quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Chorei assustada quando me indicaram para Comissão Política

Chorei assustada quando me indicaram para Comissão Política
Margarida Talapa

Presidente da bancada parlamentar da Frelimo
Numa residência localizada no bairro da COOP, o “Tindzava” invadiu a privacidade da presidente da bancada parlamentar da Frelimo, Margarida Adamugi Talapa, para perceber o seu percurso como mulher moçambicana.
Tindzava (T): Quem é Margarida Talapa?
Margarida Adamugi Talapa (MT):
Margarida Talapa é uma mulher que vem da província de Nampula. Nasci numa família humilde, pobre, no distrito de Memba. Éramos seis mulheres e um homem, da mesma mãe e do mesmo pai, mas também tenho quatro irmãos só da parte do meu pai. Sou a segunda sorte dos meus pais. o nosso irmão mais velho não conhecemos, faleceu novo, então, praticamente sou a mais velha de casa.
T: Como mais velha de casa, com certeza, deve ter sido muito privilegiada.
MT: Dentro da minha família eu era muito querida, tanto do lado do meu pai assim como da minha mãe. O meu pai e a minha mãe tiveram os primeiros filhos que não sobreviveram. Então, sendo a primeira filha de casa que sobreviveu, eu era a mais querida, tanto que depois que nasci, eles deram-me o nome de Vitia. Vitia significa uma coisa que será enterrada. Eles não tinham esperança de que eu sobrevivesse e, por isso, cresci sendo muito acarinhada.
T: Como foram os seus tempos de escola?
MT:
Os meus pais sempre apostaram numa menina estudada. Quando ainda pequena, fui matriculada numa madrassa, onde tive o primeiro contacto com um professor. Tive aulas durante três anos e depois fui matriculada numa escola-capela. Estando numa escola-capela, os meus pais, todos os dias, discutiam e diziam que eu seria baptizada e que, como consequência, haveria de comer carne de porco. Os dias passaram e chegou a fase em que os meus pais decidiram que tinha de sair da escola-capela para uma escola oficial. Naquela altura, era difícil entrar numa escola oficial, porque só existia uma escola na sede com apenas duas salas de aula, com a particularidade de só entrarem os filhos dos assimilados. O meu pai lutou e conseguiu matricular-me e, a partir dali, comecei a estudar. Aquela escola tinha uma particularidade no acto da inscrição: a família tinha que dizer se era pobre ou rica. Se fosse pobre teria direito à lanche, uniforme e material escolar gratuito, mas o meu pai não aceitou, embora fôssemos pobres. Ele disse: “eu vou criar todas as condições para que a minha filha estude lá”. isso para mim é orgulho de homem. A auto-estima de que nós hoje falamos, provém dos nossos antepassados e ele com todo o orgulho fez com que eu e todas as minhas irmãs estudássemos naquela escola.
T: Como e quando a sua vida se cruza com a política?
MT: Em 1974, depois dos primeiros combatentes entrarem em Moçambique, mais propriamente em Memba, nós recebemos um grupo deles. O grupo começou a mobilizar alguns jovens para se espalharem por todo o distrito e preparar a população para a independência. Eu fui uma das jovens escolhidas.
Fiquei no posto administrativo de Lúrio. Foi muito difícil convencer os meus pais para sair de casa, porque eles diziam que uma menina não podia sair de casa sem casar. “tu tens que casar virgem, não queremos que saias daqui sem casar”. Mas no final acabaram aceitando. A partir daí comecei a tomar consciência de pertencer ao partido Frelimo. Em 1976, cria-se a OJM e fui uma das primeiras jovens que pertencia ao secretariado provincial da OJM. É importante dizer que eu estava na OJM, mas também participava nas actividades da OMM. A minha formação profissional foi o professorado. Nunca tinh sonhado em ser professora, sentia-me muito criança. queria ficar mais perto dos meus pais, mas que fazer?
Era uma chamada da pátria, que fazer? Em 1997 fui eleita delegada ao 7º congresso da Frelimo e nessa fase começa o meu crescimento político.
Durante o congresso, a mamã Graça diz: Margarida, nós as mulheres, queremos que sejas membro da comissão política”. Foi um grande susto para mim, comecei a chorar e disse: “deixem-me crescer, ainda sou criança. No próximo congresso talvez possam apostar em mim.” Passado algum tempo, quem me chama é o Teodato e fala-me, também, do mesmo assunto.
Depois de saírem os resultados, um grupo de amigas aproximou-se e disse: “o teu nome já saiu”. Fui ao quarto e comecei a chorar. No mesmo instante, peguei num papel e numa caneta e comecei a escrever uma carta, na qual pretendia requerer a minha não nomeação. Alguém descobre e vai dizer a um grupo de antigas combatentes.
