sexta-feira, 12 de outubro de 2012

A igreja do silêncio

 
Liderada então pelo cardeal Wishinsky, a Igreja da Polônia, frente ao domínio vermelho, decidiu-se por conservar-se como a Igreja do Silêncio. Ela não podia lutar abertamente contra o regime ateu implantado em Varsóvia pelos soviéticos visto que fora URSS quem livrara a nação do pesado jugo nazista.
Por conseguinte o mundo católico travou uma guerra surda contra as autoridades comunistas tentando manter ou ampliar os mosteiros e igrejas bem assim equipar os seminários para melhor formar seus quadros de padres e freiras. É claro que o clero polonês, como conseqüência da situação nacional, não se permitia afastar-se um milímetro sequer da ortodoxia e do dogmatismo. Eram tradicionalistas e conservadores dos pés á cabeça.
Foi ainda durante o duríssimo ano de 1942 que o jovem Karol Wojtyla, um homem de porte atlético, um vigoroso praticante que ski e ator de teatro amador, nascido em 18 de maio de 1920 em Wadowice, na diocese de Cracóvia, decidiu abraçar a vida religiosa. De certo modo, ser padre era uma maneira de resistir à ocupação.
 
Após ter freqüentado a faculdade teológica de Roma depois da guerra terminada, ao retornar à Polônia, Karol Wojtyla não demorou muito, graças ao estudo e a inesgotável energia, em tornar-se bispo de Cracóvia (em 1958), participando desde então das altas esferas do poder religioso do país. Em 1964 sagrou-se arcebispo e, em 1967, cardeal, mantendo ele sempre estreita ligação com Roma. Tudo isso em meio a crescente tensão entre os anseios por uma Polônia realmente independente e a continuidade do domínio stalinista imposto de fora pela URSS.
A situação geral da igreja católica romana de 1871 a 1961

Desde a segunda parte do pontificado do papa Pio IX (1848-1878), a Igreja Católica havia declarado guerra ao mundo moderno. Pelo Syllabus, documento da Encíclica Quanta Cura (8/12/1864), a democracia, o liberalismo, a franco-maçonaria, o socialismo, o anarquismo, o feminismo, o voto universal, 80 tópicos ao todo, foram vistos pelo Vaticano como erros da época moderna. Tratava-se de uma coalizão de forças demoníacas desencadeadas para vir desacreditar ou destruir os dogmas da fé em Cristo. Tudo que fosse ou parecesse moderno merecia o anátema da Igreja de Roma.
 
Assim sendo, para defender e preservar os valores sagrados do cristianismo ameaçados, o Concilio Vaticano I, convocado por Pio IX em 1869, aprovou no dia 18 de julho de 1870 a Dogmática Constituição Pastor aeternus, segundo a qual tudo que viesse do Santo Padre, fosse bula ou dito, tinha um caráter de infalibilidade e, como conseqüência, não podia ser questionado ou posto em dúvida por nenhum católico. O papa tornava-se assim um autocrata em matéria teológica e tudo o que lhe dissesse respeito.
 
Esta posição foi ainda mais reforçada pelo não reconhecimento da parte do Vaticano da Unificação Italiana, alcançada entre 1861-1871. O Papa simplesmente se declarou prisioneiro no Estado Pontifício, negando-se a aceitar o novo estado monárquico constitucional forjado pelos liberais italianos, liderados pelo Reino do Piemonte (Cavour, Garibaldi, etc...) que simplesmente havia abolido com a autoridade temporal da Igreja sobre parte das terras italianas (a Igreja Católica na Itália era simultaneamente poder espiritual e poder temporal).
 
O desentendimento com o estado italiano somente foi superado pelo Tratado de Latrão, assinado no antigo palácio papal em 1929 entre o Papado e o Regime Fascista de Benito Mussolini (ocasião em que a igreja foi largamente indenizada em troca do apoio á ditadura fascista). Para os católicos do período do Entre-Guerras (1918-1939) devia estar claro que os seus inimigos maiores no mundo moderno eram o liberalismo, a democracia e o socialismo, dai entender-se a aproximação do Vaticano, dos anos 20 aos anos 40 , com os regimes ditatoriais de direita (Mussolini, Hitler, general Franco, Oliveira Salazar, marechal Pilsuldski, almirante Horthy, marechal Petáin, Leônidas Trujillo, Anastácio Somoza, Juan D. Perón, etc...).
 
