sábado, 18 de agosto de 2012

PCA acusado de gestão danosa

Escrito por Emídio Beúla   
Sexta, 29 Abril 2011 14:22
Num dia reservado para a apresentação do seu informe anual sobre o estado geral da justiça, o Procurador-Geral da República (PGR) deixou embaraçada a bancada parlamentar da Frelimo que se viu obrigada a recorrer à ditadura de voto para “salvar” Augusto Paulino a prosseguir com a leitura do informe. Contrariamente ao que a legislação prevê, Paulino foi esta quarta-feira à Assembleia da República (AR) apresentar um resumo do informe, uma atitude prontamente denunciada e protestada pela bancada da Renamo que ao mesmo tempo exigia que o PGR apresentasse o mesmo documento integral submetido ao Parlamento há 15 dias e que estava em posse dos deputados e da imprensa. Embaraçada ficou também a Presidente da AR, Verónica Macamo, que teve dificuldades manifestas de gerir com isenção e neutralidade legislativas que o cargo lhe impõe as diferentes opiniões político-partidárias.

Em conformidade com o estabelecido na Constituição da República e no Regimento da AR aprovado pela lei 17\2007, de 18 de Julho, o poder legislativo reservou dois dias (27 e 28 de Abril) da primeira sessão anual para o PGR prestar a informação anual sobre o estado da justiça. Na manhã desta quarta-feira, primeiro dia, compareceram na AR 235 deputados para acompanhar e debater o informe do Procurador Augusto Paulino.
Depois dos formalismos protocolares rotinizados, a Presidente da AR, Verónica Macamo, convidou o PGR a proceder a leitura do informe. Isso por volta das 10 horas.

Embaraçoso resumo

Decorridos cerca de 15 minutos de leitura, a bancada da Renamo, através da sua chefe, Maria Enoque, solicitou um ponto de ordem para questionar a falta de sintonia entre o documento ora em apresentação e o informe em posse dos deputados e da imprensa. A Presidente da AR anuiu a solicitação da Renamo, mandando interromper a leitura.
Na verdade, o PGR estava a ler um documento que era o resumo da informação anual, conforme explicações tardias.
A situação embaraçou tanto a Presidente da AR como o próprio PGR, pois ninguém teve o cuidado de informar aos deputados e, por via destes, aos milhares de moçambicanos, que contrariamente ao previsto no regimento da AR e demais legislação, o PGR não iria apresentar um informe, mas o seu resumo.
Estava-se em presença de um caso insólito na jovem história da democracia no país, porquanto antes de Augusto Paulino nenhum outro PGR tinha dado largas à sua imaginação ao ponto de submeter à AR um informe integral e chegado o dia da sua apresentação pública, ler o seu resumo.
A Renamo defendia que o PGR apresentasse o documento integral que submetera na AR, nos termos da lei, há 15 dias, e que estava em posse dos deputados e da imprensa.
Enquanto isso, a bancada maioritária, ela mesma embaraçada com o procedimento do PGR, defendeu que Augusto Paulino continuasse a apresentar o seu resumo.
O artigo 26 do Regimento da AR em nenhum momento faz alusão à possibilidade de o PGR, achando conveniente, apresentar um resumo do seu informe anual sobre o estado geral da justiça.
A situação ganhou contornos partidários, com os deputados da Renamo a acusarem os seus pares da Frelimo de agirem em protecção de Augusto Paulino. Ele que acompanhava, sereno, a troca de palavras e de acusações entre os deputados.
A Presidente da AR teve que gerir as diferenças, em meio a dificuldades de demonstrar isenção e neutralidade legislativa que o cargo lhe impõe. “Eu não estou a ser partidária, mas objectiva”, protestou Verónica Macamo, em jeito de recado aos deputados da Renamo.
Mas a sua “objectividade” caiu por terra quando impôs que o PGR continuasse com a apresentação do resumo do informe anual. A imposição foi ovacionada pela bancada da Frelimo, enquanto Paulino posicionava-se no pódio para continuar com a apresentação. Mas a Renamo inviabilizou a ordem e a Presidente da AR teve que reconsiderar a sua posição, convidando o PGR a retomar o seu lugar. “Houve um equívoco”, justificou-se perante protestos da Renamo.
Nem as concertações entre a Presidente e os dois vice-presidentes da AR e depois entre a Presidente e os chefes das três bancadas resultou em consenso. “Estamos a gerir deste lado”, tentava tranquilizar Verónica Macamo.



A votação era a única saída do imbróglio. “Quem vota contra a continuação da apresentação do docu-mento”, eis a pergunta que a Presidente da AR fazia repetidamente. A Renamo não simpatizava com a mesma, pois colocava-a do lado de “contra”. Para esta bancada, Verónica Macamo devia perguntar quem votava a favor da apresentação do informe anual do PGR. Aliás, a legislação fala do informe (não de resumo) e este devia ser o objecto de votação.
Porém, a votação viria a ocorrer com base em primeira pergunta. 53 deputados (Renamo e MDM) não votaram e 182 (Frelimo) votaram a favor. A bancada maioritária homologava assim a leitura do resumo do informe, salvando a figura do PGR. Augusto Paulino foi convidado a prosseguir com a apresentação, em meio a uma forte ovação da bancada da Frelimo.

