quinta-feira, 11 de outubro de 2012

A cova da angústia

A cova da angústia
Discreta e profunda, com aproximadamente nove metros de profundidade e um metro e meio de diâmetro, coberta de plantas trepadeiras e capim verde que se entrelaçava com a velha e empoeirada teia da aranha peluda, ninguém podia notar aquela velha cova que o homem abrira à procura de água, criando ameaça a qualquer um, que por falta de atenção ou informação podia correr o risco de tropeçar nela.
O perigo era evidente, já que por cima daquelas folhas e capim, podia-se ver lixo doméstico espalhado e baloiçando livremente cada vez que o vento soprava do Oriente, deixando esconder o silêncio daquele buracão aplacado e emboscado, como que esperando a todo momento uma presa inocente, que por ali pudesse de repente encalhar.
As abelhas, aqueles insectos inteligentes, com o olfacto bem apurado, já lá estavam empoleiradas no cimo dos finos ramos que suportavam pequenas quantidades de cascas de cana doce, que a rapaziada de vez em quando ali atirava, chamando a atenção de outros bichos que curiosos se aproximavam do local para desvendar qualquer segredo.
O sapo, batráquio semelhante a rã, com os seus olhos fingidos, às vezes fechados, acompanhado pela elasticidade da sua língua venenosa e certeira, aproximava-se devagar, todo ele encasacado, engravatado e cauteloso para ludibriar as abelhas, embora consciente das ferroadas que lhe aplicariam na boca desdentada.
Por sua vez, a cobra, uma serpente sensivelmente de um metro de comprimento e cinco centímetros de diâmetro, toda discreta aproximou-se para abocanhar o sapo. Atrás da cobra vinha o gato, todo cauteloso para neutralizar a cobra. Atrás do gato vinha o cão para assustar o gato. Atrás do cão vinha a vara por cima do seu dorso. Na ponta da vara tinha a mão do homem agarrada nela. Atrás do homem vinha o jornalista observando a história. Era uma espécie de novela que sucedia, sucessivamente sem cessar.
Os pequenos arbustos que serviam de tampo do covão, não mais suportavam com o peso dos bichos que se empoleiravam gratuitamente neles para gladiarem. Uns atacando, outros se defendendo, e outros ainda atacando e se defendendo simultaneamente. Foi daí que o tampo fictício se desequilibrou e cedeu, e todos foram despejados para o buraco abaixo.
Tudo aconteceu num abrir e fechar de olhos e ninguém queria acreditar no que estava acontecendo naquele instante. Já naquele “novo lar”, juntos, embora com o ar desconfiado, todos partilhavam o pequeníssimo espaço, o mesmo tecto a céu aberto, e não havia espaço para vinganças. Cada um olhava com ódio e perdão ao seu próximo, à espera de um milagre, que certamente havia de surgir de qualquer forma e de qualquer lado, seja de que tamanho fosse, havia esperança nos corações de todos.
Contudo, as antenas estavam bem afinadas, em caso de ataque de surpresa, as abelhas ferrariam o homem, o homem pegaria no pau, o pau iria bater no cão, o cão prenderia o gato, o gato arranharia a cobra, a cobra abocanharia o sapo, o sapo acabaria com as abelhas.
“Quem começa o ataque?” A pergunta rolava nas cabeças dos “arguidos”, que impacientes se entreolhavam com ódio e vergonha.
O jornalista que acompanhava o episódio alertou os membros da aldeia. Da aldeia surgiram várias ideias. A partir das diferentes ideias apareceu uma escada comprida, que foi cuidadosamente introduzida lá no fundo do poço vazio. A partir da escada saiu o homem, o pau, o cão, o gato, a cobra, o sapo e as abelhas. Já em liberdade, sem tempo de dizer obrigado, em debandada cada um tomou o seu rumo habitual.
Passado algum tempo, aquele maldito buracão foi transformado numa lixeira, tornando o lugar muito diferente, e quando todos por ali passassem esquecendo-se da frustração do passado, voltavam a acotovelar-se novamente, como se estivessem à procura de uma outra cova da angústia.

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