.
Chimoio, sendo a capital provincial, é um centro administrativo, comercial e
de transportes. Situado ao longo do corredor da Beira, o Chimoio tornou-se
central em ambos os conflitos como é atestado pelos enormes quartéis ainda
existentes na cidade.
A perturbação social causada pelo conflito é expressa pelo enorme número
de refugiados que fugiam para os países vizinhos bem como aqueles que
abandonavam as zonas rurais para se refugiarem nas áreas urbanas. Chimoio
não foi uma excepção a este cenário e o influxo de refugiados das zonas
rurais elevou a população da cidade para 105.818 habitantes em 1991.
2
Cinco anos depois do processo de paz, os dados do censo de 1997 definem
a população do Chimoio como sendo de 171.056 habitantes.3
Décadas de conflito violento em Moçambique – desde os anos sessenta até
ao Acordo Geral de Paz (AGP) em 1992 – facilitaram a proliferação de armas
de pequeno porte bem como a sua disseminação por todo o país.
A pouca pesquisa realizada em Moçambique sobre questões de segurança,
incidiu principalmente na cidade de Maputo – a capital do país. Se por um
lado é verdade que Maputo tem níveis de criminalidade mais elevados,
também é verdade que a pesquisa baseada apenas em Maputo pode não ser
representativa do resto do país.Em países que saíram de conflitos, tal como
Moçambique, muitas cidades capitais tendem a crescer
desproporcionadamente em relação ao resto do país, tanto em termos
urbanos como económicos. A forte presença de uma relativamente grande –
pelo menos maior do que no resto do país – comunidade de expatriados,
facilita a expansão de uma economia de serviços, os quais são prestados a
Ana Leão 61
preços excessivos, o que pode distorcer a economia. Uma maior
concentração de riqueza atrai também uma maior concentração da
criminalidade. No entanto, é mais provável que esconderijos de armas ilegais
existam em áreas mais rurais e menos povoadas.
Uma vez que existe a percepção de que o crime urbano, quer na África do
Sul quer em Moçambique, está sendo cometido com armas de pequeno
porte ilegais, provenientes de esconderijos de guerra, escolher um lugar onde
a existência de tais esconderijos seja mais provável pareceu fazer sentido.
Devido ao seu passado histórico, a escolha da região do Chimoio pareceu
ser a mais óbvia.
Metodologia
A equipa de pesquisa decidiu levar a cabo o teste piloto com população
menos habituada a inquéritos. Também neste âmbito, Chimoio pareceu ter
vantagem sobre Maputo.
Amostras ao Acaso
Devido a limitações de tempo e logísticas, a equipa de pesquisa decidiu
realizar um inquérito de rua ao acaso nos mercados principais do Chimoio.
A equipa do inquérito contactou pessoas ao acaso no mercado – tanto os
donos das bancas como os clientes – de ambos os sexos e com idades o mais
variadas possível. Às pessoas foram feitas perguntas relacionadas com
questões de segurança nas suas áreas de residência, desde que tais áreas
fossem dentro dos limites da cidade.
A vantagem de uma tal amostra ao acaso é de que é possível entrevistar uma
grande variedade de pessoas, sem se correr o risco de realizar, o que é muitas
vezes chamado, um inquérito de ‘donas de casa’, como é por vezes o caso
em inquéritos de casa em casa.4
Como as pessoas estão a ser questionadas
fora do seu ambiente caseiro, é mais provável que falem abertamente pois
sabem que não estão sendo observadas por familiares ou vizinhos. Por outro
lado, as pessoas podem estar com pressa de chegar às suas casas e, portanto,
estarem menos disponíveis para ser entrevistadas, ou podem também sentir-se intimidadas por falaram num lugar público. Para ultrapassar esta limitação,
as pessoas foram convidadas a tomar um refresco num café público, na
companhia do entrevistador, e então responder ao questionário calmamente.
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Limitações da Amostra
Como as entrevistas eram efectuadas durante o dia, o risco de alcançar
apenas certos tipos da população, por exemplo, desempregados e
estudantes, foi minimizado ao serem feitas perguntas sobre segurança não só
em relação ao entrevistado mas também à sua família. Como ‘família’ os
entrevistadores definiram ‘todos aqueles vivendo sob o seu tecto’.
A recepção à equipa de pesquisa foi, em geral, positiva. As pessoas
cooperaram, levaram o seu tempo e, algumas delas, até esperaram pela sua
vez para serem entrevistadas.
A equipa de pesquisa conseguiu obter entrevistas com 34 respondentes.
Apesar desta amostra ser suficiente para um estudo piloto, qualquer análise
quantitativa de uma amostra tão pequena tem que ser tratada com prudência
e não deveria ser considerada como representativa da população.
É legítimo afirmar por exemplo, que “3 em cada dez pessoas entrevistadas no
Chimoio têm experiência de um certo tipo de crime” mas extrapolações tais
como “um terço da população do Chimoio tem experiência do mesmo tipo
de crime” não podem ser inferidas. A consistência nos inquéritos, no entanto,
permitem-nos esboçar um quadro sobre as preocupações de segurança das
populações e indicar os caminhos para estudos posteriores. A análise de
estudos piloto também permite aos investigadores corrigir modos de
proceder e / ou perguntas com vista a inquéritos futuros.
Procedimentos no Inquérito
As pessoas foram informadas sobre os objectivos do estudo, sobre o acordo
de confidencialidade e, também, que poderiam suspender a entrevista em
qualquer altura. Todos os respondentes completarm o questionário, com
excepção de apenas dois. As actuais respostas destes dois respondentes estao
incluídas neste relatório. A partir do ponto em que decidiram suspender a
entrevista, estão incluídos em ‘sem resposta’. Um terceiro respondente
começou a ser entrevistado. Quando chegou à Secção 4 decidiu parar e
destruiu o questionário.
Apesar da boa recepção à equipa, é óbvio, em resultado da análise dos
inquéritos, que as pessoas não se sentem confortáveis ao responder a
Ana Leão 63
perguntas sobre armas de fogo e crimes de estupro. Esta questão será
discutida mais adiante.
Como a amostra para a pesquisa era pequena, os pesquisadores
complementaram a pesquisa com dados qualitativos. Os entrevistadores
foram treinados para dirigir as entrevistas de uma forma estruturada e para
tomarem notas dos comentários feitos pelos respondentes às perguntas que
lhes eram colocadas.
As perguntas do inquérito foram feitas em voz alta ao respondente e as
respostas foram escritas pelo entrevistador. A decisão para agir desta forma
é em resultado do censo de 1997 o qual determinou um nível de
analfabetismo de 57,7% na Província de Manica.. Muitas pessoas têm
relutância em admitir que são analfabetas e ter-se-iam provavelmente
recusado a responder ao inquérito sem apresentarem justificação. Isto
podia criar uma percepção errada por parte da equipa de pesquisa, dado
que a relutância em participar poderia ter sido interpretada como sendo
relacionada com a sensibilidade das perguntas. Por outro lado,
experiência de pesquisas anteriormente adquirida em Moçambique tem
demonstrado que as pessoas preferem responder verbalmente, em vez de
escrever as suas próprias respostas.
O inquérito incluia cinco secções:
• Secção 1: dados individuais sobre o respondente
• Secção 2: tendências do crime e percepções sobre segurança
• Secção 3: segurança no contexto das áreas vizinhas
• Secção 4: atitudes em relação a armas de fogo.
• Secção 5: percepções sobre segurança e armas de fogo
Língua
O questionário do inquérito (Anexo 1) foi primeiro traduzido para Portugês.