Com a vitória da coligação democratico-comunista em 1945 e a derrota das forças nazi-fascistas, que para a Santa Sé representavam o bastião da antimodernidade (e tal como a Igreja eram antidemocráticos, antiliberais, anticomunistas e antifeministas), era uma questão de tempo a necessidade da convocatória de um novo concilio para trazer a Igreja Católica para uma posição mais realista, afastada da direita.
O concílio Vaticano II (1961-1965)
Foi preciso esperar o falecimento de Eugênio Pacelli, o Papa Pio XII (1938-1958), o pontífice que mais dera sustentação à politica de apoio à direita e mais se aferrara à linha tradicionalista, para que um novo Sumo Pontífice tomasse a decisão. A longa "Dinastia dos Pios" que dominara a Igreja por 110 anos com ele chegara ao fim. Coube então ao seu sucessor, o papa João XXIII a tarefa de abrir as janelas do Vaticano ao mundo moderno, convocando para tal a realização de um novo concilio - o Concilio Vaticano II (o XXI Concilio da história da Igreja), que realizou-se em Roma entre 1961 e 1965.
 
Conclave esse que praticamente procurou apagar tudo o que havia sido acordado no anterior Concilio Vaticano I, de 1869-1871, totalmente hostil à modernidade. Dai ter-se dito que o Concilio Vaticano II fez adentrar na Igreja a Doutrina da Modernidade. Um poderoso vento fresco varreu os interiores escuros do palácio de São Pedro ainda dominado por dogmas medievais, sendo que foi o próprio pontífice João XXIII quem abriu-lhe as janelas.
 
Ao longo dos quatro anos o Grande Concilio tratou de tudo, produzindo uma massa espantosa de documentos subdivididos em 4 Constituições Dogmáticas e mais 12 Decretos e Declarações. O hipercentralismo papal (quase uma monarquia teocrática) deu lugar a um sistema mais próximo a um colegiado, concedendo maior presença aos bispos nos assuntos gerais da Cúria. Estimulou-se a formação de grupos de estudo para revitalizar a circulação das idéias, bem como maior presença de instituições intermediárias entre o corpo de sacerdotes católicos e Roma, como foi o caso da ascensão da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
 
As missas não precisavam mais serem proferidas em latim podendo o ser nas línguas profanas, sendo que o pastor doravante voltava-se de frente para o público e não mais para o altar. Procurando retirar a Igreja do isolamento, aos sacerdotes não mais se exigiu vestir a batina nem as freiras trajarem o hábito com a cabeça coberta. Pela Declaração Dignitatus Humanae, a Igreja reconhecia pela primeira vez a liberdade religiosa não querendo mais impor ao mundo a sua verdade, o que abriu caminho para o diálogo e o respeito ao ecumenismo religioso, inclusive realizando colóquios com os pensadores marxistas (ver "Do anátema ao diálogo" de R.Garaudy).
 
Ainda que se dizendo ter "na palavra divina as propostas", a Igreja reconhecia "não ter as respostas prontas"(Constituição Pastoral Gaudium et Spes - sobre a Igreja no mundo moderno) O espírito sui generis do Concílio Vaticano II pode ser sintetizado com a afirmação abaixo que diz: "O contexto histórico-cultural do Vaticano II é certamente diferente: a Igreja não pretende proclamar dogmas específicos nem pronunciar-se contra posições heréticas, mas se propõe a iniciar um diálogo com o mundo moderno. A Igreja, saindo ao descoberto, quer repensar o patrimônio da fé, globalmente considerado, e apresentá-lo de um modo acessível à civilização contemporânea e de uma forma que interpele eficazmente a condição existencial do homem de hoje." (Instituto Paulo VI de Bréscia, Itália, ano de 2002).
 
Todavia o documento síntese que melhor refletiu o sentido geral das reformas da Concilio - no que toca a relação da Igreja com o Mundo - foi a Encíclica Pacem in Terris, publicada em 1963 que foi uma espécie de versão da Igreja Católica dos Direitos Universais do Homem e do Cidadão, aprovados anteriormente pela ONU em 1948.

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