terça-feira, 2 de outubro de 2012

A inocência de Borges Nhamirre

Por Eusébio André Pedro
Assistindo à película do Filme «A inocência dos muçulmanos» quando o meu Monte Carlo dá sinal. Uma solicitação de um amigo virtual, o sereníssimo Edgar Barroso (Ed Maluco) cujo empenho, para ver um Moçambique cada vez melhor merece a minha vénia e admiração. Perguntava-me ele se eu me revia num post recentemente postado por outra amiga, a graciosa Taisse Sigaúque. Coincidência ou não, o título não poderia ser outro senão uma modificação avançada do anterior, com retoques para se adequar ao alvo: «a inocência dos membros da Frelimo», da autoria de um escriba renomado, igualmente amigo virtual, o patrício Borges Nhamirre.

Tudo gira em torno da «subida» da filha do Presidente ao Comité Central, ou se quisermos, a eleição da Valentina Guebuza. Segundo ele esta «princesa» nunca foi vista a fazer qualquer trabalho para merecer uma tal consideração. Assume, desde logo, que o trabalho político é necessariamente público, o que não é forçoso passar a teoria. Em conclusão, diz ele que, a escolha feita pelos membros foi em resultado da inocência dos 1700 eleitores, os tais cobardes, para seguirmos o editorial de um jornal.

Não fiz parte do grupo dos eleitores, por motivos da ocasião. Todavia, sinto-me forçado a reagir à solicitação do Edgar e dizer que, felizmente, me revejo na ironia, na letra e no espírito, como membro de uma área diaspórica com direito a voto. Não espero que apoie sempre os meus pontos de vista, mas espero vê-lo defender resolutamente a sua própria liberdade de opinião e recordar que, no passado, todos aqueles que incessantemente procuraram o poder montados num tigre acabaram dentro dele quando o leão apareceu faminto.

Se esperarmos que todas as pessoas trabalhem antes de lhes dar oportunidade de trabalho, estaremos a ser incoerentes para com a lógica do próprio trabalho, na qual há uma reciprocidade de benefícios entre a mente e o braço executor. Sufocaríamos a criatividade e iniciativa e promoveríamos a concorrência da visibilidade, portanto, promoção de intrigas pelo lugar ao sol. É isto que o Borges pretende no seu «A inocência dos membros da Frelimo?». Ele pede prova do crime, se é que existe, sobre onde a Valentina exerceu algum ofício de relevo. Saberá ele os requisitos para estar no Comité Central? Ao menos um, posso adiantar-lhe, sem medo de errar: ser membro da Frelimo.

Compreendo a inocência do Borges Nhamirre, pelo seu pensamento virgem, tão virgem cujo extremo é lançar todos os «sem mérito sem trabalhar», sem experiência, ao lugar de espera, tal como acontece nas empresas contratantes. Há tantas pessoas anónimas no país que, fazendo o que fazem, sem gritarem em praças públicas, mesmo que não tenha de política, merecem a confiança daqueles que as apreciam. Lembro-me da Margarida Talapa, recentemente linchada em 18 pontos, pelo exercício de liberdade de expressão!

É absurdo que se chame de inocentes ou cobardes (medo da coragem) as quase duas mil almas que votaram na Valentina só porque fizeram uma escolha desagradável. O que Borges não consegue explicar é o que se faz no CC que a Valentina não será capaz. Compreendo! È porque Borges é inocente.

Tenho apelado que é mais proveitoso explorar os problemas que nos unem, em vez de repisarmos constantemente os que nos dividem. Formulemos, pela primeira vez, propostas sérias e detalhadas para a inspecção e controlo das animosidades colocando o poder intelectual absoluto de destruir outros sob o controlo absoluto de todos os intelectuais. Não estou disposto a testemunhar ou a permitir a lenta destruição dos ideais de uma cidadania activa com os quais esta nação sempre se comprometeu e com os quais também eu me comprometi há muito tempo.

Que todos os vizinhos saibam que nos juntaremos a eles para nos opormos às ridicularizações estéreis em qualquer parte do território. E que todas as outras brechas fiquem a saber que esta Frelimo tenciona continuar a ser dona da sua própria casa. É preciso acreditar que aos poucos os instrumentos da paz vão ultrapassando largamente os instrumentos da guerra. É preciso renovar o compromisso de apoio às ideias úteis, para impedir que a liberdade de expressão se torne num mero fórum de insultos irónicos, para reforçar a projecção pessoal.

Eu assumo este compromisso e outros. Juntos podemos garantir a sobrevivência e o triunfo da liberdade, a liberdade de dizer o que se pensa, a liberdade de opinar o que se diz. Todavia, não se pode permitir de ânimo leve que duas milhares de pessoas passem de mero objecto de ridículo. Quando uma mente livre não é capaz de ajudar as muitas que são ignorantes, não pode salvar as poucas que são lúcidas. Pode ser que o Borges encontre algo de ataque neste meu posicionamento mas tal será simplesmente por ser um inocente.

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