segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Angola e o "27 de Maio de 1977"

 - O genocídio comparável ao holocausto Nazi

SIKAMA (Acordar, Despertar)
Por Makuta Nkondo
makutankondo@yàoo.com.br
Maio de 2012 Na altura, encontrava-me no Luangu, uma das quatro aldeias das Zonas anexas de Matadi, a capital da Provincia do Zaire hoje Baixo Congo, na ex-República do Zaire, actual República Democratica do Congo (RDC).
Luangu era uma das bases militares do ELNA (Exercito de Libertação Nacional de Angola - braço armado da FNLA), a mais operacional.
Quando aconteceu a insurreição popular de 27 de Maio, Luangu fervilhava de milhares de soldados da FNLA que regressaram de Angola donde foram derrotadas e expulsas pelo MPLA.
Não vivi, não testemunhei nem senti os horrores da referida data.
Para evitar a especulação, este Sikama vai limitar-se a reproduzir alguns textos publicados nos livros referentes ao 27 de Maio de 1977.
O genocídio foi perpetrado pelo MPLA contra seus próprios militantes entre os quais aqueles que usurparam o poder em Angola, a favor deste Movimento marxista-leninista (MPLA).
São eles, Nito Alves, Monstro Imortal, Bakaloff, Sita Vales, Zé Van-Dunem, para citar ainda só estes, que instauraram o poder popular em Angola e expulsaram “manu militari” os “inimigos lacaios do Imperialismo Yankee” da UPA-FNLA e UNITA de Angola.
São estes temíveis comandantes da Primeira (1ª) Região Militar do EPLA (Exercito Popular de Libertação de Angola – braço armado do MPLA) que defenderam Agostinho Neto no Congresso de Lusaka, na Zâmbia, contra o seu rival Daniel Chipenda.
São estes que foram caçados e executados impiedosamente por seus antigos companheiros de luta.
Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus escrevem no seu livro “Purga em Angola” o seguinte:”
Militantes e simpatizantes, amigos e familiares dos “purgados”, dezenas de milhar de pessoas, homens e mulheres, velhos e novos, passaram por cadeias e campos de concentração.
E muitos foram mortos apos aterradores interrogações ou em fuzilamentos sumários, sem nunca terem sido julgados e sem se saber sequer onde repousam as suas ossadas. Por estranho que possa parecer, as atrocidades cometidas no Chile de Pinochet assumem modestas proporções, se comparadas com o que se passou na Angola de 1977.”
Como as palavras voam e escritas ficam, muitos livros já foram escritos por alguns que viveram na carne e alma o referido genocídio, como Américo Botelho no seu “Livre Holocausto em Angola”, Miguel Francisco “Michel” com “Nuvem Negra” - O drama de 27 de Maio de 1977” e “Angola - O racismo como cerne da tragédia de 27 de Maio de 1977”, José Fragoso com “O meu testemunho - a purga do 27 de Maio de 1977 e as suas consequência”,
José Fragoso e Lucas Pedro “Comandante Nito Alves - A ultima vitima do MPLA no século XX” e os que ouviram a ocorrência da tragédia como
Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus no livro “Purga em Angola - Nito Alves, Sita Valles, Zé Van Dunem, o 27 de Maio de 1977”.
Eis, a seguir o que relatam alguns dos referidos livros:
“Execução massiva no cemitério da Mulemba (14)
No dia seguinte (de 27 de Maio de 1977), as 19.00h, o responsável do cemitério da Mulemba (cemitério 14) esta a jantar com a família quando aparece um telefonema estranho. O seu chefe de repartição ordena-lhe que volte ao cemitério e aguarde.
O cacimbo ensopra-lhe a roupa quando, de madruga param no portão dez carrinhas celulares.
Carlos Jorge e Nelson Pinheiro (Pitoco), elementos da DISA, chefiam a expedição que estaciona junto a uma vala comum de 200 metros. Mal os prisioneiros se apeiam, soam rajadas das kalachnikov. Alguns ainda têm tempo de gritar: Salvem-me que eu não fiz nada. Pitoco, chefe do pelotão de fuzilamento, atende rápido ao apelo das vítimas: Esse é perigoso, fica para mim. Um dos coveiros aplana a terra da vala com um tractor.
Ainda se ouvem gemidos. O chefe do cemitério está aterrorizado e Pitoco avisa-o: Em Angola não pode haver uma contra-revolução, por isso, se falares, vais fazer companhia a estes.”
Expresso (Revista), 25.01.92 Estes são verdadeiros Pol Pot.
Já leste a história de Khmers vermelho no Camboja?
Quem são os assassinos em Angola? São Carlos Jorge, Pitoco, Manuel Rui Monteiro, Pepetela, etc.
Sabe como assassinaram os comandantes Nito Alves, Monstro Imortal, Zé Van Dunem,
Mais um “27 de Maio”, a data que simboliza o horror em Angola. Foi nesta data, em 1977, que arrancou um dos maiores genocídios perpetrados no Mundo.
No dia 27 de Maio de 1977, o céu desabou sobre Angola tendo dizimado os melhores filhos do país, os poucos indígenas formados e não pelo colonialismo português
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Juca Valentim, Bakalov, Virinha, Nandinha, dos Comissários (governadores) provinciais de Malange, Luanda e Benguela e o ministro do Comércio, Minerva, e centenas de milhares de indígenas angolanos?
Que foram os mandantes, os executores, membros das comissões de inquéritos e da comissão de lágrimas que decidiram sobre a sorte dos “detidos” muitos destes foram fuzilados?
Busca saber o papel que jogaram o Ministério da Defesa, a Fortaleza São Miguel hoje Museu das Forcas Armadas, a Casa de Reclusão e a cadeia de São Paulo em Luanda, assim como os vários Gulags (campos de concentrações) disseminados pelo país.
Os torcionários e assassinos passeiam a vontade em Angola e dão festas”.
Referência: HOLOCAUSTO em Angola de Américo Botelho e Purga em Angola, de Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus.
“Uma noite no Ministério da Defesa”: Fuzilamento de 30 oficiais das FAPLA
Era uma dessas noites pos-27 de Maio (de 1977). No Ministério da Defesa encontravam-se Onambwe, Director nacional adjunto da DISA, e Dimuca, que chefiava as investigações gerais da Comissão Militar de Inquérito.
Também lã estava o conhecido torturador Carlos Jorge.
A noite é enviada uma ordem para a sede da DISA: “Preparar viaturas para missão muito importante na Barra do Cuanza”.
Da sede da DISA seguem cinco jipes para o Ministério da Defesa. Entram pelas traseiras que dão para o edifício da Missão Militar Soviética. Ai aguardam.
A chefia pertence ao futuro capitão Tino. As viaturas levam bidões de gasolina e os soldados estão armados com automáticas akas. Desta missão toma parte Moisés, ex-aluno da Casa Pia de Lisboa, cuja família era oriunda da Guine-Bissau, e que me informou de grande parte destes acontecimentos.
Onambwe e Dimuca vêem a porta confirmar que tudo está como foi pedido. Dirigem-se a uma das salas do rés-do-chão do edifício onde esteve a antiga Companhia de Comando do QG português. As portas abrem-se.
Dentro estão cerca de trinta (30) oficiais descalços, de mãos amarradas atrás das costas e em roupa interior. Todos eles apresentam ferimentos graves.
Há caras tão inchadas que já não é possível ver os seus olhos. O “espectáculo” surpreende os próprios agentes da DISA.
Como se poderá adivinhar, eram militares acusados de terem participado no golpe de 27 de Maio. A selecção para o fuzilamento era da responsabilidade de Carmelino Pereira. Mas tal correspondia a política do MPLA: o extermínio de toda a oficialidade de Luanda e da 1.ª Região Militar foi a maneira de garantir que nenhum dos traidores escapasse. Isto apesar de os oficiais terem insistido na sua inocência e esclarecido que apenas cumpriram ordens superiores.
Não esquecer, em relação a estes factos, que Neto havia, precisamente, anunciado que não seria justo “utilizar o processo habitual” e que, portanto, iria ser ditada uma sentença adequada. Estes processos sumários foram, por conseguinte, sancionados ao mais alto nível.
Pelas 22 horas, são prontamente deslocados para as viaturas.
O cheiro a gasolina anuncia a morte. Eles têm agora a certeza de que vão morrer. Solta-se, então, o seu desespero e um coro de choro e gritos invade aquela noite: “Deixem-nos, ao menos, despedir das nossas famílias… das nossas mulheres… dos nossos filhos”. Entre os gritos ouvem-se os nomes das mulheres, dos filhos. Já as viaturas haviam passado o plano marginal do muro alto do Ministério e ainda se ouviam estas vozes do desespero.
