terça-feira, 23 de outubro de 2012

BRAVOS "RETORNADOS", ESPOLIADOS, DESLOCADOS...

 

CUMPRIU-SE O MAR E O IMPÉRIO SE DESFEZ... A História magoa. A independência das colónias forçou meio milhão de portugueses a tomarem parte numa ponte aérea que os desembarcou em Lisboa trazendo a amargura na bagagem e tendo de se adaptar a uma terra que, em muitos casos, não conheciam. Este blog fala de retornados, espoliados, de gente que perdeu as suas casas e os seus bens, e que, sem receber quaisquer indemnizações do Estado português, continuam nos seus sonhos a revisitar África.

 

RITA GARCIA: novos escritos especulativos sobre a vida de portugueses no Ultramar, publicados na Revista "SÁBADO",nº 339,de 28/10 a 3 de Novembro de 2010


Uma capa de revista bastante sugestiva mas nada condicente com a "realidade" para a qual pretende remeter. Assim se faz jornalismo em Portugal!



"OS ANOS DOURADOS DOS PORTUGUESES EM ÁFRICA" "MEMÓRIAS DE COMO ERA O DIA_A_DIA DOS PORTUGUESES" "A VIDA EM ÁFRICA...ERA ASSIM"...
Segue a tomada de posição de um conterrâneo, Roberto Correia, pessoa esclarecida na matéria, conhecedor de cidades e sertões, que na época colonial foi colaborador dos jornais “A HUILA” (e mesmo redactor), dos “NOTÍCIAS da HUILA”, “O NAMIBE”, “A VOZ DO PLANALTO”, “A PROVÍNCIA DE ANGOLA” e do “JORNAL DE ANGOLA”, da ASSOCIAÇÃO AFRICANA (em Luanda, de que foi ainda membro da direcção e colaborador da Liga Nacional Africana), usando sempre o pseudónimo “Sourreia”; publicou diversas obras literárias sobre a História de Angola:


A propósido de um artigo e da capa, assim intitulado, na Revista "Sábado", n.339, de 28/10 a 3 de Novembro de 2010, diremos o seguinte:
1) - Assim como a maioria dos meus familiares e dos milhares de conhecidos, colegas e amigos, nascemos em ANGOLA,onde antes de 11/11/1975 (antes da revolução), éramos "TODOS PORTUGUESES" (além de verdadeiros "ANGOLANOS", fruto de algumas gerações de três Continentes (EUROPA - AMÉRICA DO SUL(BRASIL) -- ÁFRICA).

2) - Muitos outros milhares de residentes então em ANGOLA (não me vou referir aos outros territórios ex-ultramarinos,onde nunca vivi), eram PORTUGUESES CONTINENTAIS, que, em pouco tempo,se tornavam como verdadeiros Angolanos !

3) - Não eram,então, também "PORTUGUESES" apenas os "BRANCOS" nascidos em ANGOLA !

4) - Não sei, não faço ideia,onde nasceu ou viveu a jornalista RITA GARCIA, autora do artigo (reportagem/Destaque)acima referido. Até gostava de saber...

5) - Como "ANGOLANO / PORTUGUÊS",descendente de algumas gerações nascidas e vividas em ANGOLA, assim como muitos dos meus diversos familiares,dos amigos e dos conhecidos,NÃO DEVO, NEM POSSO, deixar de manifestar a minha parcial discordância com o conteúdo e espírito do mencionado artigo (reportagem, que nem sabemos como foi efectuada !).

6) ANGOLA,embora com uma faixa marítima bastante extensa, apenas tinha (e tem ainda) poucas cidades e poucas vilas ou povoações importantes junto desta. Assim,alguns milhões dos seus habitantes naturais,algumas centenas de milhares dos "PORTUGUESES" até então ali residentes,viviam no seu imenso interior(várias vezes superior ao território português na Europa),instalados até a muitos quilómetros da costa marítima. Residiam e viviam no "SERTÃO",no "MATO". Muitos deles permaneceram anos a fio sem ...irem à cidade"...! Estavam mesmo muito longe das praias ! Praias,só conheciam as dos rios e tinham jacarés !... Nem andavam ..."em caçadas de elefantes e leões"...! Tudo isso era então muito bem controlado e vigiado por fiscais próprios e pelas leis em vigor. A sua conservação era respeitada. Não eram então dizimados por armas de guerras ("coloniais ou civis"),ou de ricos turistas de ocasião,como aconteceu depois de 1974/75 !

7) - Poucos locais "adequados" existiam e nem todos os PORTUGUESES andavam em paródias ou noitadas de fins-de-semana em..."clubes exclusivos e festas na praia"...! Era uma população trabalhadora (não havia desempregados permanentes,nem subsidiados profissionais). Também essas leis eram respeitadas.