Foi então discutido com Moçambicanos para testar a pertinência de cada
pergunta e fazer as necessárias adaptações. No Chimoio, o questionário do
inquérito foi então traduzido para as línguas locais, Cisena, Cindau e Chona,
pelos três entrevistadores contratados localmente, os quais também
conduziram as entrevistas. A tradução foi feita verbalmente pelos
entrevistadores, a fim de dar um único significado, previamente clarificado e
aceite às palavras para cujo conceito não havia tradução nas línguas locais.
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Secção 1: Dados Individuais
A amostra total foi de 34 inquéritos feitos a 18 respondentes do sexo
masculino e 16 do sexo feminino. Vinte das entrevistas foram feitas em
locais públicos, tais como cafés; oito entrevistas foram feitas nas casas dos
respondentes e seis foram feitas nos locais de trabalho dos entrevistados. As
idades dos respondentes eram entre os 16 e os 70 anos, o que dá uma
média de 27 anos para a amostra.
Perguntas sobre segurança foram feitas em relação à área de residência,
mesmo para os respondentes que tinham bancas no mercado ou na rua e
pequenos negócios na área da entrevista.
Todos os respondentes frequentaram ou ainda frequentam a escola e
todavia a maior parte deles estão ocupados no sector informal. A educação
formal da amostra vai desde o primeiro ano de escolaridade até aos estudos
pré-universitários (décimo segundo ano), uma mulher era enfermeira /
parteira, outra mulher era contabilista e dois dos respondentes eram
electricistas. Quase metade dos respondentes (15) completaram a
escolaridade entre o nono e o décimo segundo ano.
Para objectivos de análise, as actividades dos respondentes foram divididas
em cinco categorias: sector público, sector privado, sector informal,
agricultura e outros:
• Sector público, significando emprego permanente numa instituição
governamental (três respondentes)
• Sector privado, significando lojas ou negócios com as respectivas licenças
(oito respondentes)
• Sector informal, significando a actividade económica informal tal como
vendedor de rua, bancas de mercado e bancas de rua ( catorze
respondentes)
• Agricultura – quase todos os respondentes exerciam actividades agrícolas,
principalmente para consumo familiar. Nenhum dos respondentes tinha a
agricultura como actividade principal.
• Outros – estudantes, donas de casa e outras formas de emprego (nove
respondentes)
Ana Leão 65
Secção 2: Percepções sobre Crime e Segurança
Esta secção inclui informação sobre os tipos de crime e victimização nos
últimos dez anos. A data nas perguntas é utilizada como forma de encorajar
a exactidão ao indicar a data de um crime e não é utilizada na análise, de
um modo geral. O tempo é usualmente referenciado em relação a um feriado
ou acontecimento. Neste caso a equipa de pesquisa usou, como ponto de
referência, as eleições gerais de 1994.
A Importância das Definições
Crimes têm muitas vezes uma definição legal a qual nem sempre é
consistente com a ideia que o público tem deles. Conceitos como roubo,
assalto ou pilhagem, são utilizados vulgarmente e sem qualquer significado
legal. Isto torna-se particularmente importante quando os questionários têm
que ser traduzidos para outra língua e contexto social.
O inquérito utilizado nesta pesquisa foi traduzido primeiro de Inglês para
Português e, depois, de Português para as línguas locais. Em Português, por
exemplo, a palavra comum utilizada para ‘car hijack’ e ‘car theft’ é a mesma
e o seu significado numa palavra não existe em algumas das línguas locais.
Para  ultrapassar esta limitação, a equipa de pesquisa concordou com
definições comuns para os crimes mencionados no inquérito. Assim, foram
as seguintes as definições usadas para descrever os tipos de crime
mencionados no inquérito:
• ‘home burglary’(roubo a casa)foi definido como ‘quando ladrões entram,
ou tentam entrar, dentro da casa independentemente de você e / ou a sua
família lá estarem ou não’
• ‘stock theft’ (roubo de gado) foi definido como ‘quando alguem rouba
animais , tais como carneiros, vacas, cabritos, galinhas, mas não cães
nem gatos , que lhe pertençam’
• ‘crop theft’(roubo de colheitas)  foi definido como ‘ quando as colheitas
são roubadas da sua quinta, seja da terra seja do celeiro’
• ‘car hijack’(desvio de viaturas)  foi definido como ‘ quando a sua viatura
é roubada enquanto a está a conduzir ou quando nela está sentado com
o motor parado, quando é puxado, à força , para fora do carro e a pessoa
que o fez foge com o carro’ (longa mas necessária)
•‘car theft’(roubo de viaturas)  foi definido como ‘ quando o seu carro ou
partes do seu carro desaparecem enquanto está ausente. Por exemplo,
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durante a noite ou quando o carro está estacionado num sítio qualquer’
• ‘deliberate damage’(prejuízos deliberados) foi definido como ‘quando
coisas que lhe pertencem foram estragadas de propósito sem nenhuma
razão aparente’
• ‘rural equipment’(equipamento rural) foi definido como ‘não apenas
tractores e outros equipamentos mecanizados mas também ferramentas
de mão com enxadas, facas de mato, etc.’
• ‘violent assault’(assalto com violência física) foi definido como ‘se
alguma vez foi espancado’
• ‘robbery’(roubo, assalto)foi definido como ‘quando vai a andar na rua ou
vai de autocarro e alguém se aproxima de si e o ameaça a não ser que lhe
dê alguma coisa; ou quando chega a casa e descobre que a sua carteira
desapareceu’
• ‘murder’(assassinato) foi definido como ‘quando alguém foi morto por
outra pessoa intencionalmente, sem ser por acidente’
• ‘sexual assault’(estupro, violação sexual) foi definido como ‘não apenas
o estupro violento, mas também quando uma pessoa tem que se submeter
para obter os resultados escolares, por exemplo’
Potenciais limitações das definições
Definições são muito importantes em inquéritos uma vez que podem
representar sérias limitações durante a análise. Num inquérito mais vasto, a
definição de ‘robbery’ aqui utilizada, por exemplo, impediria um indicador
de crime violento no Chimoio.
Tradicionalmente, ‘robbery’ é definido como ‘roubo, assalto contra força
física’, quer dizer, ‘robbery’é apenas considerado quando o roubo inclui
violência ou ameaça de violência. A definição obtida pela equipa de
pesquisa faz com que o carteirismo seja incluido nesta categoria. Tivesse este
sido um inquérito mais vasto, os resultados não podiam ter sido utilizados
para uma análise comparativa com outros inquéritos, efectuados noutros
países, devido às diferentes definições.
Apesar de num inquérito exploratório, dado o tamanho diminuto da amostra
e o objectivo diferente da pesquisa, tal situação pode não ser um problema
em termos de análise, inquéritos mais vastos têm que ter definições
preparadas muito cuidadosamente. Para o objectivo deste estudo, estas
perguntas foram utilizadas mais para testar a vontade das pessoas de
Ana Leão 67
responder a perguntas deste tipo e, também, para testar a relevância destes
tipos de crime no contexto local.
Credibilidade dos respondentes
Inquéritos dependem da vontade das pessoas darem o seu tempo e, também,
da credibilidade dos respondentes. Há sempre o risco de que um dos
respondentes possa não dizer a verdade. Para ultrapassar este obstáculo em
amostras maiores, os inquéritos apresentando respostas muito diferentes da
média são excluídos da análise, a fim de evitar distorções.
A equipa de pesquisa sentiu algumas dúvidas ao analisar as respostas de dois
respondentes do sexo masculino que preencheram o inquérito juntos:
•3 roubos em casa com ou sem os residentes lá dentro
• 11 roubos de colheitas quer na terra quer nos celeiros
•2 assaltos
•2 crimes de morte intencional e não por acidente
•1 estupro
Uma vez que este foi um estudo exploratório, nenhum inquérito foi excluído
mas os números devem ser considerados com muito cuidado.