Alguns agentes da DISA choram, entre os quais o próprio Moisés que partira com muita renitência. Os 70 Km que separam Luanda do local escolhido na Barra do Cuanza foram desgastantes: o choro, as suplicas, os gritos. O rosto dos militares que os acompanhavam exprimia a sua estupefacção e o seu silêncio não iludia o constrangimento e a inominável repulsa que os habitava. Tenha-se presente que muitos eram subordinados daqueles oficiais prisioneiros.
Ontem, eram disciplinados valentes chefes militares; hoje, condenados que choram como crianças. Um dos militares tinha mesmo um primo entre os condenados, facto que ilustra bem a arbitrariedade desta execução.
Em São Paulo, no pos-27 de Maio, as noites que eram vandalizadas por vozes de chamamento traziam um medo impronunciável. Não só porque esses horizontes pendiam sobre a cabeça de quase todos, mas também porque, na organização destas procissões de condenados, reinava frequentemente a arbitrariedade. Pense-se nos casos em que as vitimas foram levadas e assassinadas por engano, ou naqueles outros casos em que, sobrando espaço nas viaturas, os carrascos regressavam às celas para, a olho, seleccionar
mais algumas vítimas (e viva em mim a memoria do sucedido com o Augusto Inglês, preso no 27 de Maio, que foi levado para a ambulância da morte em vez de um tal José Inglês, acabando por ser salvo in extremis daquela confusão).
Por vezes o requinte era tal que alguns algozes vinha para São Paulo contar com pormenor o que se tinha passado nos fuzilamentos. Refira-se um exemplo. Kapakala e mais dezasseis condenados foram fuzilados por ordem do Tribunal.
Ora, no dia seguinte, aquele mesmo que tinha ordenado o fuzilamento estava em São Paulo a contar como tudo se tinha passado perante o horror no rosto dos ouvintes - diziam que esse metido era do agrado dos dirigentes máximos do MPLA.
Na Barra do Cuanza
Chegam, por fim, ao local destinado.
É noite cerrada. Uma clareira perto da estrada. Uma barraca de apoio aos militares que guardam esta zona, e tudo o mais e deserto. Os prisioneiros são descidos das viaturas e a gasolina descarregada. As viaturas são dispostas de forma a iluminarem o sitio indicado pelo guarda militar local. Este policiamento local e permanente justificava-se pela frequência destas execuções.
Tino levava instruções para fazer sofrer os condenados até aos limites da sua imaginação e experiencia. E, de facto. Tino revelou-se um notável executor de tais instruções.
Este, é, sem dúvida, um dos testemunhos mais eloquentes da violência arbitrária e brutal que o MPLA fez perpetuar no território angolano.
Com o pelotão de execução já alinhado, dirige a palavra aos condenados, como se de um julgamento se tratasse:
-Camaradas, houve um golpe em Luanda. Determino que vocês, aqui perante mim, digam a verdade - e acrescenta – Quem não disser a verdade será imediatamente abatido!
De seguida aponta para o primeiro e pergunta:
- Fizeste parte do levantamento?
-Camarada, eu fazia parte da 9.a Brigada … - responde este com a voz inundada de medo.
-Camarada, eu não tomei parte em nada - afirma o segundo.
-Ah! Não tomaste parte! Muito bem! - Ordem que este oficial seja colocado de costas para o mar e grita:
-Fuzilar!
Os militares disparam. O barulho é ensurdecedor (por isso procuram um local como este, descampado, com uma única testemunha isenta, o oceano). O terror aumenta no rosto dos oficiais.
O corpo fuzilado cai no chão trespassado de balas. Sob as ordens de Tino o corpo é regado com gasolina e incendiado. Arde como um archote e incha como se de um balão se tratasse. Por fim rebenta, ardendo ate ficar reduzido a cinza. O arrependimento estampa-se no rosto dos próprios militares da DISA. Mas o aviso está feito:
-Digam a verdade, caso contrário vai já acontecer o mesmo - vocifera Tino.
