domingo, 21 de outubro de 2012

Estará a liderança “crazy”* e atrapalhada?

 

Ouvir com webReader
Rabiscos da Soares
Por: Ivone Soares*
Hoje, fala-se de mineração para ali e para acolá. As esperanças estão a ser depositadas nessa área. Mas não faz muito tempo que a prioridade era outra, nomeadamente a agricultura.
Mudou? O que é que está a acontecer? Num piscar de olhos, somos brindados com novas utopias, novos chavões.
Tomemos como exemplo: “agricultura, base de desenvolvimento”; prometeram-se mundos e fundos à custa desta máxima. Campanhas houve para que o camponês abandonasse o cultivo da mandioca, do milho, do feijão a favor da Jatropha. A população obedeceu ouvindo a voz de uma autoridade e cedo o sonho virou decepção. Agora, a Jatropha está lá, mas a população morre de fome e ninguém, com a mesma voz de autoridade, aparece para dizer o que dela fazer. O mais caricato e grave é que como não há explicação do que se deve fazer com a Jatropha, inocentemente, as crianças pegam nos frutos dessa planta altamente nociva para a saúde, ingerem-nos pensando tratar-se de maçanica, fruto comestível. Foram as incidências da revolução verde e aquela voz de autoridade sumiu, já não tuge nem muge.
Ainda a este propósito e dentro do contexto da revolução agrícola noto com alguma frequência que o Orçamento do Estado destinado para este sector tido como a base para o desenvolvimento do país é miserável se comparado com o dos sectores repressivos.
Daí que muitos projectos não passaram de slogans para atrair, enganosamente, mais investimentos e apoios quer internos como externos.
Se a agricultura é a base de desenvolvimento então que se avance para a sua mecanização.
Espera-se desenvolvê-la com recurso a enxada de cabo curto? Haverá desenvolvimento do sector agrícola importando tomate Sul-africano, batata cebola, cenoura, alho, banana, laranja, ou importando arroz Tailandês, Chinês e Indiano?
É de lembrar que o nosso país tem uma situação geográfica privilegiada, favorável para a agricultura. Por isso questiono: como se explica que tendo solos férteis importemos o que devíamos estar a produzir em larga escala?
Como se explica que haja zonas do país onde o excedente agrícola, falo por exemplo de ananás, manga, laranja, tomate apodrecem e a poucos metros registam-se bolsas de fome?
Não é chegada a hora de fazer com que as coisas realmente aconteçam? Continuar-se-á a assistir inundações num ponto do país e estiagem noutro sem nada fazer?
A experiência governativa acumulada, deve ser chamada para a partir dos erros cometidos ensaiarem-se acertos no passo. Como se explica que não haja condições para armazenamento e escoamento dos produtos agrícolas?
O que está a acontecer? E acima de tudo: que esperanças devemos depositar na nova aposta se a anterior não parece ter sido bem-feita?
Paradoxalmente, assistimos a uma trapalhice, onde de repente há muitos investimentos voltados para a área da prospeção mineira com apoio incondicional e fervoroso do Estado. Vemos o Governo abandonar a sua Politica pré-definida e me interrogo: actualmente, qual é a base de desenvolvimento em Moçambique: agricultura ou mineração? Quem toma este tipo de decisão? Que se chame a esse estratega à razão, pois revela-se incapaz a nível técnico e político. Não gostaria de concluir que Moçambique vive momentos de puro capitalismo selvagem?
Há incoerência e falhas graves na implementação da política agrária. Se ela é tida como a base do desenvolvimento em Moçambique, como enquadrar o novo discurso? O novo discurso, o do …Salve-se quem puder...sustenta-se na máxima de que não há riqueza numa esquina a espera de ser distribuída.
Cada moçambicano deve criar a sua própria riqueza.
Cada moçambicano deve ser empreendedor. Cada moçambicano deve ter auto-estima, parar de andar de mão estendida e ter sentido patriótico...
Muito bem! Salve-se quem puder! Mas estes novos comandos funcionam quando se está a gerir um Estado?
Qual é o papel de um Estado?
Não é o de criar oportunidades iguais para os cidadãos?
O salve-se quem puder, faz-me reflectir, com preocupação, sobre o interesse das lideranças. O eufemismo usado pela Dra. Alice Mabota numa entrevista concedida a um dos jornais moçambicanos foi aplicado, creio, em virtude de assistir-se, neste país, homens de negócio usando o Estado para fazer correr os seus interesses.
Mas fazem-no lícita ou ilicitamente?
*crazy palavra em inglês que significa maluca(o).
* Comunicóloga, Deputada da Assembleia da República pela Bancada da Renamo.
Canal de Moçambique – 17.10.2012

Sem comentários: