quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O dia em que Moçambique derrotou a Argentina

O dia em que Moçambique derrotou a Argentina

Retorno de uma semana na África e não posso deixar de partilhar com o leitor o que percebi nessa viagem: Moçambique definitivamente derrotou a Argentina no campeonato do desenvolvimento.
Explico: o populismo peronista, em sua versão kircheneriana, esmera-se em constranger e expropriar o investimento externo, como se o país pudesse dele prescindir para custear, com recursos internos, sua formação de capital. O caso Repsol YPF, objeto de comentários recentes nesse espaço, é emblemático, embora não seja único.
Os governos dos Kirchner esmeraram-se em fustigar o capital, esquecendo-se de que não há crescimento econômico sem divisão do trabalho e aumento da produtividade – ambos dependentes do aumento do estoque de capital por trabalhador. Tampouco deixou de punir as atividades em que a Argentina tinha e tem notórias vantagens comparativas. Para ficar com um só exemplo, o duelo entre a senhora presidente Cristina Kirchner e o setor rural do país deixou às claras essa política e seus efeitos deletérios sobre o crescimento argentino.
Moçambique tomou a direção oposta. Preferiu acolher o capital estrangeiro para suprir a falta de poupança interna necessária para acelerar o desenvolvimento e tirar a população da pobreza. Em Moçambique, como na Argentina, existem enormes reservas de recursos naturais. Ocorre que recursos naturais enterrados no solo não são riqueza; tornam-se riqueza à medida que são extraídos, em que empregos são gerados na sua extração, salários e rendimentos são pagos, impostos são recolhidos.
A Argentina foi no passado um grande produtor e exportador de petróleo e gás. Mas os demagógicos controles de preços e a interferência estatal na exploração dos recursos desincentivaram os investimentos e, em última instância, prejudicaram os consumidores – pois não há produto mais caro do que aquele que não está disponível.
Hoje, a Argentina depende da importação de gás da Bolívia e não mais atende ao vizinho Chile com as exportações que realizava no passado. De igual forma, por repetir os mesmos erros do peronismo, não tem recursos para a exploração das grandes reservas de petróleo do sul do país.
Moçambique fez diferente. Rica em recursos naturais e pobre em poupança interna, acolheu o capital estrangeiro na transformação de reservas em riquezas. O país é rico em energéticos, como petróleo e gás. No caso da exploração de petróleo, estão em vigor 12 contratos de concessão e sete companhias operam em duas das seis bacias sedimentares de Moçambique. Lá estão a DNO ASA e Norsk Hydro (Noruega), ENI (Itália), Petronas (Malásia), Artumas (Canadá), Andarko Petroleum Corporation (EUA) e Sasol/Petro SA (África do Sul).
Quanto ao gás, a Empresa Nacional de Hidrocarbonos (ENH), em parceria com a petrolífera Sasol, exploram os campos de Pande e Temane. A parceria construiu um gasoduto de 865 quilômetros de extensão, ligando a área de produção em Moçambique ao complexo petroquímico de Sasolburg, na África do Sul. Diversas empresas estrangeiras estão realizando pesquisas sísmicas, entre elas a British American National Gas, a ENI, a DNO ASA e a Anadarko.
Além do petróleo e do gás, há três megaprojetos de investimentos na exploração das reservas de carvão moçambicano. A brasileira Vale do Rio Doce já investiu US$ 2 bilhões em Moatize e deverá investir outro tanto para completar o projeto. Ali, emprega oito mil trabalhadores; quando o projeto estiver completo, empregará 15 mil. Trata-se da segunda maior mina de carvão a céu aberto do mundo. A inglesa Beacon Hill está presente na província de Tete e a australiana Riversdale projeta produzir dois milhões de toneladas de carvão para exportação na província de Benga.
A produção de carvão em Moçambique já ultrapassa três milhões de toneladas e projeta-se que atingirá 20 milhões dentro de quatro anos, quando estiverem completos os investimentos em curso. Espera-se crescimento de 17% na produção este ano.
Explora-se também a tantalita, material utilizado na indústria aeroespacial, ilmenita, zircão e rútilo. Todos esses investimentos, com capital estrangeiro, estão impulsionando a economia moçambicana e gerando empregos e renda.
Leitor, a África moderna mantém distância, em seu relacionamento com o capital estrangeiro, dos modelos retrógrados da Bolívia, do Equador ou da Argentina. No campeonato do crescimento, Moçambique está ganhando desses três países.
É um exemplo importante para nós, visto que, de quando em quando, as vozes reacionárias da xenofobia e do atraso insistem em querer reviver os dogmas econômicos fracassados da década de 50 do século passado.
Roberto Fendt é economista

Sem comentários: