sexta-feira, 12 de outubro de 2012

2011 - ANO SAMORA MACHEL, um contributo (3)

 

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Mocambiquedescolonizacaogalha_capa "Jornal O Retornado", de 6 de Março de 1976
Deslocámo-nos a Leixões e recolhemos opiniões de alguns dos retornados, desembarcados. Começámos por ouvir o sr. M. C. (iniciais do nome indicado), empregado de "boite" em Lourenço Marques. Eis as suas palavras:
- A Polícia de Moçambique queria obrigar-me a denunciar todas as mulheres que tinham trabalhado em "boites" em Lourenço Marques, e que eu conhecia, a fim de as deterem sob acusação de prostituição. Neguei-me a fazê-lo! A partir dessa minha recusa, comecei a ser alvo de perseguições e ameaças, até que consegui refugiar-me a bordo do "S. Tomé" que me trouxe para Portugal. Finalmente a salvo!
Era a primeira declaração de um dos fugitivos das arbitrariedades, sem fim, da Frelimo.
Porém, as queixas choviam de todos os lados. Frases soltas havia, como estas: "A Frelimo só nos deixou trazer roupa... mais nada", "até os discos me apreenderam", "a saída do navio foi retardada porque a lei das 'nacionalizações', decretada pelo 'camarada' Machel, já abrangera também as nossas bagagens, os nossos carros, as nossas mobílias. Assim, só pudemos trazer a roupa!!!"
Registamos todas as queixas chegadas até nós. Entre os refugiados, gente de cor, afinal portugueses como nós! Ouvimos depois a D. Maria C. Q. C. (iniciais do nome indicado), africana que, com seu filho de 9 anos, fugiu de todo aquele martírio, considerando-se finalmente a salvo. Começou por nos dizer:
- Aquilo em Tete está muito mau! Não há lei, não há respeito por nada, nem por ninguém. Escorraçaram os portugueses de lá, para pode­rem ocupar as suas casas. Olhe, só peço a Deus é que o meu marido -que é branco - consiga salvar-se daquele inferno e chegue até nós, aqui, a Portugal!
- Que se passa efectivamente em Moçambique, para que tanta gente continue a fugir de lá? Perguntamos.
- Passa-se tudo. Eles chegam a matar crianças, cujo pai seja branco e a mãe de cor. Vi uma criança com 3 anos, ser trucidada por militares da Frelimo que a atropelaram com um camião da tropa. Depois, com ar de gozo, os ocupantes do camião, todos com farda da Frelimo, pergun­tarem aos presentes de que cor era a criança, e riam-se! Todas estas atrocidades a que nem os inocentes pequeninos escapavam, fizeram com que me viesse embora para a terra do meu marido.
- Quer então dizer que o ódio rácico não é só contra o elemento branco? - foi a pergunta que fizemos de seguida.
- Não! É também contra os "mistos"! Constantemente nos insul­tam e mandam embora para a terra dos nossos pais. As crianças mesti­ças só podem estudar até à 4a classe. Depois vão para as "machambas" trabalhar no campo.
- É verdade que se continua a prender gente arbitrariamente? -insistimos ainda. A nossa interlocutora mostrava-se aberta ao diálogo. Queria falar. Queria dizer a toda a gente o que era o martírio da vida em Moçambique!
- Continuam sim senhor! Estão a prender muita gente. Em espe­cial raparigas, brancas, mistas e negras, para mandarem para as "macham­bas" onde fazem trabalhos muito difíceis! Eu tenho é muita pena dos brancos que lá estão presos. São obrigados a fazer os piores trabalhos, como "abrir latrinas" e nem sequer têm visitas. Tenho muita pena deles.!!!
- E os presos pretos? São bem tratados? - quisemos saber.
Não. É frequente até haver discussões entre presos pretos e car­cereiros da Frelimo. Desta tive eu conhecimento: Houve um que foi mandado para a mata abrir latrinas. Ele recusou-se a ir, dizendo que no tempo dos portugueses trabalhava muito mas recebia ordenado. Agora levava pancada, trabalhava e não recebia nada. Além do mais, ele, que era preto, que fosse trabalhar pois não recebia ordens de pretos como ele! Isto originou violenta altercação. A certa altura o militar da Frelimo mandou o preso dar vivas à Frelimo. Este voltou a negar-se e, depois de ter gritado "abaixos" à Frelimo, deu vivas a Portugal e a Caetano. Depois destes incidentes, esse preso desapareceu. Nunca mais se soube dele. Se calhar foi morto!
In DESCOLONIZAÇÃO E INDEPENDÊNCIA EM MOÇAMBIQUE – FACTOS E ARGUMENTOS, de Henrique Terreiro Galha (págs 243 e seguintes)

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