A Importância da Classificação para a Análise
Existe ainda uma outra classificação para os tipos de crimes, igualmente
importante que não foi utilisada neste inquérito: crimes violentos e crimes
económicos. Crimes violentos são aqueles onde armas poderiam ter sido
utilisadas, tais como roubos / assaltos / desvios a carros, assaltos, crimes de
morte e roubos em casas onde os habitantes pudessem estar ou não. Esta
distinção é importante pois pode representar um indicador do nível de
violência.
Observações feitas durante o trabalho no terreno e comentários anotados
pelos pesquisadores, criaram a impressão, entre eles, de que a violência não
parece ser uma característica comum da criminalidade no Chimoio. A
equipa de pesquisa teve a mesma impressão no que respeita ao uso de armas
de fogo na prática do crime. Uma das razões que muitas pessoas
apresentaram por não possuirem uma arma é que tal não faria sentido num
país em paz. A associação de armas ao crime existe, no entanto, latente na
mente das pessoas, dado que muitas delas afirmam que se tivessem uma
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arma, pensam que seriam tentados a utilisá-la para resolver problemas
financeiros e, também, que armas de fogo trazem a instabilidade para o seio
das comunidades.
Perguntas sobre Assaltos / Ataques de Natureza Sexual
A mesma disparidade pode ser encontrada no que respeita à questão assaltos
/ ataques / violações de natureza sexual. Inquéritos efectuados noutros
lugares notam que é extremamente difícil obter respostas a tais perguntas.
Num inquérito recentemente efectuado pelo ISS na zona central de
Johannesburgo,5
perguntas relacionadas com crimes de natureza sexual
foram excluídas do inquérito, devido à relutância das pessoas em lhes
responder. A equipa de pesquisa no Chimoio encontrou a mesmo desafio.
Enquanto procedia à adaptação do inquérito, a equipa de pesquisa previu
esta limitação mas decidiu manter a pergunta sobre assaltos / ataques /
violações de natureza sexual uma vez que o objectivo era de testar a vontade
das pessoas de participar no inquérito. Assim, a pergunta foi mantida mas a
definição de assalto / ataque / violação de natureza sexual teve que ser
alargada para incluir favores sexuais. Depois do primeiro dia de entrevistas,
a equipa de pesquisa decidiu modificar a questão e perguntar, antes, se o
respondente sabia de alguém na sua comunidade (e não um familiar) que
tivesse sido vítima de estupro.
O inquérito registou dois assaltos /ataques / violações de natureza sexual e
uma tentativa de assalto / ataque / violação de natureza sexual. Ambas as
vítimas eram familiares dos respondentes. Armas de fogo foram usadas num
assalto / ataque / violação de natureza sexual.
Haver dois assaltos / ataques / violações de natureza sexual e uma tentativa
de assalto / ataque / violação de natureza sexual numa amostra de 34, parece
sugerir que as pessoas em Moçambique estariam dispostas a discutir este tipo
de crime. Contudo e de novo para salientar o perigo de extrapolações a partir
de dados factuais de uma amostra tão pequena, a observação qualitativa no
terreno contradiz isto. Foi óbvio que as pessoas não se sentiam à vontade
com a pergunta – mover-se-iam nas seus assentos ou diriam imediatamente
que não, sem hesitar.
Durante uma entrevista recente com um psicólogo Moçambicano6
foram-lhe feitas perguntas sobre o estupro e sobre a ideia que as comunidades têm
Ana Leão 69
desse crime. Segundo ele, o estupro parece ser qualquer coisa que a maior
parte das mulheres pensa que terá que viver numa altura qualquer das suas
vidas; não gostam dele mas acabaram por aceitá-lo como um dos factos da
vida, como um risco ocupacional enquanto trabalham no campo ou vão
buscar lenha ou vão buscar água. Tem que ser dito, de novo, que isto reflecte
uma opinião pessoal e não uma conclusão de pesquisa. A pesquisa sobre
crimes de natureza sexual apesar de difícil, é importante e é um campo
inexplorado em Moçambique. Dados os esforços do governo para refrear a
violência doméstica, a pesquisa neste campo poderia ser útil para a
elaboração de planos de acção, corrigir princípios orientadores e conceber
campanhas de consciencialização. Como este é um tópico muito sensível, a
pesquisa sobre crimes de natureza sexual é normalmente realizada por
psicólogos e trabalhadores experientes de serviços sociais, os quais sabem
como lidar com o trauma infligido.
O Crime no Chimoio: Resultados do Inquérito
O Chimoio, segundo se afirma, tem um dos mais baixos índices de
criminalidade em Moçambique, nos últimos cinco anos. De acordo com a
PRM em Chimoio, o índice de criminalidade na Província de Manica é de
15%. Apesar do nível de criminalidade no Chimoio ser mais elevado do que
em outros centros urbanos na província, ainda é dos lugares mais seguros em
Moçambique. E, no entanto, ao rever os resultados do inquérito, parece
haver um elevado número de incidentes relatados para uma amostra tão
pequena. Metade dos respondentes relataram roubos nas suas casas. Como
os respondentes em Chimoio não vivem em prédios de apartamentos, o
roubo de uma bicicleta do quintal de uma casa, por exemplo, foi
considerado roubo numa casa dado que os criminosos tiveram que entrar no
local físico da casa. Roubos em casas e ‘robberies’ (como definido no
inquérito) parecem ser tão prevalecentes que as pessoas os consideram como
“sendo normais”. Muitas vezes os respondentes encolheriam os ombros e
muitos responderam “concerteza” como se não houvesse alternativa (fig. 1).
A Deficiente Comunicação de Crimes
O deficiente relato de crimes é vulgar em muitos países e sociedades. Crimes
comunicados são normalmente aqueles que não podem ser escondidos ou
tratados de outra maneira, tais como o crime de morte, onde procedimentos
legais têm que ter lugar para se dispor do corpo; os que podem ser
70 Portuguese Monograph 94
compensados por companhias de seguros, como o roubo de carros ou roubos
em casas; e os que são demasiado valiosos para não serem comunicados, tais
como roubos de objectos muito valiosos como joalharia. Roubos sem
importância e pequenos roubos são raramente comunicados à polícia.
Futuras pesquisas podiam beneficiar de uma compreensão mais profunda
deste problema. Isto necessitaria de um inquérito com conceitos de crime
melhor definidos, com crimes devidamente classificados em casas ou
individuais, violentos ou económicos. Esta secção devia também ser
complementada com perguntas detalhadas sobre o crime comunicado e
sobre os procedimentos, por forma a dar alguns conhecimentos sobre as
áreas onde os serviços da polícia / judiciários podiam ser melhorados.
fig. 1 – Tipos de crime
Na comunicação de crimes, os respondentes indicaram que armasde fogo
tinham sido usadas principalmente em incidentes de crime de morte e roubo
de carros com o/os ocupante/es no seu interior (ver fig.2). Geralmente, o uso
de armas de fogo na prática de crimes é muito baixo.
fig. 2 – Uso de armas de fogo em crime, 2002
fig. 3 – Tipos de crime em 2002, por percentagem
Como indicado nos resultados do inquérito, o roubo em casas é agora o
crime mais vulgar entre os respondentes no Chimoio, seguido de roubos na
rua ou nos autocarros, roubo de colheitas nos terrenos ou nos celeiros e
roubo de animais, com excepção de cães e gatos (fig. 3).
