quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Jorge Khálau e as armas de Nacala: Em causa segurança do país

 

Jorge_Khalau1O COMANDANTE Distrital de Nacala, enquanto elemento da Polícia da República de Moçambique (PRM), continuará a ser processado disciplinarmente até que explique as razões que o levaram a deixar entrar, ilegalmente, no país e sem avisar os seus superiores hierárquicos um lote de armas de fogo de grande, tendo cobrado avultadas somas monetárias em dinheiro para o seu armazenamento, facto que pôs em causa a segurança do país.
Maputo, Quinta-Feira, 17 de Maio de 2012:: Notícias
Esta garantia foi dada ao nosso Jornal por Jorge Henrique da Costa Khalau, Comandante-Geral da Polícia, no meio da entrevista-balanço por ocasião da passagem dos 37 anos da criação da Polícia da República de Moçambique, que hoje se assinala.
Nesta entrevista, Jorge Khálau explica o sentido das suas afirmações quando falou do Sistema Judiciário, ressalvando que “nunca desobedeceu a nenhum juiz” e que, como qualquer cidadão, respeita as leis vigentes na República de Moçambique.
Embora a entrevista tenha servido para fazer o balanço da trajectória percorrida pelos homens da lei e ordem nos 37 anos de existência, onde, fora de alguns percalços, o destaque vai para os avanços conseguidos na garantia da ordem e tranquilidade públicas, assim como desafios para o futuro. Ao Comandante-Geral da Polícia a primeira questão colocada sobre o “caso armas de Nacala” foi a seguinte:
NOTÍCIAS (Not) – Tem sido criticado pelas declarações proferidas em torno do “caso armas de Nacala”. Mantém ou altera a sua determinação em punir o comandante de Nacala pelas infracções cometidas?
JORGE KHÁLAU (JK) – Continuo a dizer que não vou recuar no combate à criminalidade, que é para proporcionar a ordem pública a todos. De igual modo, vamos combater a indisciplina dentro da corporação porque uma Polícia sem ordem torna-se um verdadeiro caos. Torna-se uma Polícia onde cada um faz o que quer. Mesmo vocês – jornalistas vão começar a falar e escrever que há polícias que abandonaram os seus postos de trabalho porque não há ordem dentro da instituição. Portanto, enquanto eu for Comandante-Geral da Polícia continuarei a combater energicamente a indisciplina, mesmo que isso venha a doer a algumas pessoas. As pessoas podem falar e escrever o que quiserem, mas nunca me desviarei da minha tarefa, para a qual fui nomeado, que é de cumprir com a missão de garantir a ordem e segurança aos cidadãos. Não vou deixar as coisas andarem tortas como alguns querem.
NOT – Que procedimentos internos decorrem contra o comandante de Nacala?
JK – Ele recebeu as armas e tem de nos dizer qual era o seu destino. Até aqui não sabemos qual era o seu destino e finalidade. Porque não sabemos, temos de ouvi-lo para nos esclarecer. É uma questão de segurança. Isso está claro e não se discute. O comandante tinha de nos explicar como e em que circunstâncias recebeu aquele armamento. Não são armas quaisquer. São de grande calibre. E não só. Ele mesmo cobrou muito dinheiro e não comunicou a nenhum dos seus superiores hierárquicos. Portanto, as pessoas deixam de falar da ilegalidade cometida por ele na recepção e armazenamento das armas, deixam de olhar para questões de soberania que foram postas em causa, para se falar de outras coisas.
Not – (…) Mas o que está sendo focalizado é o facto de o Senhor Comandante-Geral ter dito que “não obedecia a nenhum juiz”.
JK – Eu não desobedeci a nenhum juiz. Respeito as leis vigentes na República de Moçambique, mas não vou deixar de cumprir com a minha tarefa de combater os criminosos. O que estou a dizer é que o comandante tem de ser ouvido em processo disciplinar dentro da PRM onde ele é membro. Todas as corporações no mundo, todas as forças de segurança no planeta têm o seu regulamento interno. É daí que, por termos um regulamento interno, o comandante de Nacala deve-nos explicações. Ele deve responder em processo interno pelo facto de ter deixado entrar armas no nosso país sem avisar a nenhum dos seus chefes. É interessante que estas armas entram num momento em que acabávamos de ter uma situação em Nampula, no dia 8 de Março. Obviamente que não podíamos deixar as coisas assim, como se nada estivesse a acontecer. Portanto, continuaremos a processar disciplinarmente o nosso elemento por ter deixado entrar armas e cobrado dinheiro ilegalmente sem nunca ter avisado os seus chefes. Isso chama-se corrupção. E veja que estou a ser combatido por combater a corrupção dentro da corporação envolvendo os meus subordinados. Isso é correcto? Os nossos agentes iam ser detidos para responder em processo disciplinar no âmbito do combate à corrupção dentro da Polícia. Para além dos criminosos, vou combater os indisciplinados. Vacilar nessa matéria dá azo a anarquia.
Not – Os indisciplinados a que se refere já foram identificados?
JK – É um processo contínuo. Eu sei que os indisciplinados estão neste momento satisfeitos e a baterem palmas pelo que está a acontecer, tudo porque não gostam de ser controlados dentro da corporação. Querem continuar na impunidade, a cometer indisciplina e a comer com os criminosos porque isso para eles é normal. Mas tudo isso não me interessa. Vou continuar a combatê-los até ao último instante. Para a defesa da tranquilidade estou pronto para tudo. Se for possível entrego a minha própria vida na defesa da tranquilidade. Darei tudo de mim para não deixar os criminosos e os indisciplinados fazerem o que bem lhes apetece. Até ao último dia das minhas funções vou continuar a ser exigente no combate ao crime, doa a quem doer.

Preocupa-nos soltura de criminosos por via de cauções

Maputo, Quinta-Feira, 17 de Maio de 2012:: Notícias
NOT – A Polícia encontra alguma justificação para a ocorrência nos últimos tempos de um número elevado de casos criminais?
JK – Primeiro explicar que os assaltos que nos últimos dias ocorreram na Matola, particularmente na casa dos padres e na empresa dos chineses, foram esclarecidos. Temos cerca de 20 pessoas detidas e a responder em processos. Agora, o importante é que esses casos devem ser julgados. Os nossos parceiros da Justiça devem julgar esses criminosos. A Polícia prende, instaura o processo e o Ministério Público acusa e remete ao tribunal. No lugar de serem julgados são caucionados e voltam à rua onde cometem novos assaltos, sem que o caso anterior esteja encerrado. E a população quando olha para estes casos não vê outro culpado se não a Polícia, pois somos nós que prendemos e, por via disso, julgam que somos nós, também, que soltamos. Temos de rever a aplicação da caução. De forma serena temos de repensar nessa teoria de que não há crimes incaucionáveis, pois isto está a criar-nos muitos problemas. É preciso que os nossos parceiros da Justiça (juízes) se esforcem do mesmo modo que temos feito em parceria com a população na captura dos criminosos. É preciso julgar e penalizar os malfeitores. É lamentável o que está a acontecer, uma vez que nós prendemos e, de seguida, o criminoso é caucionado, para novamente voltarmos a prendê-lo e uma vez mais ser caucionado, assim sucessivamente. Isto passou a ser uma rotina e nunca os criminosos são julgados ou os seus processos chegam ao fim.
NOT – E a Polícia é informada quando os criminosos são caucionados?
JK – Muitas vezes não somos informados. Só acompanhamos reclamações da população de que este ou aquele malfeitor foi solto mediante caução. Mas mesmo que nos informem o que iremos fazer? Temos de esperar que ele cometa outro crime para voltar a prendê-lo. E quando ele sai volta ao mundo da gatunagem. Temos de ser sérios. O combate à criminalidade tem de envolver a todos nós. Todos devemos nos sentir parte deste processo, e não deixar apenas a Polícia. A justiça e os cidadãos devem sentir-se parte deste processo. Mesmo com estas adversidades, continuaremos a combater eficazmente o crime, facto que irá dignificar ainda mais a nossa actividade ao longo destes 37 anos de existência.
NOT – Alguma vez a Polícia fez um trabalho no sentido de identificar os tribunais ou juízes que mais soltam estes criminosos?
JK – Não são todos, mas sim alguns. Mas quem tem de identificá-los devem ser os cidadãos, as vítimas destes malfeitores. Eles é que são os maiores lesados desta situação, pois se os detidos não são julgados nunca se sentirão satisfeitos e ressarcidos da acção criminosa. Cada um tem de cumprir com a sua missão, e a Polícia tem estado a fazer a sua parte. Tem de existir uma consciência para levar os criminosos a responder pelos seus actos e repor a ordem no país.