Então vem Marina Pachinuapua, Deolinda Guezimane e Salomé Moiane, que não era combatente. Assustei-me quando as vi. Elas começam a puxar conversa e uma delas tira o papel e rasga. Foi nessa fase que vi o peso das mulheres moçambicanas. Aquelas mulheres são o orgulho de todas as mulheres moçambicanas. Nós somos o fruto e o produto delas.
T: Quais são os desafios que a sua profissão lhe propõe?
MT:
Não sei se seria profissão ou ocupação, porque de profissão sou professora, mas já não exerço essa função há bastante tempo, talvez dizer que a minha ocupação é a política. Um dos desafios que enfrentamos é fazer com que as políticas que aprovadas,no país, promovam mais a mulher. Falo, particularmente, da mulher do campo, pois é preciso olharmos para a mesma e fazermos alguma coisa.
T: Normalmente, os deputados têm a fama de ter uma ocupação pouco preenchida. Será isto um mito urbano?
MT:
Eu penso que o grande problema é a falta de conhecimento da actividade parlamentar. Não é verdade que os deputados pouco fazem ou pouco tempo dedicam à actividade parlamentar. Nós temos duas ou três fases de funcionamento da assembleia.
Uma fase de sessão plenaria, em que todos os deputados vêm à “casa do povo”, aqui em Maputo. Ou seja, é a chamada sessão plenária para a aprovação das leis. Temos a fase do funcionamento da assembleia através das suas comissões de trabalho, que garantem todo o processo legislativo, assim como temos a sessão de trabalho do ciclo eleitoral. Todo o funcionário tem um intervalo. O mesmo acontece com os deputados. Temos um intervalo, mas não significa que no intervalo estamos a passear. Apenas fazemos uma mudança de actividade, exercendo as nossas funções.
“ Nunca deixei os meus usos e costumes por estar em Maputo ou por ser o que sou. Aqui em casa tenho sempre caracata.”
T: Onde almeja chegar na sua carreira?
MT:
Eu cheguei onde cheguei graças ao meu partido, graças ao apoio da minha família, do meu marido e dos meus filhos. Neste sentido, gostava de homenagear uma grande mulher, que é a minha mãe. Nunca pensei em ser chefe de uma bancada parlamentar com 191 deputados. Não tenho nenhuma ambição para o futuro, tenho feito aquilo que o meu partido decide para mim.
T: Como concilia o trabalho e a família?
MT: o apoio que a minha família me tem dado, neste momento, é fundamental, apesar do meu marido estar em Nampula devido ao seu trabalho.
Tenho ido a Nampula sempre que posso, assim como ele vem sempre que pode. Mesmo aqui, o meu tempo é muito preenchido, mas sempre que tenho tempo livre fico com a minha família, sobretudo com a minha netinha, que é a coisa que me deixa mais feliz. Sou muito amiga dos meus filhos e, por isso, procuro estar sempre com eles. Algumas vezes o meu filho, quando demoro chegar para o almoço, costuma dizer: “Camaradamembro da comissão política e chefe da bancada parlamentar da Frelimo, não te esqueças que tens a responsabilidade de ser mãe, é momento do almoço, não vens?”. Então, tenho que ir a correr para casa. Uma família é tudo e a minha é o meu suporte.
T: O que mais gosta de fazer nos seus tempos livres?
MT:
Eu sou religiosa e gosto de fazer um pouco daquilo que a minha religião exige:ajudar os mais necessitados. Tenho uma associação e dedico-me a ela todos os fins-de-semana. É a Associação Islâmica de Maputo.
T: É vaidosa?
MT:
As minhas filhas dizem que sim, mas eu acho que não. O que eu gosto é de vestir bem, mas não roupa cara. Gosto da capulana que custa barato e mais nada.
T: Quais são os seus pratos preferidos?
MT:
Eu gosto de comer bem. mas comer bem para mim é comer comida moçambicana. Nunca deixei os meus usos e costumes por estar em Maputo ou por ser o que sou. Aqui em casa tenho sempre caracata, que é a comida básica da minha província. Tenho peixe seco, tenho manga seca. Tenho tudo aquilo que faz parte da minha tradição. Gosto de arroz de coco. Esta foi a minha infância e educo os meus filhos para que também gostem daquilo que é deles.
T: O que é ser mulher?
MT: Ser mulher é uma grande responsabilidade. Ser mulher é tudo para uma nação. Uma mulher é a protectora da família, então, ser mulher é um grande desafio.
T: Qual é a mensagem que deixa para todas as mulheres?
MT: Gostava de dizer: queridas mulheres moçambicanas, temos a oportunidade para lutar e construir uma nação condigna. Vamos unir-nos e construirmos o nosso país.

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