sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Declarações inflamatórias e revisionismos minam o ambiente

Canal de opinião
Por: Noé Nhantumbo
Pela paz e concórdia em Moçambique:
 
Beira (Canalmoz) - Uma paz que não seja alimentada de tolerância, inclusão, respeito corre o risco de se tornar numa nova guerra.
Deixemo-nos de brilharetes e de falarmos de um passado de paz pois não estamos fazendo o suficiente para manter a paz.
Se os elementos ou factores que colocaram moçambicanos se digladiando e se atacando mortalmente, não são efectivamente eliminados do panorama nacional, é preciso que entendamos que estamos semeando guerra para um futuro próximo.
Os ataques frequentes na imprensa e outros órgãos de comunicação social quanto a uma alegada nulidade ou falta de razão de ser, das reclamações do líder da Renamo no que se refere a dossiers maltratados ou incompletos do Acordo de Roma que trouxe a paz para Moçambique, precisam de ser analisados cuidadosamente, sob risco de se incorrer em graves erros de consequências demolidoras e fatais.
É fácil e tentador não responder as inquietações de Afonso Dlhakama e até apresentar a tese de que o que ele diz é extemporâneo. É também fácil esquecer-se que foi a incapacidade de ouvir os outros que contribuiu em primeira mão para o surgimento do conflito armado em Moçambique.
A facilidade com que alguns participantes nas negociações de Roma entre o governo da Frelimo e a Renamo se esquecem de que a paz foi duramente conquistada, num exercício que colocou fim a uma guerra civil cruel e dizimadora de vidas é preocupante.
Uns até que no terreno foram derrotados ou inviabilizados, aparecem fazendo declarações de consistência duvidosa e vergonhosa. A contínua tese de defesa de que a Renamo era uma criação estrangeira visando desestabilizar Moçambique ignora outra face da moeda que nos mostra que a Renamo era um movimento político-militar em que pontificavam moçambicanos defendendo uma maneira de estar e de governar diferente do que a Frelimo vinha fazendo. Se adquiria recursos ou recebia apoios de forças governamentais contrárias à Frelimo isso fazia parte de um jogo em que a Frelimo também angariava apoios da Rússia e outros países como a RDA e Cuba. O confronto leste-oeste, a guerra fria, estendia-se a costa oriental de África e isso não pode ser ignorado. Que figuras com responsabilidades históricas inalienáveis, participantes no processo negocial de Roma apareçam vendendo discursos furados e verdadeiras aberrações é grave, desonesto e intragável. “Lavar a cara” face aos desaires que uma opção política concreta trouxe para o país é uma coisa mas a verdade é bem diferente.
Justificar insucessos ou derrotas sejam políticas ou militares faz parte do que os políticos de todos os quadrantes fazem com perfeição.
Comemorar o 4 de Outubro é importante mas sobretudo uma responsabilidade que deve ser assumida por todos os moçambicanos. Há uma responsabilidade particular que cabe aos signatários do Acordo de Roma de tudo fazerem para preservar aquela paz que todos afinal desejávamos e desejamos. Não se deve permitir que os signatários monopolizem a paz ou as condições para a sua existência mas não podemos ignorar que existem assuntos que cabe a Frelimo e a Renamo tratar.
Quem ignora que as forças de defesa e segurança estão sofrendo um processo gradual de partidarização? Quem ignora que o comando das FADM e da PRM, do SISE estão nas mãos de figuras de confiança política da liderança da Frelimo? Quem ignora que os elementos que faziam parte das FADM, provenientes das fileiras da Renamo praticamente já não existem, especialmente aqueles que eram oficiais superiores?
Paz e concórdia são processos possíveis que devem ser assumidos como formas essenciais e vitais na construção da moçambicanidade. Não se pode construir Moçambique com sobressaltos e instabilidade latente ou falta de confiança. A única vitória é a manutenção de uma paz convincente, participada e concreta.
Olhar para o passado e aprender que os nossos excessos, a nossa intolerância foram fatais para as aspirações do povo deste país, é uma lição de todos os dias, em que todos temos responsabilidades e que ninguém é mais importante que o outro.
Enquanto uns ameaçam outros utilizam o poder que possuem nas forças policiais tudo para sobreporem-se a vontade do povo moçambicano de viver em paz. Esta situação configura violação dos entendimentos de Roma.
Não adianta procurar culpados quando é evidente que a culpa reside exactamente em interlocutores conhecidos que se fecham e recusam dialogar com responsabilidade sobre questões que sabem ser de sua responsabilidade.
A radicalização do discurso de uns e o silêncio estratégico de outros não é são demonstrativos de vontade de manter e cultivar a paz.
Moçambique corre riscos sérios de seguir a via de confrontação em que outros países africanos se viram mergulhados. A estratégia do “facto consumado” significa unicamente adiar situações e não sepultá-las.
A reacção verbalmente violenta de uns e outros políticos acontece quando se vêem encurralados e julgam que tomar posição constitui a sua salvação face as suas hostes.
Já é tempo dos políticos da posição e da oposição entenderem e compreenderem que não se pode ter paz sem alimentá-la com desenvolvimento. Retórica sobre unidade nacional e cultura da paz é discurso que serve desígnios inconfessáveis de alguns. Os moçambicanos querem uma paz que signifique dignidade, honra, orgulho, condições mínimas materiais que confiram uma vida longe da indigência.
Agora que se redescobriram recursos minerais, os moçambicanos não querem que aconteça o mesmo que o camarão que de repente deixou de fazer parte de sua mesa. Os moçambicanos clamam por acesso e qualidade de vida e não por uma igualdade absoluta utópica e inalcançável.
Queremos ver empresários originários de todo o país usufruindo das oportunidades que o país possui e estabelecendo empresas que criem emprego sustentável para os habitantes das diversas regiões do país. Sem favores e sem favoritismos, sem descriminação de origem partidária, sem estigmas políticos, por concorrência leal e lícita, sem apadrinhamentos e trafico de influência, é possível construir os fundamentos de uma paz duradoura, segura, sustentável e apreciada por todos os moçambicanos.
Honrar e celebrar o 4 de Outubro é um dever de todos os moçambicanos num gesto que ultrapassa prestar homenagem aos que tombaram na luta pela paz e democracia em Moçambique. Reafirmar cometimento pela paz deve ser um desafio que os líderes políticos abraçam com responsabilidade histórica inalienável.
Mais uma vez não vemos os signatários do Acordo de Roma se abraçando e congratulando-se pela paz. Só isso é si denota que não estamos construindo a paz ou não estamos prestando a atenção devida a um dossier fundamental.
Dar uma oportunidade à paz é um dever e uma obrigação de todos os moçambicanos independentemente de sua cor partidária, origem social, etnia, raça ou religião.
É tempo de exigirmos de nossas lideranças políticas um compromisso e cometimento de tipo qualitativamente diferente do actual.
Sem paz efectiva, as estatísticas sobre desenvolvimento macroeconómico que tanto gostam de mostrar ou apresentar algumas pessoas, ruirão a uma velocidade inimaginável… (Noé Nhantumbo)

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