«Inventaram-se pretextos para
a morte de Amilcar Cabral», diz Pedro Pires
O Presidente de
Cabo Verde, Pedro Pires, destacado líder da luta de libertação na Guiné-Bissau e
em Cabo Verde, considera que muito "foi inventado" para não se encontrarem os
responsáveis pela morte de Amílcar Cabral.
"Há causas e há pretextos
e há gente que inventou pretextos para não se responsabilizar pela sua morte",
afirmou Pedro Pires em entrevista à Agência Lusa sobre o assassínio de Amílcar
Cabral, a 20 de Janeiro de 1973, na Guiné-Conacri.
O fundador do Partido
Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) completaria 80 anos a 12
de Setembro, último dia de um simpósio internacional com o seu nome, que reúne,
a partir de hoje, dezenas de personalidades de todo o mundo na capital
cabo-verdiana.
"O crime beneficiou a quem?", questiona-se Pedro Pires
sobre a morte do principal impulsionador da guerra de libertação na então Guiné
portuguesa.
"Não foram contradições internas no seio do PAIGC que
estiveram na génese da morte de Cabral, como alguns pretendem fazer crer",
acrescenta, contrariando algumas teses sobre a matéria que ainda hoje desperta
acesa discussão tanto na Guiné como em Cabo Verde.
Segundo o Presidente,
"houve muitas tentativas de matar Cabral e todas falharam até 20 de Janeiro de
1973", na capital da Guiné- Conacri.
"Depois de falhar no assalto a
Conacri (a Operação Mar Verde, protagonizada pelo exército português), depois de
falhar a tentativa de dividir o PAIGC dentro da Guiné, havia que atacar o lado
mais fraco (à), que era a República da Guiné. E a razão está exactamente aí",
entende Pedro Pires.
Numa guerra "não há bons inimigos e maus inimigos",
há apenas "o" inimigo "e ponto final", prosseguiu, adiantando que "o inimigo
está sempre interessado em ganhar" e, na época, "o inimigo" era o exército
colonial português.
No PAIGC, insiste, "houve sempre o respeito pela
dignidade do homem, logo também do inimigo, e muitos, no PAIGC não entendem até
hoje essa linha de conduta. É neste contexto que se deve analisar a morte de
Cabral, sempre no contexto de uma guerra".
"A Guiné era o palco da luta
mais avançada nas ex-colónias portuguesas, era preciso travá-la, e apareceu como
método para isso, para travar esse avanço na luta, cortar a cabeça ao seu pilar
mais forte", o líder histórico do PAIGC, Amílcar Cabral.
Profundo
conhecedor do processo histórico da independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde,
Pedro Pires, fala ainda sobre a importância do pensamento de Amílcar Cabral para
a resolução dos principais problemas nos dois países.
"Na abordagem que
Cabral faz da luta de libertação nacional, há muito de útil para Cabo Verde e
para a Guiné-Bissau, mas também para a África no seu todo", adianta, lembrando,
no entanto, que, como o próprio dizia, "era preciso ter em conta a forma de
aplicar as ideias, porque a realidade varia na geografia e no tempo".
"Nenhum pensamento pode abarcar toda a realidade e não há ideias puras,
as ideias são sempre enriquecidas com a prática e a experiência individual e
colectiva", insiste.
Sobre os processos de evolução em Cabo Verde e
Guiné-Bissau - o primeiro com índices de desenvolvimento considerados exemplares
e uma democracia sólida, ao contrário do segundo, marcado por sucessivos golpes
de Estado - Pedro Pires mostra-se prudente, indicando que não quer "correr o
risco de ser mal interpretado".
Mas, admite: "é uma matéria que deve ser
discutida para se encontrarem as causas", nomeadamente nos escritos de Cabral,
"onde existem várias referências para as razões que levaram a que os processos
fossem tão díspares nos dois países".
É "um desafio estimulante procurar
trabalhar por essa via, encontrar as causas e as razões que levaram a que os
dois países, que têm Cabral como grande referência, tivessem e tenham realidades
tão distintas".
E deixa a promessa: "Antes da minha morte, gostaria que
muitas coisas ficassem clarificadas e vou fazê-lo".
Sobre o II Simpósio
Internacional Amílcar Cabral que hoje começou na Cidade da Praia, em que
participam personalidades como o Presidente moçambicano, Joaquim Chissano, ou os
ex-presidentes português Mário Soares e argelino Ahmed Bem Bella entre mais de
100 convidados e conferencistas, Pedro Pires deixa algumas ideias.
O
simpósio tem no pensamento de Cabral a sua linha mestra, com ênfase para uma das
suas frases mais célebres dirigida ao continente africano: "Pensar pelas nossas
próprias cabeças".
"Há que adaptar as ideias e as perspectivas, e África
não está fora desta lógica, por isso devemos todos os dias apreender melhor a
sua realidade e as transformações que ocorrem no continente e assim perspectivar
o seu desenvolvimento e o seu futuro", disse.
"Uma coisa é aceitar as
receitas de fora, outra é ter um pensamento próprio, mas não pode haver uma
prevalência do pensamento próprio, tem sim que haver uma inter-penetração do
nosso pensamento no pensamento global", acrescentou.
O Chefe de Estado
cabo-verdiano admite que "houve falhas no processo histórico africano", mas
lembra que é preciso ter em conta igualmente que "o mundo está cheio de
aberrações, há falhas em todas as latitudes".
"África, depois das
independências, tem uma história de grande complexidade e de muitos problemas,
mas devemos procurar as causas e procurar ultrapassá-las", sublinha.
"Ter um pensamento próprio, como preconizava Amílcar Cabral, é não
transportar para nossa casa o pensamento e as ideias dos outros sem ter em conta
as nossas próprias idiossincrasias".
"A tendência é, muitas vezes,
aplicar a receita dos outros, as ideias da moda sem ter em conta as
especificidades de cada país, de cada realidade social", disse ainda,
advertindo: "Quando se aplicam as ideias dos outros sem esses cuidados, os
resultados não podem ser bons".
Pedro Pires, um dos mais destacados
comandantes da luta armada pela independência na então Guiné-Portuguesa, ocupou
o cargo de primeiro-ministro de Cabo Verde de 1975 a 1990, sendo reeleito em
Fevereiro de 2002.
Actualmente, é o único dirigente do PAIGC de Amílcar
Cabral a ocupar um alto cargo de Estado nos dois países que reconhecem no
fundador do PAIGC o "pai" da nacionalidade.
Fonte: www.noticiaslusofonas
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