quinta-feira, 20 de setembro de 2012

UM IMPERATIVO DE CONSCIÊNCIA


Igreja de Mecanhelas
Fevereiro de 1974 foi uma data que ficará indelével na história de Moçambique. Perante as injustiças que se vinham verificando, a Igreja Moçambicana tomou posição... e de que maneira.
Eis alguns extractos do documento que originou a expulsão de um grupo de combonianos a trabalhar em Nampula e do bispo da diocese:
«…nós, Missionários Combonianos da Igreja de Moçambique, em união com o nosso bispo, interrogamo-nos profundamente sobre a autenticidade do nosso testemunho missionário e o significado da nossa presença no meio do povo de Moçambique.
Enviados para anunciar o Evangelho de Cristo, sentimos que este anúncio não pode ser levado integralmente a este povo que nos espera, não tanto por causa de um condicionalismo político que nos impeça de anunciar Cristo, mas sobretudo pela renúncia da Igreja em assumir a sua missão profética e libertadora, que lhe compete por direito divino, perante os acontecimentos e a vida deste povo, que julgamos profundamente impedido de crescer fiel à sua história.
Não querendo partilhar da cumplicidade desta Igreja que colabora, talvez inconscientemente, no manter desta situação contrária ao Evangelho de Cristo, e não podendo protelar mais a resposta às interrogações deste povo, sentimos a necessidade de tomar uma decisão segundo a nossa consciência e em conformidade com o autêntico Evangelho de Cristo e as orientações da Igreja universal.
Neste sentido e com esta finalidade, passamos a expor os problemas e as situações que, em nosso entender, debilitam a Igreja e a tornam um contratestemunho para o povo de Moçambique, e a anunciar as decisões que, em consciência, julgamos dever tomar.»
Para os subscritores do documento, os problemas e as situações são as seguintes:
«A Igreja renunciou ao seu múnus profético: 1º não reconhecendo que o povo moçambicano tem o direito que lhe é conferido por Deus à sua própria identidade e a construir por si mesmo a sua história. 2º Não proclamando e não defendendo suficientemente os direitos fundamentais do homem (direito ao desenvolvimento, direito de associação e livre expressão, direito à informação). 3º Não desmascarando um sistema socioeconómico que tem o lucro como objectivo primário. 4º Não iluminando acontecimentos graves, tais como a guerra e suas consequências.
A Igreja torna-se assim um contratestemunho: 1º Nas relações com o Poder constituído. 2º Na sua missão evangelizadora dos povos (continua bastante alheia às realidades africanas nas suas estruturas e nos seus responsáveis; apresenta-se muito clerical e paternalista; os bispos não têm defendido publicamente a missão do missionário quando posto em causa pelo regime constituído).
Depois de terem pedido à hierarquia uma série de medidas a fim de a Igreja se tornar «um sinal mais autêntico de salvação», os Combonianos decidem com o seu bispo: a) orientar a evangelização e a catequese de modo a revelar o mistério total de Cristo e procurar discernir os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho, ajudando este povo a descobrir os planos de Deus a seu respeito; b) continuar a rever as estruturas das missões de modo que sirvam cada vez mais o povo e apareçam como testemunho do amor de Deus do qual a Igreja deve ser sinal; c) renunciar aos subsídios concedidos pelo Governo ao pessoal missionário; d) entregar, a partir do próximo ano lectivo, as escolas do ensino primário, dado que os actuais programas conduzem à alienação deste povo dos seus verdadeiros e autênticos valores, comprometendo-se porém a continuar a trabalhar pela promoção do povo, pela formação profissional e desenvolvimento comunitário.
Esta reflexão e consequentes resoluções foram tomadas em conjunto por todos os missionários combonianos da diocese de Nampula, com o seu bispo, e comunicadas à Conferência Episcopal de Moçambique por intermédio do seu presidente. Das mesmas será dado conhecimento à Secretaria de Estado do Vaticano, aos missionários e ao povo de Deus. Nampula, 12 de Fevereiro de 1974»

A reacção dos bispos de Moçambique e das autoridades foi enorme, como é de calcular!