Segurança
O objectivo da secção três do inquérito é avaliar o grau de segurança que as
pessoas consideram existir nas suas comunidades e como classificam a
actuação da polícia. Se uma área de residência é considerada insegura é
improvável que indivíduos invistam nessa área; numa eleição, a percepção
de um serviço de polícia deficiente pode ser decisiva.
Isto é também a razão da importância que tem para a polícia saber a
dimensão do pequeno crime que não está a ser comunicado. Uma pessoa
pode não comunicar à polícia roubos de pequenas quantias mas, se estes
Ana Leão 71
ocorrerem repetidamente, é improvável que a pessoa se sinta ‘segura’ numa
determinada área.As estatísticas oficiais de criminalidade não podem incluir
incidentes que não foram comunicados.
Chimoio é uma das cidades Moçambicanas com mais baixo nível de crimes
comunicados e, no entanto, os respondentes nesta amostra mostraram-se
preocupados com a segurança. A cidade de Chimoio foi muitas vezes
mencionada à equipa de pesquisa como um modelo a seguir para outras
cidades Moçambicanas e é presentemente um local de experiência piloto
para um projecto de policiamento pela comunidade. Os esforços da polícia
para controlar a criminalidade no Chimoio foram muitas vezes referidos e
reconhecidos pelos respondentes. Se, como este estudo sugere, os crimes no
Chimoio não estão a ser comunicados à polícia devido à sua natureza, estes
esforços não estão, provavelmente, a ser levados ao máximo possível.
População Rural e Urbana
Apesar de Chimoio ser um centro urbano, muitos dos seus habitantes têm
pequenas quintas de família nos arredores da cidade. Não vivem lá mas
tratam dos campos regularmente e, a maior parte das quintas tem uma
pequena cabana, onde o dono pode passar a noite se for necessário. Como
tal, também foram feitas perguntas em relação à segurança que eles sentem
quando trabalham nas suas pequenas quintas. A fig. 4 sumariza até que
ponto os respondentes se preocupam com a criminalidade.
fig. 4 – Preocupações individuais sobre a criminalidade
No contexto da amostra, pouco menos de metade (45%) dos respondentes
estão ocasionalmente preocupados com a criminalidade. Contudo, 52% dos
respondentes estão ‘sempre’ ou ‘muitas vezes’ preocupados com a
criminalidade no Chimoio.
fig. 5 – Sentimento de segurança em casa e no campo
A Figura 5 apresenta sentimentos de segurança entre os respondentes tanto
nas suas casas como nos campos. Mais respondentes sentiram-se ‘mais ou
menos’ seguros em casa durante o dia, enquanto, em geral, se sentiram
‘muito inseguros’ durante a noite, tanto nas suas casas como nos campos.
A percepção por parte dos respondentes é de que a maior parte dos crimes
acontece durante a noite. Referiram-se à falta de luz nas ruas e à falta de
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Ana Leão 73
patrulhas nocturnas da polícia como os factores principais que afectam a
segurança nas suas comunidades.
Preocupações com a Criminalidade e o Género
A criminalidade parece ser uma questão sempre presente na mente dos
respondentes. Cinco respondentes do sexo feminino afirmaram que se
preocupam ‘sempre’ com a criminalidade e outras seis afirmaram que se
preocupam ‘muitas vezes’ com a criminalidade. De uma amostra de 16
mulheres, 11 comunicaram grandes preocupações com a questão.
Isto podia significar que as mulheres se podem sentir fisicamente mais
vulneráveis e portanto, recear o crime mais do que os homens ou podem ver-se a si próprias como alvos preferenciais para o crime. Mas, também podia
significar que as mulheres consideram que têm menos direitos, quando se
trata da administração da lei. Numa conversa informal com um funcionário
da polícia da Unidade de Violência Doméstica, na Beira, foi afirmado que o
maior constrangimento que a unidade encontrava era convencer as mulheres
a virem ao foro e comunicar a violência que é exercida contra elas. Vítimas
de estupro podem decidir não comunicar o incidente, pois tal poderia criar
para elas um estigma social. Todos os outros respondentes preocupam-se até
um certo ponto, com o nível da criminalidade.
Disseminação Geográfica da Criminalidade
A impressão criada pela amostra é de que o crima em Chimoio não é
circunscrito a uma determinada área ou bairro, mas afecta toda a cidade.
Estatísticas de criminalidade fornecidas pela polícia em Chimoio para as
quatro estações de polícia aí existentes parecem confirmar isto (Tabela 1).
Tabela 1 – Estatísticas da polícia sobre os crimes comunicados em Chimoio
Número de crimes Número de crimes
comunicados em 2001 comunicados em 2002
Estação de Polícia 1 112 115
Estação de Polícia 2 62 63
Estação de Polícia 3 42 40
Estação de Polícia 4 49 45
Total 265 263
As estações de polícia 1e 2 cobrem 9 bairros cada uma; as estações de
polícia 3 e 4 cobrem 7 e 8 bairros respectivamente.
Em termos de bairros com maiores índices de criminalidade, a Estação de
polícia 1 cobre dois e as outras estações cobrem um bairro cada uma, com
níveis mais altos de criminalidade. Estes números, fornecidos pelo Comando
Central da Polícia no Chimoio, sugerem que a criminalidade está
relativamente espalhada e não concentrada em certos bairros.
Crime Organizado contra Crime Económico
Numa recente discussão de um grupo de interessados realizada com
a juventude em Maputo, os participantes fizeram uma distinção clara
entre o que eles chamaram, dois tipos de crimes: crime organizado –
violento, utilizando armas de fogo e envolvendo pessoas com meios
financeiros; e o que foi chamado ‘crime de ignorância’, descrito como
pequeno crime cometido por pessoas que não vêm outra saída nas
suas vidas. Pode envolver o uso de armas de fogo ocasionalmente mas
a motivação do criminoso é a tensão económica causada pela
pobreza. Uma distinção semelhante foi também feita por um
funcionário do Ministério do Interior em Moçambique:
“No Maputo há dois tipos de crime – crime organizado e crime
económico. Tendem a usar o mesmo tipo de armas, apenas algum
crime organizado utilisa tácticas diferentes, principalmente quando
os criminosos são antigos soldados (como o assassino de Siba Siba).
Os antigos soldados da Casa Militar, que garantiam a segurança do
governo, são conhecidos dos chefes do crime organizado.”
As atitudes dos respondentes a mudanças no crime e na violência são
mostradas na fig. 6. A maior parte dos respondentes sentem que tanto o crime
como a violência estão a aumentar, sendo mais notória a violência.
fig. 6 – Mudanças no crime e na violência
O facto de 17 e 14 respondentes, respectivamente, acreditar que os níveis de
violência e crime estão a aumentar nas suas áreas, é deveras notável para um
país que viveu três décadas de conflito violento.
Isto pode ser devido à amostra, à falta de definição de violência na pergunta,
e / ou ao facto de os Moçambicanos afirmarem muitas vezes que ‘antes da
74 Portuguese Monograph 94
guerra não havia crime’. O que parece ser aparente em resultado da
observação no terreno, é que os respondentes fizeram uma diferenciação
entre a violência que ocorreu durante a guerra e violência criminosa. A
equipa de pesquisa não teve acesso a dados de criminalidade e, portanto,
não pode confirmar a exactidão desta afirmação, mas um funcionário do
Ministério do Interior em Moçambique afirmou à equipa de pesquisa que
“criminosos utilizaram o cenário da guerra para cometer crimes, mas o
problema não era generalizado e era ‘diluído’ devido à guerra”.
