terça-feira, 16 de outubro de 2012

Lei e tradição prejudicam crianças órfãs e viúvas moçambicanas no acesso às heranças

Sob pressão de frio e ameaça de chuva, Lucília Deniasse, 13 anos, encolhe-se numa capulana, enquanto vende molhos de lenha, o seu único recurso de sobrevivência, no mercado Macombe, na vila de Catandica, Barué, centro de Moçambique.

"Depois que perdi os meus pais, saímos da casa porque o meu tio a alugou para gerar dinheiro e nos sustentar. Mas temos passado fome e vendemos lenha para comprar comida e comprar cadernos. Ele vendeu cadeiras e não vimos o dinheiro", conta à Lusa Lucília Deniasse, sustentada no ombro da irmã mais nova.
Ela é o rosto visível da estatística de 54 por cento de crianças órfãs e viúvas despojadas de herança no distrito de Barue, após morte dos seus progenitores ou chefes de famílias.
"Quando morre o dono da casa, os seus familiares vêm apoderar-se dos bens e património de herança pertencentes às viúvas e órfãs. Esta situação apoquenta-nos, embora esteja a diminuir", explicou à Lusa Júlio Luciano, chefe da repartição da Mulher e Ação Social do distrito de Barué.
Um estudo, de 2007, da organização internacional Save The Children, sobre aspetos relativos ao direito à sucessão, herança e transmissão de bens, conclui que o quadro juridico-legal e sociocultural que regem estes aspetos afeta órfãos e viúvas, tornando-os mais vulneráveis à pandemia de sida.
"Após a publicação do estudo, desenhámos um plano estratégico para revertermos a situação de perdas de heranças, ou seja, automaticamente os bens são herdados pelos órfãos e viúvas após a perda do chefe da família, e temos conseguido sucesso", disse à Lusa Jone João Francisco, gestor de projetos da Save The Children para os distritos de Barué e Guro.
O plano inclui a sensibilização e formação de líderes comunitários e pessoas influentes da população para saberem lidar com disputas de heranças nas suas comunidades e ajudar que os beneficiários diretos não sejam despojados dos bens pelos familiares do falecido.
Nos últimos quatro anos, disse, 56 crianças do distrito de Barué ganharam causas em tribunal por disputa de heranças, depois de o litígio ter sido comunicado às autoridades do bairro, que condicionaram a abertura do processo para a justiça formal.
Um dos maiores obstáculos para o acesso à herança tem sido a falta de certificados de matrimónio, por muitos estarem a viver maritalmente, e, por vezes, sem o registo dos filhos, situação que, para a Save The Children, representa "um desafio".
A Ação Social, em parceria com a Save The Children, apoia 2.475 crianças órfãs e vulneráveis em Barué, que beneficiam de formação em atividades vocacionais, nas especialidades de carpintaria, alfaiataria, entre outras, além de receberem pacotes com material escolar.
AYAC // HB
Lusa– 16.10.2012

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