Morte de polícias revolta-me

Maputo, Quinta-Feira, 17 de Maio de 2012:: Notícias
NOT – Ao longo dos 37 anos de existência da Polícia o que mais lhe marcou?
JK – Foram muitas coisas, visto que quase diariamente aparecem coisas novas. Desde os resultados conjuntos que fomos obtendo no combate ao crime até a formação de quadros. Hoje temos quadros superiores até nos distritos. Mas a avalanche da criminalidade violenta que vivemos há pouco tempo marcou-me pela negativa. Foi chocante ver colegas serem assassinados não só à luz do dia, mas também em pleno tempo de paz. Não foram polícias quaisquer. Foram quadros superiores, incluindo um director da ordem, todos assassinados. Chocante foi, também, o facto de ver bancos, instituições financeiras e empresas serem assaltadas à luz do dia e, nalguns casos, com vítimas mortais. Criou-me revolta perder colegas e bons polícias que estavam ao serviço da pátria. Isso revoltou-me bastante. O lado positivo da nossa actuação foi quando tomámos as rédeas do comando. A coesão entre os colegas e a minha direcção permitiu-nos estancar esta situação. Vamos manter esse espírito de trabalho para o bem da segurança deste país.
NOT – (…) E está satisfeito com o desempenho dos seus homens?
JK – Eu nunca estou satisfeito. Quero mais e eu sei que os meus homens são capazes de dar mais. A minha satisfação tem a ver com o esforço que eles estão a demonstrar mas quero mais produtividade para que tenhamos uma ordem pública melhor que a actual. Quero uma tranquilidade efectiva. Temos de eliminar os focos de criminalidade violenta que ainda persistem.
NOT – Depois da morte dos cadastrados Agostinho Chaúque, Mandonga, Todinho e outros tantos perigosos, contra quem a Polícia direcciona as suas atenções actualmente?
JK – Essa pergunta é difícil de responder. Esses é que eram os principais criminosos. Os que ficaram são malfeitores comuns e um a um serão apanhados. A Polícia está numa posição ofensiva e os criminosos na defensiva. Eu não estou a dizer que não há assaltos. Há sim. Mas, também, nós estamos a controlar. Exemplos disso são os mais de 20 criminosos detidos em resultados dos últimos assaltos na Matola. Mas respondendo a sua questão específica sobre um eventual criminoso que a Polícia esteja preocupada com ele, não posso apontar nomes, porque, de uma maneira geral, estamos preocupados com os criminosos. A nossa aposta continua a ser a de garantir que não haja assaltos violentos como os que aconteciam à luz do dia, onde de manhã era assaltado um banco e à tarde outro. É positivo termos controlado esta situação e empenharmo-nos ainda mais na garantia da ordem.
NOT – E a questão da imigração ilegal, qual é o ponto de situação?
JK – Já foi crítica, mas agora está normalizada. Foi mais preocupante o ano passado, mas de momento conseguimos estancar. Agora, quando aparecem ilegais de avião mandamos voltar no mesmo voo. Não digo que já não entram, mas já não tanto como vinha acontecendo, sobretudo a partir do norte do país.

PT já recusa subornos

Maputo, Quinta-Feira, 17 de Maio de 2012:: Notícias
NOT – O combate à corrupção é uma luta que vem sendo travada há anos. Estudos recentes voltaram a colocar as forças policiais no topo da corrupção no país. Em que níveis realmente este mal assola a corporação?
JK – Esforços para o seu combate não baixaram, pelo contrário, cimentaram-se. Pelo menos hoje já temos agentes policiais, sobretudo ligados à Polícia de Trânsito, a negarem suborno. Isto resulta do intenso trabalho interno que temos vindo a desenvolver com os nossos colegas. Os comandos provinciais, os nossos departamentos de Relações Públicas e de Trânsito têm estado a fazer um grande trabalho de educação patriótica nas províncias. Fruto disso, já se notam cidadãos condenados por tentativas de suborno aos nossos agentes. No passado não era assim. Apenas os polícias eram detidos e condenados. Mas, porque eles já ganharam consciência deste mal, já prendem aqueles que os tentam subornar para que deixem passar uma ilegalidade. Temos exemplos de polícias que recusaram serem corrompidos por 20, 30 até 40 mil meticais e as pessoas foram condenadas por essas práticas. Com isso não quero dizer que parámos por aí. Apenas demos um passo gigantesco.
NOT – Será que essa melhoria no combate à corrupção tem algo a ver com o aumento das condições salariais dos polícias que sempre foi evocada?
JK – Penso que é fruto da consciência dos nossos agentes. Esta coisa de evocar baixos salários como factor determinante para a prática de corrupção não serve. Veja que há pessoas que ganham bem mas estão envolvidas em actos de corrupção. Pessoas com poderes económicos acabam envolvendo-se em esquemas. Portanto, não concordo que o factor corrupção tenha a ver com os baixos salários. Quanto é que ganhavam os nossos pais na altura? Muito pouco, mas conseguiam sustentar uma família numerosa sem entrar em esquemas. Portanto, o envolvimento na corrupção é uma questão de educação. Para todos os efeitos, estamos a trabalhar para a melhoria das condições dos nossos agentes.