Policiamento nas Comunidades
O policiamento no Chimoio não parece ser um problema geral. Mais de
metade dos respondentes afirmaram que vêem polícia em serviço pelo
menos de uma vez por dia e um total de 28 respondentes vê a polícia
patrulhar as suas comunidade de uma vez por dia a uma vez por semana (ver
fig. 7).
Contudo, a maior parte dos respondentes queixou-se da qualidade das
patrulhas, afirmando que são irregulares e normalmente não existentes
durante a noite.
Os respondentes sentiram que os esforços da polícia para controlar o crime
são de ‘médios’ a ‘maus’, e a actuação da polícia é avaliada entre ‘a mesma’
e ‘pior’ (fig. 8). Quase o mesmo número de respondentes afirmou que a
actuação da polícia tinha melhorado nos últimos anos (n=9) e que tinha
piorado (n=7) (fig. 9).
fig. 7 – Presençada polícia na área
fig. 8 – Percepções dos esforços da polícia
fig 9 – Percepções da actuação da polícia
Actuação da Polícia
As razões apresentadas pelos respondentes para a mudança ou falta de
mudança na actuação da polícia foram semelhantes e foram usadas para
justificar tanto a melhoria como o agravamento da actuação da polícia. As
razões seleccionadas pelos respondentes sao apresentadas a seguir. De
notar que foi pedido a cada respondente para apresentar até três razões:
Ana Leão 75
• saláriosdos polícias (n=8) – salários baixos vistos como uma razão para
fraca actuação e um aumento dos salários como explicação para as
melhorias;
• falta de patrulhamento ou patrulhamentoineficaz da comunidade (n=7);
• presença (ou falta de )luzes nas ruas para a segurança nas comunidades
(n=6);
• segurança melhorada nos bairros devido a melhor actuação da polícia
(n=6);
• colaboração entre polícias e criminosos deteriora a segurança nas suas
áreas (n=5);
• cooperação, ou falta de cooperação, com a comunidadefoi também
referida como uma razão de mudança na segurança pública (n=5);
• corrupção foi identificada como um factor para a deterioração da
segurança pública (n=5);
• nível de pobreza dos funcionários da polícia (n=3);
• outras razõesincluiram: reacção da polícia mais rápida; redução da
criminalidade na área; falta de normas de conduta na polícia; campanhas
de consciencialização; bons patrulhamentos; vigilantes; honestidade de
alguns polícias; mau treinamento e falta de recursos para a polícia.
Factores Influenciando a Actuação da Polícia
A consistência detectada nas respostas da amostra parece identificar três
factores principais que afectam a actuação da polícia: razões económicas,
corrupção e cooperação com a comunidade. Assim, as respostas da amostra
foram agrupadas em três categorias: cooperação com a comunidade,
incluindo todas as respostas que mencionam cooperação / falta de
cooperação com a comunidade como uma importante razão para mudança;
razões económicas, incluindo respostas que mencionaram salários e níveis
de pobreza; corrupção, incluindo as respostas mencionando cooperação
com criminosos, falta de normas de conduta e suborno.
De 60 sugestões, mais de metade (33) fazem parte destas três categorias:
76 Portuguese Monograph 94
Ana Leão 77
Tabela 2 – Factores influenciando a actuação da polícia
Categoria Número
Cooperação com a comunidade 9
Razões económicas 13
Corrupção 11
Total 33
Os respondentes pareceram considerar estes três problemas como factores
chave na segurança pública: as condições de vida necessitam de ser
melhoradas; a polícia e a comunidade têm que cooperar; a corrupção tem
que parar. Os respondentes pareceram relacionar a corrupção na força de
polícia com a pobreza.
Segurança na Comunidade
Uma das maiores limitações dos projectos baseados na comunidade para
controlar o crime e as armas de fogo é a dificuldade em encorajar as pessoas
a fazer queixas relacionadas com os seus vizinhos. Se a atitude popular em
relação a funcionários corruptos é de compreensão e simpatia, a denúncia
de funcionários corruptos pode tornar-se muito difícil. Os respondentes não
gostam de corrupção e queixam-se dela mas parece que acabam por aceitá-la em geral por a considerarem como inevitável na maior parte dos casos.
As comunidades que se consideram inseguras tendem a assumir a
responsabilidade pela sua própria segurança, nem sempre da melhor forma.
Moçambique não é estranho à justiça popular. Por alturas de 1994, no
Chipamanine – o maior mercado em Maputo – se a população apanhasse um
ladrão, este seria executado imediatamente. A equipa de pesquisa teve a
impressão clara de que deve haver alguns movimentos, tipo vigilantes, nos
bairros de Chimoio, primariamente devido a referências a ‘defesa popular’.
A Juventude e Soldados Desmobilizados
Relatórios escritos por organizações envolvidas na reintegração de antigos
combatentes sugerem que de facto, e contradizendo a sabedoria popular, ex-combatentes não são mais susceptíveis de cometerem crimes do que
qualquer outro grupo.8
Contudo, uma entrevista com um funcionário do Ministério do Interior
indicou que a maior parte dos criminosos são de meia-idade, soldados
desmobilizados e desempregados. De acordo com este funcionário, soldados
desmobilizados preferem dizer que estão desempregados a dizer que são
antigos soldados ou “antigos Casa Militar”.
As ruas das cidades de Moçambique estão cheias de gente nova a tentar
arranjar-se pelos seus próprios meios. A maior parte destes jovens tem
algum nível de habilitações literárias mas consideram muito difícil a
entrada no mercado do trabalho. A juventude é tradicionalmente vista com
suspeita por várias razões.
Protecção da Comunidade
Em relação à pergunta sobre o que os respondentes faziam para proteger a
comunidade contra o crime, as respostas variaram entre a atitude individual
(instalação de barras de protecção contra roubo ou compra de um cão) a
modos de actuar mais relacionados com a comunidade, incluindo frequentar
as reuniões do policiamento comunitário. A Tabela 3 sumariza as respostas
a esta pergunta.
Tabela 3 – Acções para evitar o crime
O que está fazendo para evitar o crime na sua área?* Número
Instalou barras de protecção contra roubo 14
Nada 14
Denuncia criminosos às autoridades comunitárias 9
Arranjou um cão 7
Denunciou criminosos às autoridades locais 6
Aassociou-se a iniciativas de policiamento local (vigilantes) 6
Denunciou os criminosos à polícia 5
Frequenta reuniões de polícia comunitária 4
Tornou-se membro de uma unidade de autodefesa 2
Sem resposta 1
Alugou um quarto 1
Alugou segurança 1
78 Portuguese Monograph 94
Associou-se a patrulhas de rua 0
Instalou um sistema de alarme 0
Arranjou uma arma 0
*Os respondentes podiam identificar mais do que um tipo de acção
Iniciativas privadas para impedir o crime parecem prevalecer. Mesmo os
respondentes que responderam ‘nada’ justificaram a resposta com a falta de
recursos financeiros para instalar barras de segurança contra roubos ou um
sistema de alarme.
Isto podia significar que as pessoas não confiam nas autoridades para
impedir o crime nas suas áreas. Isto também pode ser devido à natureza do
crime que é cometido na comunidade. Como afirmado anteriormente,
pode tratar-se de crimes que não são muitas vezes comunicados.
Alternativas da Comunidade para a Segurança Pública
Segundo informação da polícia no Chimoio, não tem havido relatos de
“vigilantismo” ou unidades de autodefesa na área. A polícia afirmou que as
comunidades têm estado a contribuir de uma forma positiva para impedir o
crime e acolhe esta contribuição com agrado.
