Fechamos o ano debatendo um texto do Tadeu Phiri aqui (um debate que será retomado no sentido sugerido pelos 3 últimos comentários). Para desejar "boas entradas" a 2010 na melhor que o Phiri de novo com novo tema que deve merecer nosso crivo aqui.
Porque é que, com o tempo, as vontades mudam tão
radicalmente?
Machado Da Graça, Um Messias
Contra Os Seus Jovens Discípulos
Tem sido pois com espanto e
fascínio que tenho acompanhado o alinhamento actual deste prestigiado jornalista
com fenómenos que outrora combateu com denodo. Num dos seus últimos escritos
revolta-se contra jovens que cresceram a ouvi-lo e que hoje se posicionam contra
as tentativas do chamado G-19 de humilhar o nosso país. Jovens que não concordam
que um qualquer Todd Chapman esteja mais interessado em combater a miséria que
afecta o nosso país do que os próprios moçambicanos. Jovens que se opõem a
qualquer forma de relacionamento baseada em ultimatos do género
“se o governo não melhora os
indicadores de redução da pobreza até Março, cortamos a ajuda. Se o governo não
altera a lei eleitoral até Março, cortamos a ajuda. Se o governo não melhora os
indicadores de luta contra a corrupção até Março, cortamos a
ajuda.”
Machado da Graça designa de patrioteiros esses jovens que cresceram a ouvi-lo a
ler proclamas patrióticas.
O digno jornalista parece
acreditar que os africanos são incapazes de construir o roteiro do seu próprio
desenvolvimento. Numa atitude salpicada de laivos de racismo ele aparece a
postular que esses jovens moçambicanos preferem chafurdar na sujeira que lhes é
típica do que “tomarem o banho que, de fora, lhes querem
impor”.
Será que acredita, este jornalista de referência, que os que nos querem dar o
tal banho limparam as suas próprias porcarias em dois tempos? Acredita este
decano do jornalismo moçambicano que esses países que hoje nos querem dar lições
eliminaram a corrupção nos seus países e alcançaram os actuais níveis de boa
governação em dois tempos?
Quanto tempo e quanto dinheiro
esses países investiram no seu sistema de justiça? Moçambique teve o mesmo tempo
e os mesmos recursos para formar juristas (que há 35 anos não existiam) e
colocá-los em todos os seus distritos e postos administrativos? Quanto tempo e
que recursos esses países despenderam para estabelecer as fundações do seu
eficiente aparelho de estado? Não se dá conta o emérito jornalista que no dia
que tivermos boa governação como a do G-19 já seremos tão desenvolvidos como
eles? Não se dá conta que no dia que tivermos um aparelho de justiça tão rápido
e eficiente como o do G-19 a investigar e a punir fraudes financeiras seremos já
um país tão desenvolvido como eles. O que estamos a dizer é que as coisas que os
actuais amigos de Machado da Graça querem que Moçambique resolva “até Março”
eles levaram séculos a construir.
E não se trata de que nos
indignemos “quando eles (a tal comunidade internacional) nos pedem
contas sobre como esse dinheiro é gasto...” como se alega por aí. Somos
favoráveis a que se façam auditorias regulares para se aferir se os
procedimentos financeiros e de procurenment PREVIAMENTE acordados estão a ser
cumpridos. Para aferir se os objectivos e indicadores de desenvolvimento
PREVIAMENTE estabelecidos estão a ser cumpridos. Opomo-nos, isso sim, a que um
qualquer encarregado de negócios sonhe com um vago e confuso princípio de
inclusão e, no dia seguinte, queira impô-lo, na forma de chantagem, ao nosso
Governo. Opomo-nos a que cada diplomata estabeleça a sua própria definição de
boa governação, as suas percepções sobre a corrupção no país, o seu conceito
unilateral de democracia e, na base dessas conclusões subjectivas, se queira
humilhar todo um país. Na verdade, os critérios de avaliação da eficácia da
cooperação DEVEM ser acordados previamente por ambas as partes. Não devem
resultar de improvisações, sonhos ou alucinações duma das
partes.
Deixem o nosso país seguir o
seu próprio caminho para o progresso. O Governo que está a ser chantageado no
fim do seu mandato aprofundou a visão deste país para o desenvolvimento. Uma das
vias é a que causa úlceras gástricas ao G-19 e ao ilustre jornalista: os 7
milhões. O jornalista outrora admirado por meu pai diz num dos seus últimos
textos que os G-19 estão “preocupados por o seu dinheiro estar a servir para
reforçar a presença da Frelimo nos distritos, através dos chamados 7 milhões...
” Este grande jornalista ignora
o facto de que esta iniciativa deu a todos os nossos distritos recursos para
financiarem a produção de mais comida, gerarem mais postos de trabalho e criou a
facilidade para que indivíduos de extractos sociais humildes, que de outro modo
não teriam como financiar as suas iniciativas económicas, tivessem a
possibilidade de serem actores reais na vida económica do país. Mais do que
ultimatos, as bases para a boa governação e para a redução substancial da
pobreza provirão da multiplicação de iniciativas como
esta.
Porque é que Machado da Graça e
outros como ele passaram de inimigos da tutelagem estrangeira a amigos de banhos
dados aos africanos por potências estrangeiras? Esta é uma questão de difícil
resposta. Uma das chaves de resposta é-nos dada pelo próprio quando sugere que
eu e outros que nos posicionamos contra a tutelagem externa fazemo-lo para
“mostrar serviço para que as
manjedouras continuem cheias com os saborosos restos do banquete dos
poderosos”.
Podemos presumir desta clave que nos é dada pelo prestigiado jornalista, que nos
tempos em que se assumia como arauto da moçambicanidade as manjedouras andavam
cheias “com saborosos restos do banquete dos poderosos”.
Deixaram de estar cheias ou ele
e outros seus semelhantes passaram a querer mais? Confesso que não sei. Ele e os
seus amigos poderiam elucidar-nos. Uma outra explicação para a mudança pode
radicar na probabilidade de Machado da Graça e seus iguais terem percebido que o
estar contra compensa. Ele e os seus iguais podem ter percebido que, como grupo
com características específicas em termos de trajectória política e social,
poderiam ter melhores manjedouras se virassem as casacas. Só que ficaram muito
amargos e rancorosos.
Os tempos, porém, mudaram.
Muitos de nós que hoje nos posicionamos no debate público estamos na academia,
estamos na consultoria, estamos nas organizações internacionais, estamos na
magistratura. As regras da nossa progressão estão claramente estatuídas. Podemos
prever com clareza o que precisamos de fazer para chegarmos a catedráticos ou a
juízes de primeira. Não há como nos frustrarmos e ficarmos amargos. E,
sobretudo, vivemos do nosso esforço e não de oportunismos de circunstância
determinados por manjedouras como a do G-19, para as quais o referido jornalista
está agora com os olhos virados.
Adenda: "Os Nossos Compatriotas Zangados" foi o título de
uma série que, Elísio Macamo fez publicar no Jornal "Notícias" em tempos que,
pelo seu interesse para o debate que temos tido aqui, Gonçalves Matsinhe publica
no seu blog AQUI,
depois que o primeiro número dessa série foi publicado também AQUI.
Adenda 2: O José põe "Machado da Graça Na Berlinda"
aqui.
Adenda 3: Matsinhe postou o nº 2
da saga dos nossos compatriotas zangados aqui
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