8 ) - Quanto ...às "boas casas, com espaço, jardim e criados para os servir"...nem só alguns dos ditos PORTUGUESES (ULTRAMARINOS) eram seus exclusivos possuidores ou utilizadores legais. Isso era comum, necessário, conveniente até para os próprios trabalhadores.
Esses PORTUGUESES não tinham, na sua grande maioria, automóveis de luxo, nem motoristas privativos...como alguns dos grandes senhores e os "Continentais" (cá por estas bandas)!

9) - Tudo isso também já se verificava no CONTINENTE e com proventos bastante semelhantes ! Muitos anos antes,as construções (as residências) dos PORTUGUESES em ANGOLA tinham,obrigatoriamente, uns anexos com quarto(s) e sanitários para o(s) criado(s),mesmo dentro das cidades ! As tais..."boas casas com espaço, jardim (até com piscina privativa) também se encontram hoje em muitas zonas deste "pobre" país,pertencentes aos Continentais,(I) Emigrantes ou não,bastante valiosas e, em muitas delas,se realizam as tais ..."FESTAS"... e nem precisam de outras praias em fins-de-semana (em especial nos prolongados por modernas "pontes horárias",ou até mesmo sem serem de "surpresa",dos amigos (de ocasião ou à espreita de certas oportunidades ou favores,nem que sejam "inimigos disfarçados de outras mais adequadas cores"...e numa mais do que conivente ..."ERA DOURADA" !

10) - Por lá, ANGOLA desses tempos "dourados",muito boa gente, já com certa idade,nunca tinha visto uma "PRAIA",tal a imensidão do território.E muito menos tinha sido beneficiado com..."um pires de marisco (de camarão ou outro) à borla,nem mesmo duma cerveja fresca em zonas em que ainda nem havia electricidade, nem "geleiras" domésticas ! Normalmente nem eram pires de "camarões" à borla mas sim, de tremoços ou ginguba. Pelo contrário,viviam quase isolados,carentes,passando privações,sem qualquer "assistência social". Eram terras de trabalho duro e de boas produções e não de "farras",regabofes, festivais,etc. Eram trabalhadores sérios,honestos,patrióticos, que acabaram sendo traídos e nunca recompensados !

11) - ANGOLA, na sua maior parte, a grande ANGOLA,era a "ÁFRICA MISTERIOSA", a verdadeira ÁFRICA,não só de "Elefantes e Leões",que nos velhos tempos desciam aos povoados, ás cidades (até à LAGOA DE KINAXIXE, então nos arredores de LUANDA).sendo conveniente caçá-los.

12 ) - Os outros "caçadores",amigos ou familiares dos "VINHAS", dos "MELOS" e doutros ilustres "continentais",eram abastados turistas,fazendo esquecer os esfarrapados "pumbeiros" do sertão ou os caçadores furtivos de marfim,associados aos grandes chefes locais !

13) - O imenso título "MOÇAMBIQUE" aplicado por cima duma enorme foto de alguns veraneantes na ILHA DE LUANDA (pág. 48 da citada Revista),está mesmo... "a matar" !

Diremos então que... ANTES NÃO ERA ASSIM"...!

14) - CONCLUINDO : - RITA GARCIA,... "A VIDA EM ÁFRICA...(NÃO) ERA ASSIM"...como descreve ! Seja humilde,peça desculpas aos muitos milhares de PORTUGUESES ULTRAMARINOS que ofendeu !...

P.S. - (artigo será transcrito na minha "secção g-mail, estando ao dispor no meu blogue http://angola-brasil.blogspot.com COIMBRA, 31/10/10 - Roberto Correia -- (sourreia@gmail.com) ----


"Chega-me a revista portuguesa Sábado (nº 339, 28.10.2010) com uma reportagem de Rita Garcia mais ou menos intitulada “A vida em África era assim” (estas ligações são muito perecíveis, mas por enquanto funcionará). A capa da revista (de expressão nacional) é-lhe dedicada e a coluna do director (“Bastidores” de Miguel Pinheiro) também, tornando-a matéria central desta edição semanal. O tom ordinário da revista nota-se logo na forma como é apresentada a reportagem: tem quatro títulos, um na capa ["Os anos dourados dos portugueses em África"], um outro no índice ["A vida em África antes da independência"], outro na coluna do director Miguel Pinheiro ["Memórias de África"] e outro ainda na reportagem propriamente dita [a paginação dificulta a sua consideração mas eu arrisco "A vida em África ... era assim"]. Agora venham-me dizer que são “opções” … então e como se chama aquilo? Mas se isso é o tom da revista mais pungente ainda é a radical mediocridade preguiçosa do texto: a enésima abordagem ao rame-rame da cerveja Cuca, as festas liberais, o camarão que vinha oferecido com a imperial, as caçadas, o criado doméstico. Tudo isto é o tudo no qual “Todos os portugueses que conversaram com a repórter da Sábado coincidiram nas recordações daqueles tempos.“, afirma o orgulhoso director. Uma mera reportagem de revista não é um ensaio histórico mas não se restringe obrigatoriamente a tamanha mediocridade (e a um “mundozinho” informante).
Paupérrimo trabalho."
jpt DAQUI
Faço minhas as palavras que se seguem, escritas por alguém que como eu nasceu em Angola, presenciou acontecimentos e foi testemunho de uma época que hoje à distância, leigos na matéria, sem o estofo de um verdadeiro conhecimento por detrás, perseguindo objectivos puramente materialistas, pretendem escamotear e perverter:

"Por vezes parece que existem duas Angolas diferentes. Aquela que eu e a maioria conhecemos e uma outra, onde quem chegava de imediato encontrava uma "àrvore das patacas" e enriquecia de uma hora para a outra.

