sábado, 6 de outubro de 2012

Chávez tem prova de fogo amanhã

 

6 de Outubro, 2012por Pedro Guerreiro
A oposição venezuelana está unida em torno de Henrique Capriles. Mas a partidarização do Estado e um genuíno apoio popular podem perpetuar Hugo Chávez no poder ©AP
Há sondagens sobre as presidenciais de amanhã para todos os gostos. As que dão nova e expressiva vitória a Hugo Chávez até às que elegem Henrique Capriles como o novo chefe de Estado da Venezuela. Mas mais acertado é dizer que a oposição vive por estes dias o seu maior momento de esperança numa década, e que os apoiantes do Presidente mais polarizador da história sul-americana recente sentem um nervosismo pouco habitual. Pela primeira vez, e depois da realização de votações primárias, um universo fratricida de conservadores radicais e democratas moderados apresenta-se a votos sob um mesmo nome. Capriles, o porta-estandarte, revela-se mais do que uma mera solução de compromisso, entusiasmando multidões como apenas um outro venezuelano – o seu rival – é capaz de fazer. No último domingo, o candidato da oposição juntou 260.000 pessoas na principal avenida de Caracas.
Elegante e sorridente, apresentando-se de pólo, ténis e boné, o advogado solteirão tem cativado o eleitorado feminino. Descendente de judeus polacos (os bisavós morreram em Treblinka), Capriles é um católico devoto e descrito pelos seus colaboradores como um trabalhador incansável, mesmo com a riqueza herdada de um império familiar que se estende do imobiliário à comunicação social.
Politicamente, Capriles diz-se centrista, proclama Lula da Silva como o seu ídolo político e defende uma conjugação de capitalismo liberal e políticas assistencialistas. Observadores externos afirmam que o candidato é inteligente ao não apresentar-se como um homem de direita num país em que o sector conservador está hoje reduzido a uma pequena elite.
No entanto, surgem dúvidas sobre a verdadeira agenda de Capriles, que chegou a estar detido quatro meses pelo envolvimento em protestos violentos anti-Chávez. A divulgação de um suposto esboço de programa de Governo da oposição revela o candidato como um neoliberal apostado em desregular os mercados e cortar nos apoios sociais, aproximando-o mais da direita norte-americana do que da esquerda brasileira. Os chavistas agarram-se a este documento e denunciam uma conspiração. A campanha de Capriles nega a veracidade do memorando, mas ganha força a ideia de que a Venezuela está a poucas horas de escolher entre dois modelos radicalmente diferentes para o seu futuro.
No plano externo, também há duas agendas em confronto. Capriles promete reabilitar as relações com os Estados Unidos, cancelar contratos bilionários de compra de armamento russo e cortar relações com o eixo esquerdista sul-americano e com párias como o Irão e a Bielorrússia. Chávez vem moderando o seu anti-americanismo com declarações de apoio a Barack Obama, mas diz querer fazer da Venezuela uma potência não-alinhada e uma «pátria socialista alternativa ao capitalismo».
Chávez resiste
A imprensa internacional vem emitindo sucessivas certidões do óbito político de Chávez, mas nada indica uma verdadeira retirada de apoio ao líder. Uma imensa camada desfavorecida continua a ver em Chávez o responsável pela melhoria das suas condições de vida através da aplicação dos rendimentos do petróleo na saúde, educação e habitação social.
A economia, depois de uma queda abrupta em 2009, iniciou a recuperação, crescendo 5,6% no primeiro semestre do ano, e o país conta com as maiores reservas petrolíferas do planeta e longas décadas de exploração pela frente. E poucos desejam um regresso ao passado, com as memórias da crise económica, política e social dos anos 90 ainda frescas. O próprio Capriles considera Chávez o resultado natural do «colapso» de um anterior sistema bipartidário fortemente descredibilizado.
É a criminalidade que se torna numa dor de cabeça para o socialista. A taxa de homicídios quadruplicou desde a sua chegada ao poder e o flagelo atinge todas as classes. Em Setembro, três apoiantes de Capriles foram mortos durante uma acção de campanha.
Para o eleitorado moderado, é também o clima de eterna campanha que desgasta o apoio a Chávez, que durante o Verão discursou uma média de 30 minutos por dia, em emissão televisiva especial, sabotando diversas vezes a cobertura noticiosa da campanha de Capriles. Mas apesar da extensa utilização de meios do Estado, com a entrega de casas transformada em acções partidárias, os observadores internacionais recusam colocar em causa o processo eleitoral. O ex-Presidente norte-americano Jimmy Carter, dirigente de um dos organismos, considerou a campanha «livre» e descreveu o sistema venezuelano de voto electrónico como «o melhor do mundo».
O tabu da saúde
Por fim, surge outra variável que os venezuelanos em ambos os lados do espectro político preferem manter afastada do discurso público. Chávez continua a lutar contra um cancro de gravidade desconhecida. Apesar de ter recuperado o cabelo, a cor e o peso, a sua debilidade traduz-se numa agenda diminuta para os padrões do one-man-show. Passam-se dias sem que Chávez apareça em público e terminaram os discursos de horas intercalados por cantorias.
Mas também não há certezas sobre o efeito desse factor nas intenções de voto dos venezuelanos. Se alguns analistas prevêem um efeito de simpatia, outros apontam o receio de votar inadvertidamente num sucessor desconhecido de Chávez.
pedro.guerreiro@sol.pt

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