PRM está madura

Maputo, Quinta-Feira, 17 de Maio de 2012:: Notícias
NOT – Será que os 37 anos de existência da Polícia da República de Moçambique estão em sintonia com o nível do seu crescimento?
JK – O país está a crescer, está a conhecer um desenvolvimento assinalável, o que faz com que a Polícia esteja bem equipada para acompanhar esta evolução. Nesse sentido há um esforço do Governo de gradualmente ir investindo na corporação. Os 37 anos representam ainda um acumular de experiências, sobretudo combativa e organizacional. Em suma, significa crescimento. Mais que estar no bom caminho, a PRM está madura. A maturidade pode ser encontrada naquilo que fazemos, nas acções operativas que levamos a cabo, no brio profissional dos nossos agentes, independentemente das dificuldades que têm vindo a enfrentar, o que é natural. Não são as dificuldades que nos vão retirar a maturidade. A PRM acha-se madura e presente por aquilo que faz, pelos desafios enfrentados e, felizmente, vencidos. Por isso digo que esta Polícia se sente capaz de fazer coisas, sobretudo conquistar vitórias espectaculares e que não são poucas. E ao longo destes anos todos não se pode negar que a Polícia está a conhecer uma evolução na sua actuação, mas há a necessidade de se investir mais por causa do desenvolvimento que o país está a conhecer. O destaque vai para a formação dos nossos agentes que nos últimos anos cresceu muito. Hoje temos uma Polícia bem formada e a cobrir todo o território nacional. Passámos a ter mais meios, com algumas unidades informatizadas e, para além de uma escola básica, temos uma academia que já serve a alguns países interessados em formar os seus quadros em Moçambique. Para dizer que a nossa idade está em sintonia com o desenvolvimento do país, pois passamos a ter uma força bem preparada técnica e táctica.
NOT – Os cidadãos têm reclamado muito da falta de segurança, sobretudo nos bairros onde praticamente andar à noite é um verdadeiro martírio. Até quando esta situação?
JK – De uma forma geral a ordem pública em Moçambique, comparativamente a outros países da região e do mundo, nós estamos melhor. O que nos preocupa neste momento é o crime violento e o crime organizado. Há crimes violentos, de facto, que quando acontecem dão a entender que estamos mal. A paz em Moçambique é uma realidade. A entrada em massa de estrangeiros no nosso país é o espelho disso e da segurança em que vivemos. Não estou a dizer que há uma tranquilidade efectiva. Até os países mais desenvolvidos do mundo têm problemas que se parecem com os nossos. A Polícia está trabalhando de noite e de dia para combater os casos que ainda nos inquietam. Temos estado a neutralizar quadrilhas que ainda constituem perigo para a sociedade. Mas de uma forma geral a ordem pública é uma realidade. Agora, as reclamações que nos têm chegado ajudam-nos a planificar melhor o nosso trabalho e elevar os índices de actuação.
NOT – De uma forma geral, quais são os crimes que mais preocupam?
JK – Os relacionados com tráfico de drogas, raptos, mortes de alguns polícias e assaltos a empresas. Tudo isto é preocupação da Polícia.
NOT – E como é que estão os casos de raptos?
JK – Estão controlados, mas continuamos a trabalhar.
NOT – Certamente que no meio do crescimento alguma coisa vos inquieta, qual é?
JK – É o problema de habitação para os nossos elementos. Contudo, já temos um plano de construção de infra-estruturas de forma faseada para todos os comandos. Cada província foi orientada no sentido de adquirir terrenos para a edificação de casas. É verdade que não irão chegar para todos, mas vamos iniciar gradualmente com este processo com vista a suprir o défice de habitação.

Queixas sobre patrulhamento deficiente são legítimas

Maputo, Quinta-Feira, 17 de Maio de 2012:: Notícias
NOT – O país está a crescer, com mais bairros a surgirem a uma velocidade espantosa. Existe algum plano de criação de postos policiais e alargar o patrulhamento para estas novas zonas?
JK – O desenvolvimento que o país está a registar, sem dúvida, exige de nós uma pronta resposta no que diz respeito à garantia da segurança e ordem públicas. O que nós queremos são mais meios financeiros e materiais para a construção de mais postos policiais. Isso está nos planos do Comando-Geral, mas a sua execução está dependente da disponibilidade financeira. Quanto ao aumento do efectivo, continuamos a formar e anualmente realizamos duas cerimónias de graduação que é para acompanhar o crescimento.
NOT – Há tempos queixavam-se da falta de meios de transporte para o patrulhamento. Isto ainda constitui problema?
JK – Temos estado a receber algumas viaturas e hoje mais de 90 comandos distritais do país já têm pelo menos uma viatura. Isso é um grande passo. Algumas ainda estão a ser preparadas para se fazer à estrada. Acreditamos que daqui a mais um ou dois anos teremos uma frota razoável para toda a corporação. Isso também abrange todos os postos da Força de Guarda Fronteira existentes no país, onde cada unidade recebeu mais uma viatura. Simultaneamente, estamos a trabalhar no sentido de garantir a sua manutenção permanente. Como sabe, este foi sempre o grande problema das nossas viaturas.
  • Hélio Filimone

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