Eu nasci em Angola e embora houvesse diferenças de classes como na maioria dos países, a verdade é que era necessário muito trabalho para se viver com algum desafogo e a maioria pode atestar que também não dava para se fazerem muitas "avarias". Assim, das duas uma, ou eu e muitos outros fomos pouco inteligentes e nunca soubemos ver os "grandes negócios", ou simplesmente nunca encontramos a tal " árvore das patacas".

É bom que se diga a verdade, era uma linda terra, um povo hospitaleiro e humilde, mas quem começasse do nada, como o meu pai e muitos outros que ali chegaram na década de 50, mesmo com muito trabalho, nunca chegaram a ter essa tal vida faustosa que se encontram ilustradas nalguns romances. Lá como cá, se houvesse respeito pelo "próximo", creio que as oportunidades eram iguais!" by Facra rone

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É TRISTE, MUITO TRISTE ESTE TIPO DE JORNALISMO QUE DISTORCE A VERDADE DOS FACTOS.

"O grande inimigo da verdade, muitas vezes não é a mentira - deliberada, compulsiva e desonesta - , mas o mito - pesistente, persuasivo e irrealista. Acreditar em mitos dá o conforto da opinião sem o desconforto do pensamento."
John F. Kennedy


Os nossos tempos pecam pelo radicalismo dos discursos, pela análise especulativa das situações, pela ambição de brilhar a todo o custo, pela avidez do ganho, pela falta de empatia. ** E eis que uma realidade que não abrangeria mais que 1% da população branca de Angola, surge transformada numa evidência alargada a toda uma população, através de um trabalhinho feito a correr, num meio pequenino de informantes, que reproduz a "vida em África" a meia-dúzia de estereótipos já cansados de usados que mais fazem lembrar os atribulados tempos do PREC..

Nos últimos tempos começaram a surgir à venda nas livrarias portuguesas e nas bancas de jornais e revistas, obras e textos de vários autores, algumas das quais "escritas sobre o joelho", "sem conhecimento de causa", sem um estudo sério e aprofundado de uma realidade por demasiado complexa para ser abordada na superficialidade. É o caso desta reportagem de Rita Garcia subordinada ao tema: «Os anos dourados da vida do portugueses em terras de África», que utilizando um tipo de discurso radical e determinista que nada tem a ver com a realidade, remete para um estilo de vida de gozo, superficialidade e enriquecimento fácil, que toma o todo pela parte e que fere e magôa a esmagadora maioria dos portugueses que lá viveram, gente que nunca enriqueceu, que trabalhou duro, que fez sacrifícios, que sofreu privações, que ajudou a erguer cidades, e que um dia partiu, de mãos vazias e coração desfeito. Trata-se de um tipo de discurso que nos remete para os atribulados anos do PREC em que aqui como lá, os "retornados" se viram transformados , talvez para disfarçar seculares incompetências, nos "bodes expiatórios de todos os males". Não vá por aí Rita Garcia! Daqui a uns anos, quando o conhecimento aumentar e a maturidade acontecer, os que assim escreveram, envergonhar-se-ão!

Sequer é honesto! É a cultura da especulação e da ignorância! Será que não há por aí ninguém capaz de levar a cabo um estudo a sério e aprofundado sobre esta problemática? Como se desiludiriam os que assim escrevam e afirmam, se, por exemplo, fosse possível uma consulta aos «montantes» deixados em contas bancárias nas colónias? Quero acreditar que faria cair por terra todas as idealizações.

Informar exige um código de honra, exige ética, exige acima de tudo estar por dentro das situações. E tomar a parte pelo ou o todo pela parte, se não é apenas ignorância, é intenção!

Uma verdade é incontestável, quem algum dia viveu naquelas paragens, pobre ou rico, passa forçosamente a ver a vida com outros olhos. Os seus horizontes jamais serão comportáveis em espaços exíguos, a sua mente estará sempre aberta a grandes dimensões....

É a falta de amplos horizontes que está acabrunhar as mentes neste pobre país!

MariaNJardim

** Empatia capacidade de ao mesmo tempo ser capaz de se colocar no lugar de outro compreendendo as suas ideias e compartilhando os seus sentimentos e reacções..

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