Seria difícil imaginar um processo de execução mais violento, sádico e, sobretudo, mais eficaz na fermentação do medo na consciência daquelas vítimas seleccionadas para este “abate”. A noite, a completa irracionalidade
do interrogatório, os tiros, o sangue, a gasolina… adensaram o terror, fazendo desta antecâmara da morte um verdadeiro inferno. De facto, diante de tudo aquilo que viram e ouviram, todos optaram por confessar o que lhes era pedido.
Porem, quando o ultimo se acusou, logo recomeçou a execução; a morte tinha sido adiada por poucos minutos. Foram mortos um a um, para que cada um fosse obrigado a ver na morte dos companheiros, prelúdio da sua própria. No fim, depois dos “ritos” da bala, seguiu-se o banho de gasolina e a respectiva cremação dos corpos num autêntico gesto de ostentação do horror. A pá lançou os últimos resíduos ao mar, selando o destino trágico desta geração angolana de oficiais e procurando calar qualquer evidência que denunciasse estes fuzilamentos.
Por agora tinha acabado, mas no dia seguinte a sessão continuou. Moisés, entre outros elementos da DISA, tentaria esquivar-se a este serviço certamente por acharem que aquelas modalidades de fuzilamento se revestiam de uma desumanidade insuportável.”
Ref.: BOTELHO, Américo Cardoso, HOLOCAUSTO em Angola, pp. 92-95, Nova Veja, 2007
Quem é este Tino e onde anda?
“Torturas e morte”
Fuzilamento de Nito Alves, Monstro Imortal e Juca Valentim
Maria da Luz Veloso conta:
Ouvi os interrogatórios de muitos homens. Mas de um lembro men em especial, pelo silêncio entrecortado de gemidos horrorosos.
Vinham do mais fundo das entranhas, um sofrimento lancinante. Era o Juca Valentim.
Quando morreu, os algozes passaram no corredor. E riam ao pronunciar-lhe o nome:
-Juca Valentin. Juca Valentiiiiiiim.
Acusaram-no de querer matar o Presidente. E no entanto fora ele que lhe salvava a vida.
João Jacob Caetano, o lendário Monstro Imortal, morreu com o garrote de nguelelo. Também consta que o tinham cegado.
Foi interrogado por Pedro Tonha (Pedalé), o qual , possivelmente como premio, subira do 10º para o 4º lugar na hierarquia do MPLA. No entanto, nem coragem tinha para lhe fazer as perguntas. Os algozes deixavam na sala um gravador, para depois reproduzirem o que dizia. E iam apertando o garrote.
João Jacob Caetano só dizia:
-Mas quem são vocês. Não vos conheço. Chamem o Neto para me interrogar.
Ao que parece, atiraram o corpo de um avião.
Um ultimo caso, o de Nito Alves.
João Kandanda, militar das FAPLA, e agente da DISA, depois de afirmar que Nito nunca foi julgado, porque não havia tribunal para o julgar e condenar, declara:
Tinha sessões de tortura psicológica e às vezes físicas, para dizer o que queríamos. Havia dias em que passava fome e ficava de pé na estatua. Lembro-me de uma vez ter ficado cinco dias sem comer nem beber.
Afirmava que sabiam perfeitamente que nunca quisera dar um golpe de Estado e muito menos matar Agostinho Neto.
Julião Mateus Paulo (Dino Matross), actual secretário-geral do MPLA, afirma ter visitado Nito Alves na Fortaleza (actual Museu das Forcas Armadas). E diz tê-lo ouvido dizer que estava a defender Agostinho Neto.
A indicação para o seu fuzilamento terá sido do presidente da Republica (Agostinho Neto), embora na Fortaleza, onde estava, a ordem tenha sido dada por Iko Carreira, Henrique Santos (Onambwe) e Carlos Jorge (Cajoh).
Nito não quis que lhe tapassem os olhos, pois queria ver os que iam matar. O corpo foi varado por umas três dezenas de balas.
E um dos chefes ainda lhe foi dar o tiro de misericórdia.
O seu corpo foi atirado ao mar, com um peso.
A Fortaleza de S. Miguel eh para a qual foram os presos mais importantes, Monstro Imortal, Jose Van-Dunem, Bakalov.”
Ref.: MATEUS, Dalila Cabrita, et MATEUS, Álvaro, Purga em Angola, Nito Alves, Sita Valles, Zé Van Dunem, o 27 de Maio de 1977, pp. 121-123, ASA Editores S.A., Lisboa, 2007.

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