As leis que não punem

O informe de 86 páginas mais meia centena e meia de anexos faz uma descrição do estado geral da justiça, destacando casos que marcaram o ano judicial de 2010. Na parte reservada à reflexão, o PGR traça um quadro sombrio sobre a ineficácia da legislação atinente ao combate à corrupção e ao desvio de fundos públicos.
O PGR considera que a Lei 1/79, de 11 de Janeiro, que versa sobre crime de desvio de fundos ou bens do Estado, mostra-se desactualizada para a repressão e inadequada para a punição exemplar dos que se apropriam dos recursos públicos. Esta leitura é uma espécie de recado aos que criticam a aparente impunidade de dirigentes de Estado que delapidam fundos públicos.
“Esta lei não pune aqueles que, usando artifícios fraudulentos registam imóveis de habitação do Estado em seu próprio nome, contribuindo, sobremaneira, para a redução do parque habitacional do Estado”, disse o PGR. A punição deste tipo de condutas, diz Paulino, força a justiça a recorrer a outras leis que não enfrentam o fenómeno com propriedade.
Prosseguindo, o PGR exemplificou ainda que a lei em referência não pune adequadamente os funcio-nários que, não sendo tesoureiros, caixas ou qualquer um que tenha à sua guarda bens a título de depositário, comodatário ou mandatário, não têm, desse modo, em seu poder ou à sua guarda, dinheiro, cheques, títulos de crédito, ou coisas móveis, a menos que se recorra à sempre difícil prova de autoria moral. Lembre que no caso Manhenje recentemente julgado foi chamado à colação o argumento segundo o qual o réu Almerino Manhenje não era executor directo do Orçamento do Estado.  “Um dirigente superior do Estado que ordena aos seus subordinados para lhe pagarem despesas pessoais, fora da lei, pelo Orçamento do Estado, o máximo que lhe pode acontecer, mesmo que tal valor seja elevado, é ser condenado por abuso de cargo ou função, que, em regra, vai até dois anos de prisão, cumulado com a reposição do valor, sem juros sequer”, lamentou o PGR.
Paradoxalmente, se tal desvio for praticado por um funcionário inferior, desde que tenha à sua guarda cheques, por exemplo, a punição penal é quase sempre maior em relação ao seu superior hierárquico nas mesmas circunstâncias. Trata-se de uma situação que, tal como observou Paulino, fragiliza o princípio de igualdade dos cidadãos perante a lei.
O informe indica que a Lei 1/79, de 11 de Janeiro, não se aplica às empresas públicas, porquanto são distintas das empresas estatais. Este reparo foi objecto de debate na altura do julgamento do “caso Aeroportos”, onde alguns sectores de opinião defendiam a não aplicação da lei em apreço para aquela realidade.

O vazio de legislação verifica-se também no combate à corrupção, pois neste capítulo as leis não punem exemplarmente os corruptos. É uma situação que concorre para desacreditação de todo o sistema de justiça. “Note-se que a legislação anti-corrupção não tem em conta o valor”, indicou o PGR, lembrando que a punição é com uma simples pena correccional, ou seja, até dois anos.

Enriquecimento ilícito

Para o PGR, Moçambique deveria avançar no sentido de punição do enriquecimento ilícito. Até aqui, não há registo de alguém que foi chamado a provar a proveniência lícita da sua riqueza, por mais que esta supere manifestamente os seus rendimentos. “Clama-se pela perspectiva de que quem ostenta uma determinada riqueza e, sendo conhecido o seu salário ou rendimento, fica obrigado a provar a sua origem lícita, sob pena de ser considerado legalmente por produto de produto de proveniência ilícita, com recurso ao confisco, na falta de prova da sua proveniência lícita”, disse. Paulino deixa o desafio ao poder legislativo, no sentido deste trabalhar para pôr o país ao nível do desafio que a luta contra a corrupção exige.

“Caso Bachir” sem provas

Quanto à acusação feita em Junho de 2010 pelo Departamento do Estado norte-americano contra o cidadão moçambicano Momade Bachir, a Procuradoria-Geral da República designou, para a averiguação dos factos, uma equipa da Polícia de Investigação Criminal (PIC) dirigida por uma magis-trada do Ministério Público. Em sede das investigações que contaram com a colaboração internacional, a Procuradoria não encontrou provas ou matéria que consubstanciasse a acusação norte-americana segundo a qual o empresário Momade Bachir era traficante de drogas. No seu trabalho, a equipa designada pela Procuradoria trabalhou em processo de averiguações “não dirigido necessariamente” contra Momade Bachir.
A ausência de matéria levou a Procuradoria a não abrir um processo contra o empresário, proprietário do maior centro comercial do país. Segundo Paulino, os trabalhos prosseguem agora no sentido de verificar o funcionamento dos vários serviços que têm relação com a matéria, ou seja o trabalho decorre ao nível institucional.
-    Lembre que na altura da acusação, o empresário Bachir protestou a sua inocência e a Polícia moçambicana, através do antigo ministro do Interior, José Pacheco, veio a público afirmar que o empresário moçambicano “tinha uma ficha limpa”.
 

Sem comentários: