sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Morte de Amilcar Cabral

«Inventaram-se pretextos para a morte de Amilcar Cabral», diz Pedro Pires


O Presidente de Cabo Verde, Pedro Pires, destacado líder da luta de libertação na Guiné-Bissau e em Cabo Verde, considera que muito "foi inventado" para não se encontrarem os responsáveis pela morte de Amílcar Cabral.


"Há causas e há pretextos e há gente que inventou pretextos para não se responsabilizar pela sua morte", afirmou Pedro Pires em entrevista à Agência Lusa sobre o assassínio de Amílcar Cabral, a 20 de Janeiro de 1973, na Guiné-Conacri.

O fundador do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) completaria 80 anos a 12 de Setembro, último dia de um simpósio internacional com o seu nome, que reúne, a partir de hoje, dezenas de personalidades de todo o mundo na capital cabo-verdiana.

"O crime beneficiou a quem?", questiona-se Pedro Pires sobre a morte do principal impulsionador da guerra de libertação na então Guiné portuguesa.

"Não foram contradições internas no seio do PAIGC que estiveram na génese da morte de Cabral, como alguns pretendem fazer crer", acrescenta, contrariando algumas teses sobre a matéria que ainda hoje desperta acesa discussão tanto na Guiné como em Cabo Verde.

Segundo o Presidente, "houve muitas tentativas de matar Cabral e todas falharam até 20 de Janeiro de 1973", na capital da Guiné- Conacri.

"Depois de falhar no assalto a Conacri (a Operação Mar Verde, protagonizada pelo exército português), depois de falhar a tentativa de dividir o PAIGC dentro da Guiné, havia que atacar o lado mais fraco (à), que era a República da Guiné. E a razão está exactamente aí", entende Pedro Pires.

Numa guerra "não há bons inimigos e maus inimigos", há apenas "o" inimigo "e ponto final", prosseguiu, adiantando que "o inimigo está sempre interessado em ganhar" e, na época, "o inimigo" era o exército colonial português.

No PAIGC, insiste, "houve sempre o respeito pela dignidade do homem, logo também do inimigo, e muitos, no PAIGC não entendem até hoje essa linha de conduta. É neste contexto que se deve analisar a morte de Cabral, sempre no contexto de uma guerra".

"A Guiné era o palco da luta mais avançada nas ex-colónias portuguesas, era preciso travá-la, e apareceu como método para isso, para travar esse avanço na luta, cortar a cabeça ao seu pilar mais forte", o líder histórico do PAIGC, Amílcar Cabral.

Profundo conhecedor do processo histórico da independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde, Pedro Pires, fala ainda sobre a importância do pensamento de Amílcar Cabral para a resolução dos principais problemas nos dois países.

"Na abordagem que Cabral faz da luta de libertação nacional, há muito de útil para Cabo Verde e para a Guiné-Bissau, mas também para a África no seu todo", adianta, lembrando, no entanto, que, como o próprio dizia, "era preciso ter em conta a forma de aplicar as ideias, porque a realidade varia na geografia e no tempo".

"Nenhum pensamento pode abarcar toda a realidade e não há ideias puras, as ideias são sempre enriquecidas com a prática e a experiência individual e colectiva", insiste.

Sobre os processos de evolução em Cabo Verde e Guiné-Bissau - o primeiro com índices de desenvolvimento considerados exemplares e uma democracia sólida, ao contrário do segundo, marcado por sucessivos golpes de Estado - Pedro Pires mostra-se prudente, indicando que não quer "correr o risco de ser mal interpretado".

Mas, admite: "é uma matéria que deve ser discutida para se encontrarem as causas", nomeadamente nos escritos de Cabral, "onde existem várias referências para as razões que levaram a que os processos fossem tão díspares nos dois países".

É "um desafio estimulante procurar trabalhar por essa via, encontrar as causas e as razões que levaram a que os dois países, que têm Cabral como grande referência, tivessem e tenham realidades tão distintas".

E deixa a promessa: "Antes da minha morte, gostaria que muitas coisas ficassem clarificadas e vou fazê-lo".

Sobre o II Simpósio Internacional Amílcar Cabral que hoje começou na Cidade da Praia, em que participam personalidades como o Presidente moçambicano, Joaquim Chissano, ou os ex-presidentes português Mário Soares e argelino Ahmed Bem Bella entre mais de 100 convidados e conferencistas, Pedro Pires deixa algumas ideias.

O simpósio tem no pensamento de Cabral a sua linha mestra, com ênfase para uma das suas frases mais célebres dirigida ao continente africano: "Pensar pelas nossas próprias cabeças".

"Há que adaptar as ideias e as perspectivas, e África não está fora desta lógica, por isso devemos todos os dias apreender melhor a sua realidade e as transformações que ocorrem no continente e assim perspectivar o seu desenvolvimento e o seu futuro", disse.

"Uma coisa é aceitar as receitas de fora, outra é ter um pensamento próprio, mas não pode haver uma prevalência do pensamento próprio, tem sim que haver uma inter-penetração do nosso pensamento no pensamento global", acrescentou.

O Chefe de Estado cabo-verdiano admite que "houve falhas no processo histórico africano", mas lembra que é preciso ter em conta igualmente que "o mundo está cheio de aberrações, há falhas em todas as latitudes".

"África, depois das independências, tem uma história de grande complexidade e de muitos problemas, mas devemos procurar as causas e procurar ultrapassá-las", sublinha.

"Ter um pensamento próprio, como preconizava Amílcar Cabral, é não transportar para nossa casa o pensamento e as ideias dos outros sem ter em conta as nossas próprias idiossincrasias".

"A tendência é, muitas vezes, aplicar a receita dos outros, as ideias da moda sem ter em conta as especificidades de cada país, de cada realidade social", disse ainda, advertindo: "Quando se aplicam as ideias dos outros sem esses cuidados, os resultados não podem ser bons".

Pedro Pires, um dos mais destacados comandantes da luta armada pela independência na então Guiné-Portuguesa, ocupou o cargo de primeiro-ministro de Cabo Verde de 1975 a 1990, sendo reeleito em Fevereiro de 2002.

Actualmente, é o único dirigente do PAIGC de Amílcar Cabral a ocupar um alto cargo de Estado nos dois países que reconhecem no fundador do PAIGC o "pai" da nacionalidade.
Fonte: www.noticiaslusofonas

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