De acordo com os respondentes ao inquérito, existe também a vontade entre
a população para cooperar com a polícia. A polícia no Chimoio tem estado
a organizar palestras e campanhas de consciencialização nas comunidades,
as quais foram mencionadas pelos respondentes.
Uma observação interessante é que os respondentes parecem mais
inclinados a denunciar criminosos às autoridades da comunidade (definida
como o líder informal da comunidade) em primeiro lugar, às autoridades
locais (definidas como o secretário do bairro ou representante do governo)
em segundo lugar e finalmente à polícia.
Isto podia significar várias coisas e pode merecer pesquisa adicional. Pode
ser que as comunidades prefiram responder, elas próprias, ao crime pequeno
e ir só à polícia em certas circunstâncias ou indicar falta de confiança na
instituição.
Ana Leão 79
Cooperaçao com a Comunidade
O Chimoio está presentemente a ser objecto de experiências num projecto-piloto de policiamento comunitário no bairro de Fepom. Nenhum dos
respondentes da amostra vem desta parte da cidade. Contudo, de acordo
coma polícia do Chimoio, este projecto está a ser implementado com o
apoio dos líderes da comunidade.
A última questão desta secção perguntava aos respondentes o que pensam
que o governo de Moçambique podia fazer para melhorar a segurança nas
suas comunidades. Era uma pergunta aberta, contudo a maior parte dos
respondentes referiram-se à instalação de iluminação nas ruas, criação de
emprego, melhores salários, melhoria dos recursos da polícia e melhor
patrulhamento, como acções que o governo deve executar para melhorar a
segurança pública.
Uma vez mais, parece que os respondentes estabelecem uma ligação clara
entre problemas estruturais e o crime. Também parece que os respondentes
respeitam a polícia como instituição, dado que muitas das respostas puseram
ênfase numa maior cooperação com as comunidades e muitos pedem laços
mais fortes e mais campanhas de consciencialização.
Atitudes em relação a armas de fogo
O objectivo da quarta secção do inquérito era de fazer pesquisa sobre as
atitudes populares em relação a armas de fogo; se as armas de fogo são
usadas e, também, como estão a ser usadas.
Tendo conhecimento das atitudes populares em relação a armas de fogo,
permite ao governo elaborar planos de acção e conceber campanhas de
consciencialização específicas e dirigidas.
No caso deste estudo, o objectivo principal era verificar qual a vontade que
as pessoas teriam em responder a questões relacionadas com armas de fogo.
Durante reuniões anteriores com organizações que levam a cabo a recolha
de armas de fogo, tais como a TAE, a equipa de pesquisa foi informada de
que este era um tópico sensível.
Não foi diferente no Chimoio. Era óbvio que as pessoas se sentiam
80 Portuguese Monograph 94
desconfortáveis a responder a perguntas sobre armas. Os respondentes
tinham que ser encorajados a dar respostas diferentes de ‘não sei’.
Apesar de os respondentes terem relutância em responder a perguntas tais
como “se precisar de uma arma, tem fácil acesso a ela” (pergunta 4.7),
tinham menos relutância quando questionados sobre as suas atitudes em
relação a armas de fogo. Os respondentes não hesitavam em dizer porque
gostariam ou não de ter uma arma de fogo.
A pergunta 4.12 “o que recomendaria para reduzir a disponibilidade de
armas na sua comunidade” apresentou duas respostas claras: Dar mais poder
à polícia e promover mais programas de recolha de armas. Foi então
perguntado aos respondentes se eles concordavam ou não com alguma das
alternativas e também se gostariam de acrescentar qualquer outro tipo de
iniciativa. Quase todos os respondentes acrescentaram as suas propostas para
o controle de armas. Parece que a relutância sobre este assunto está ligada à
natureza das perguntas e pode, portanto, ser ultrapassada. Mais pesquisa
sobre este assunto não devia excluir estas perguntas.
No decurso desta secção, os respondentes olhavam, por vezes, em redor para
se certificarem de que ninguém os estava a ouvir, antes de se aventurarem a
dar uma resposta.
O primeiro grupo de perguntas pretende saber qual a frequência do uso de
armas em crimes na comunidade, qual a frequência com que o respondente
ouve tiros na sua comunidade, e se comparada com anos anteriores, a
disponibilidade de armas mudou. A maior parte dos respondentes (n=21)
afirma que armas são utilizadas ‘algumas vezes’ e ‘raramente’ para cometer
crimes nas suas comunidades, e metade da amostra (n=17) respondeu que
armas de fogo eram usadas ‘raramente’ e ‘nunca’ (ver fig. 10). Isto parece
confirmar o padrão de utilização de armas notado anteriormente no
inquérito, segundo o qual a maior parte do incidentes não envolveu o uso de
armas de fogo.
fig. 10 – Frequência do uso de armas de fogo na prática de crimes
O mesmo pode ser dito em relação à pergunta seguinte sobre a frequência
de tiros na comunidade. A maior parte (n=27) afirmou ouvir tiros ‘algumas
vezes’ (n=18) e ’raramente’ (n=9) enquanto 13 respondentes afirmaram
‘raramente’ e ‘nunca’ (n=4). Estes números são também consistentes com a
impressão que a equipa teve no terreno de que armas de fogo podem não
Ana Leão 81
representar ainda um problema na criminalidade nesta área.
fig. 11 – Disponibilidade de armas de fogo
Uma clara maioria dos respondentes (n=21) afirmou que a disponibilidade
de armas tinha diminuído (fig. 11). Contudo, aproximadamente um terço da
amostra afirmou não ter havido mudança ou ter havido um aumento no
número de armas.
Aos respondentes foi perguntado o que eles consideravam como a razão
principal para a alteração da disponibilidade de armas Um sumário das
respostas é apresentado na fig. 12. Devia ser notado que as respostas podem
referir um aumento ou uma diminuição no número de armas disponíveis e
que os respondentes podiam dar mais do que uma resposta.
fig. 12 – Razão principal para a disponibilidade de armas
A Guerra e a Disponibilidade de Armas de Fogo
A maior parte dos respondentes que assinalaram uma redução na
disponibilidade de armas pareceram atribuir essa redução, principalmente a
acontecimentos relacionados com a guerra: programas de recolha de armas,
desmobilização, o fim da guerra e campanhas de consciencialização. Oito
respondentes fazem a ligação entre as armas de fogo e o crime e atribuem a
redução a esforços da polícia, com ou sem o apoio da comunidade.
Os respondentes que pensam que a disponibilidade de armas aumentou
(n=8) atribuem a mudança ao facto de que as armas recolhidas estão nas
mãos erradas e / ou a polícia é incapaz de controlar a situação. Perguntas
sobre o que os respondentes entendiam por ‘mãos erradas’ tiveram respostas
bruscas e explicaram à equipa que oficiais do exército e da polícia alugavam
a criminosos ou as suas próprias armas ou armas recolhidas depois da guerra.
Um dos respondentes atribuiu o decréscimo do número de armas ao facto de
“muitos polícias terem sido despedidos por terem vendido ou alugado as
suas armas a criminosos”.
A Origem das Armas de Fogo
A ideia inicial da equipa de pesquisa era verificar se os restos da guerra,
82 Portuguese Monograph 94
ainda em esconderijos de armas, eram considerados como sendo utilizados
em crimes. Segundo oito dos respondentes, há um maior número de armas
já recolhidas que estão a ser utilizadas em crimes. Segundo um funcionário
do Ministério do Interior de Moçambique, as armas utilizadas presentemente
no crime urbano estão a ser alugadas pelos seus legítimos donos ou estavam
escondidas em esconderijos de armas, o que parece estar de acordo com as
afirmações dos respondentes.
O Acesso às Armas de Fogo
As perguntas seguintes foram mais de natureza pessoal para tentar
estabelecer como pensavam os respondentes, como indivíduos, em relação
às armas de fogo. Aos respondentes era perguntado se conheciam alguém,
amigo ou familiar, que fosse dono de uma arma, se essa pessoa tem uma
licença para porte de armas; se o respondente tem acesso a uma arma se for
necessário, e se o respondente gostaria de ter uma arma. As perguntas foram
complementadas por uma pergunta aberta que pedia aos respondentes para
que indicassem a razão porque gostariam de ter, ou não, uma arma.
A maior parte dos respondentes afirmou que não tinha amigos nem familiares
que possuíssem armas. Nenhum dos respondentes se mostrou à vontade a
responder a este grupo de perguntas. A maioria dos respondentes afirmou
não ter acesso a uma arma de fogo e não queriam ter uma arma.
Apenas dois respondentes afirmaram ter acesso fácil a uma arma de fogo, o
que é interessante porque ambos afirmaram que não conheciam ninguém
que possuísse uma arma.
Isto parece sugerir que não há uma cultura de armas em Moçambique. Os
respondentes não pareceram pensar em armas como qualquer coisa que uma
pessoa deva ter, mas antes como algo que não é exactamente honroso ou
correcto possuir. Parece haver uma associação entre armas, guerra e
distúrbios sociais. A equipa foi surpreendida pelo facto de nenhum
respondente ter associado armas de fogo à caça, como era esperado.
Razões para a Posse de Armas de Fogo
Os respondentes que afirmaram gostar de possuir uma arma de fogo
justificaram esse desejo com razões de segurança. As razões dadas pelos
respondentes que não queriam uma arma de fogo formam três categorias:
• ter uma arma em tempo de paz nao faz sentido
• medo de ter e manusear uma arma de fogo
Ana Leão 83
• medo de vir a utilizar a arma
Catorze respondentes atribuíram o seu desejo de não possuir uma arma a
considerarem que armas trazem violência para o seio das comunidades ou
porque têm medo de poderem ser tentados a utilizá-la. Parece que os
respondentes nesta amostra sentem que armas podem ter um impacto no
comportamento de uma pessoa e no seu sentido próprio. Alguns
respondentes afirmaram que armas “trazem desobediência” e foi-lhes pedido
que explicassem a sua afirmação. Segundo eles, se temos uma arma,
sentimos o poder de fazermos mais daquilo que queremos e menos daquilo
que devemos. É mais fácil desobedecer as normas.
Um outro respondente respondeu com uma parábola sobre leões e
cordeiros, que não se pode mudar a natureza das coisas e que armas servem
para matar.
Controlo das Armas de Fogo
O conjunto seguinte de perguntas converge sobre o controlo de armas e
pergunta aos respondentes como sentem as medidas de controlo de armas
nas suas comunidades. As primeiras duas perguntas pedem a opinião dos
respondentes sobre se o controle de armas devia ser melhorado e se eles
estariam dispostos a encorajar as pessoas a entregar as suas armas, uma vez
que a segurança nas suas comunidades melhorasse (Tabela 4).
Tabela 4 – Atitudes sobre o controle de armas de fogo
Pergunta Sim Não Não sei Sem resposta
Pensa que o controle de armas
na sua área necessita de ser melhorado? 29 2 2 1
Pergunta Sim Não Não sei Sem resposta
Se a segurança na sua área melhorar
encorajará as pessoas a
entregar as armas? 32 1 1
Comunidades e Esforços de Desarmamento
De um modo geral os respondentes exprimiram a sua vontade de apoiar os
84 Portuguese Monograph 94
esforços para desarmar as comunidades. A maioria dos respondentes pensa
que o controle de armas tem que ser melhorado e está disposta a contribuir
para os esforços de desarmamento. Se a pesquisa futura confirmar esta
tendência, o governo de Moçambique parece estar numa posição muito
confortável para fortalecer os esforços de controle de armas.
Aos respondentes foram dadas duas recomendações sobre a melhoria do
controle das armas de fogo nas suas comunidades. Aos respondentes foi
pedido para escolherem qual delas preferiam e, também, se gostariam de
acrescentar mais recomendações. A tabela 5 apresenta as respostas.
Tabela 5 – Recomendações para melhorar o controle sobre armas de fogo
Recomendação Respondentes*
Dar à polícia mais poder para apreender 22
armas ilegais
Promover mais programas de recolha 13
de armas
Sem resposta 9
* Os respondentes podiam escolher ambas as recomendações.
A maior parte dos respondentes apoiam a ideia de dar à polícia mais poder
para controlar armas ilegais.As outras sugestões feitas pelos respondentes
estão de acordo com respostas dadas anteriormente. Estas incluem mais
coordenação entre a polícia e as comunidades e a promoção de uma maior
consciencialização. Os respondentes também se referiram aos problemas
estruturais da pobreza e ainda da necessidade de malhoramentos nas
condições de trabalho da polícia.
Aos respondentes foi pedida a sua opinião sobre as fontes de armas ilegais
quer em Moçambique quer no estrangeiro. A maior parte (n=20) afirmou que
as armas nas comunidades eram restos da guerra.. Contudo estas não são
necessariamente armas que se mantêm em esconderjos. Nalgumas
instâncias, os respondentes identificaram especificamente as armas que
foram capturadas durante a operação ONUMOZ mas que não foram
destruídas nessa altura.
Ana Leão 85
Percepções sobre Segurança e Armas de Fogo.
A última secção do inquérito explorou a ligação entre armas de fogo e
segurança e fez perguntas aos respondentes sobre criminalidade, armas de
fogo e programas de recolha de armas de fogo
Aos respondentes foi pedido para identificarem o que acreditavam ser
algumas das motivações para o crime no Chimoio. As suas respostas estão
sumarizadas na Tabela 6. Os respondentes podiam indicar mais de uma
razão.
Tabela 6 – Causas do crime
Razão Número
Desemprego 20
Pobreza 17
Vida fácil 8
Sem resposta 6
Uso de drogas 5
Pouca educação 5
Frustrações pessoais 4
Condições de vida difíceis 3
Exclusão 1
Juventude frustrada 1
Ódio 1
Falta de tolerância 1
Uso de drogas 1
Álcool 1
Inactividade 1
Falta de luz nas ruas 1
Falta de casas seguras. 1
A maior parte dos respondentes atribuiu o crime a problemas de natureza
estrutural (desemprego, pobreza e condições de vida difíceis).
Aos respondentes foi então feita uma série de perguntas relacionadas com as
86 Portuguese Monograph 94
armas que são mais comuns nas suas áreas. O objectivo destas perguntas era
de estabelecer um padrão, se ele existisse, da presença de armas em cada
comunidade e de identificar uma ligação possível com a situação da
criminalidade.
Fig. 13 –Armas de fogo mais comuns
Os respondentes afirmaram que havia mais armas automáticas do que
pistolas nas comunidades (Fig. 13). Nenhum respondente mencionou
caçadeiras ou espingardas , apesar da Província de Manica ser uma região
onde a caça era comum antes da guerra. A maioria dos respondentes (75%)
afirmou que a presença de armas de fogo agrava a criminalidade na
comunidade (Figura 14).
Fig. 14 – É a criminalidade na comunidade afectada negativamente pela
armas de fogo?
Às duas perguntas sobre a comparação entre a frequência do uso de armas
antes e depois das eleições, os respondentes parecem ser consistentes quanto
a um uso menos frequente de armas (Fig. 15).
Fig. 15 – Mudança na disponibilidade de armas de fogo
Esforços de Desarmamento no Pós-guerra
Aos respondentes foi perguntado onde pensavam que as armas tinham sido
entregues depois do AGP (Fig. 16). A maioria dos respondentes afirmou que
as armas de fogo entregues pela milícia foram entregues nos quartéis
militares, aparentemente seria este o procedimento apropriado.
Fig. 16 – Pontos de recolha de armas
Nenhum dos respondentes tinha participado em esforços de recolha de
armas apesar de 13 de entre eles serem suficientemente idosos para terem
sido ou soldados ou milícia. O inquérito não incluia uma pergunta directa
sobre se o respondente tinha sido, ou não, parte de um um grupo de
milícias. Nenhum respondente admitiu ter pertencido a um grupo de
milícias; pelo contrário, alguns afirmariam que não tinham servido nas
milícias.
Ana Leão 87
Aos respondentes foi perguntado por que pensavam que alguns membros da
milícia não tinham querido entregar as suas armas de fogo depois da guerra.
Onze respondentes não responderam à pergunta ou afirmaram que não
sabiam e um respondente recusou-se a responder a mais perguntas. As razões
mais frequentes atribuídas a algumas milícias para não entregarem as armas
eram o medo da guerra renovada, a necessidade de protecção e não saberem
onde as entregar.
Os respondentes mostraram-se desconfortáveis com as perguntas
subsequentes sobre esconderijos de armas e muitos deles fariam questão de
realçar que não sabiam de nenhum esconderijo em redor da sua
comunidade; ou que nunca tinham encontrado um. A maior parte da amostra
negou tanto a presença de esconderijos de armas nas suas comunidades
(n=24) como a sua participação em encontrá-los (n=19). Alguns dos
respondentes tinham ouvido falar da Operação Rachel e do programa TAE do
CCM.
Em relação à pergunta sobre como as comunidades identificam esconderijos
de armas, quase todos os respondentes responderam o mesmo: esconderijos
de armas foram encontrados quando os refugiados começaram a reinstalar-se e tiveram que desbravar terras para agricultura, ou quando procuravam
materias de construção para as suas habitações.
Dada a existência de dois programas de recolha de armas bem sucedidos em
Moçambique – a Operação Rachel e o TAE, o inquérito incluiu perguntas
sobre ambos os projectos. Apesar da maioria dos respondentes ter afirmado
que a sua comunidade não tinha cooperado com qualquer das iniciativas, 17
respondentes dariam informações sobre esconderijos de armas ao TAE,
enquanto 18 prestariam informações à polícia.
Lições Aprendidas e Recomendações para Pesquisa Futura
A conclusão mais importante deste inquérito foi o engajamento dos
respondentes em completarem o questionário, mesmo quando as perguntas
começaram a ser desconfortáveis. As pessoas mostraram relutância em
responder a algumas perguntas e é duvidoso que tenham sido francas em
algumas das respostas, mas isto não devia impedir mais exercícios de
pesquisa.
O achado principal deste inquérito é que este tipo de pesquisa é
88 Portuguese Monograph 94
possível em Moçambique - as pessoas compreendem as perguntas e,
apesar de alguma relutância, aspessoas respondem e participam.
Muitos respondentes, no fim do inquérito, disseram aos
entrevistadores quanto tinham gostado de ser entrevistados e pediram
à equipa que passasse as preocupações da população àqueles que
lhes poderiam dar respostas.
Contudo este capítulo também levanta várias questões para pesquisa futura e
faz algumas recomendações.
A pesquisa em Moçambique devia, de preferência, ser estendida a pelo
menos uma Província fora de Maputo. Como afirmado anteriormente, a
pesquisa baseada apenas na cidade capital pode apresentar tendências e
padrões não comuns ao resto do país. Um dos principais objectivos da
pesquisa é fornecer às instituições, informação que lhes permitam conceber
e implementar planos de acção e estratégias. Como tal, os dados recolhidos
em Maputo deviam ser verificados contra os dados recolhidos a nível
provincial.
Existe a necessidade de se saber exactamente que tipos de crime estão a ser
cometidos nestas comunidades e a dimensão da falta de comunicação.
Estatíscas que não incluam estas duas dimensões podem estar a apresentar
uma imagem distorcida da situação. Planos de acção e estratégias baseadas
nesta imagem distorcida podem tornar-se difíceis de implementar ou de não
dar os reultados esperados. Isto pode dar lugar a mais frustrações tanto na
população que não se apercebe de melhorias, como nas forças de polícia,
que não vêem os seus esforços recompensados, façam o que fizerem.
Este relatório sugere que deve haver uma ligação entre os problemas
estruturais e o crime em Moçambique. Ao compreenderem-se as motivações
do crime é depois importante conceber planos de acção e fornecer os
recursos. Pode também apontar-se para situações que requerem um modo
de agir mais global, envolvendo recursos e estratégias provenientes de mais
do que um ministério. O crime e a segurança não deviam ser dissociados do
ambiente social e económic existente, e as medidas para controle da
criminalidade podem também vir de sectores que não da polícia ou do
Ministério do Interior.
Algumas circunstâncias parece serem peculiares a Moçambique e deviam ser
tomadas em consideração ao conceber mais projectos de pesquisa. Ao
definir a amostra da população, deveria haver o cuidado de apreciar o facto
Ana Leão 89
de alguns agregados familiares Moçambicanos serem chefiados por crianças
ou jovens. Questões, incluindo comparações, deviam incluir a referência ao
tamanho, quantidade ou tempo. Conceitos como tipos de crime, violência e
crime deviam ser cuidadosamente definidos, tendo em consideração as
décadas de violência histórica..
Uma outra percepção que emergiu neste inquérito é a suspeita de corrupção
no seio da polícia. Isto não é novo e o Ministério do Interior está ao corrente
das percepções. Muitos esforços foram feitos em Moçambique para
elinminar a corrupção e muitas instituições mostram sinais de
melhoramentos visíveis.
Nenhum destes problemas é novo em Moçambique nem é exclusivo deste
país. Governos de todo o mundo enfrentaram ou ainda enfrentam problemas
semelhantes.
Mais do que qualquer outra coisa, este pequeno inquérito ilustrou como a
pesquisa pode fornecer informação que pode ser depois formulada em
planos de acção e maneiras de actuar para os governos. O Ministério do
Interior reconhece a importância da pesquisa e pode beneficiar, através do
envolvimento com outros ministérios, realizando pesquisa adicional e
propostas de pesquisa em áreas de particular relevância para o Ministério, o
que o auxiliará a realizar o seu trabalho.
Notas
1. Entrevista pessoal.
2. Fonte: website do INE.
3. Fonte: website do INE.
4. Inquéritos de casa em casa efectuados durante as horas de trabalho,
por exemplo, correm o risco de coincidir principalmente nas donas de
casa , pois é mais provável que durante este período, elas sejam os
ocupantes das casas.
5. T Legget, Arrendamento Arco-íÍris, Crime e Policiamento no interior de
Johannesburg, ISS, Monografia 78, 2003.
6. Entrevista pessoal em 11.2.2003 em Maputo.
7. A arma de fogo utilizada para assassinar Carlos Cardoso nunca foi
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encontrada e suspeita-se que possa pertencer aos armazéns da polícia.
Ver o relatório mais recente publicado pela PROPAZ, uma ONG
Moçambicana que trata da re-integração social de antigos combatentes.
Alex Vines, na op.ci. também se refere ao facto de que soldados
desmobilizados não estão mais envolvidos na criminalidade do que outros
grupos sociais. Entrevistas com muitos Moçambicanos exprimiram a mesma
opinião.
Ana Leão 91

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