quarta-feira, 29 de agosto de 2012

OIÇA, SENHOR PRIMEIRO MINISTRO, NÃO OFENDA MAIS OS ESPOLIADOS !

OIÇA,  SENHOR  PRIMEIRO  MINISTRO, NÃO OFENDA MAIS OS ESPOLIADOS !

Ex.mo Senhor Engenheiro António Guterres: Na edição deste periódico de Novembro do ano passado, atrevi-me a dirigir-lhe uma "carta" a propósito da entrega no Tribunal  Judicial  de Lisboa de 910 acções interpostas contra o Estado Português por espoliados de Angola, reivindicando indemnizações pelos esbulhos de que foram vítimas na sequência da descolonização. Adverti-o, então, de que se o Governo que lidera ousasse contestar tais acções, eu voltaria à carga para dizer “o que me viesse à cabeça", em defesa dos seus autores.
Não tive de esperar muito tempo para que a oportunidade chegasse, por isso aqui estou novamente, dizendo de minha justiça contra a injustiça da contestação que sei ter sido feita através de 60 páginas. Ainda não tive acesso a essa peça jurídica, porém as vagas informações de que disponho neste momento sobre a argumentação  aduzida na contestação já justificam o meu protesto, assim como algumas considerações a propósito da posição assumida pelos governos PS e PSD relativamente aos espoliados de Angola e Moçambique.
Para começar, lembrarei o que se passa em relação a Macau, ou seja, a preocupação do Executivo em atribuir magnânimos subsídios a pessoas que exerceram ou exercem funções de governador ou ex-governador daquele território. Serão contemplados com esses subsídios (ditos de reintegração) o general Rocha Vieira,  actual  governador, banqueiros e empresários de sucesso, como Carlos Monjardino e Carlos Melancia, ministros no activo (António Vitorino e Jorge Coelho), a provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Carmo Romão, etc., etc.
Só o general Rocha Vieira, actual governador da última parcela do Império, com um vencimento superior a dois mil contos e mais as verbas de representação, terá à sua disposição qualquer coisa como cinquenta mil contos dos quinhentos que custará ao erário público (de Portugal, não de Macau!!!) a concessão dos polémicos subsídios.
Este liberalismo estatal significa  que  o Governo não tem dificuldade em arranjar dinheiro para tudo, inclusivamente para pagar os seus próprios erros e tapar os enormes "buracos" que abre em diversos domínios. 0 Governo favorece cambalachos financeiros, muitas vezes em seu prejuízo! Esbanja fortunas em obras e iniciativas de "fachada", com objectivos meramente políticos; perdoa dívidas e concede novos empréstimos às ex-colónias que quiseram tornar-se independentes e não oferecem quaisquer contrapartidas aos auxílios recebidos; só não consegue (ou não quer) disponibilizar verbas para pagar o que deve aos espoliados ultramarinos!
Oiça, Senhor Primeiro - Ministro!
O que se passa neste pais é uma bagunçada, uma  autêntica  rebaldaria. Todos os dias os órgãos de comunicação social divulgam casos espantosos de corrupção, alguns deles envolvendo departamentos e organismos estatais. Eles sucedem-se com urna rapidez galopante e um sincronismo inaudito. São escaramuças e troca de acusações entre membros do Executivo; é a "guerra" entre o super - ministro Cravinho e o presidente João Soares por causa da localização  do  futuro aeroporto de Lisboa; e o imbróglio da JAE, que tem  sido aproveitado para um indecoroso lavar de roupa pelos seus principais protagonistas; é a "bronca" da espionagem às movimentações de generais e almirantes, ordenada à secreta militar pelo ministro da Defesa e por este desmentida; é o mal-estar que o caso está a gerar no seio das Forças Armadas; foi a demissão do director da polícia Judiciária por desinteligências com o ministro da Justiça; é a ausência deste e do Procurador da República numa altura de grave crise da Justiça em Lisboa; é o pagamento ao Dr. Mário Soares de 65 mil contos pela produção de 13 programas para a RTP, programas esses sem qualquer interesse televisivo (como ficou inequivocamente demonstrado pelo insignificante índice de audiências alcançado nas primeiras “conversas”) servindo unicamente como "mãozinhas" ao PS a poucos meses das eleições legislativas; foi o desconchavo da atribuição de chorudas gratificações aos responsáveis máximos da Expo’ 98, cuja realização deu um prejuízo de mais de 67 milhões de contos; foi a falta de autoridade manifestada pelo Governo no problema das co--incinerações, ao recuar na execução dos projectos face às exigências das populações de Maceira e Souselas; foi o escandaloso "frete" ao grupo de Belmiro de Azevedo na negociata da Torralta, que lesou o Estado em milhões de contos; serão os milhões a gastar com as faustosas comemorações do  25º aniversário do 25/A, com fogo de artifício em todos os concelhos do país, o tradicional  bodo  de colares e medalhas a uma nova fornada de heróis pré-fabricados e outros luxos próprios da nossa mania da grandeza; foi a fantochada do estudo (ou projecto) do aproveitamento da euforia das comemorações para a promoção a general de Otelo Saraiva de Carvalho e Vasco Lourenço e a outros postos cimeiros da hierarquia de muitos oficiais que se consideram prejudicados pelo facto de terem contribuído para a “instauração da Democracia em Portugal"; é o descalabro que se adivinha para a nossa economia nas negociações a decorrer em Bruxelas no âmbito  da  "Agenda 2000", se vier a confirmar-se a perspectiva de uma substancial redução dos fundos estruturais; são as  vigarices  da Universidade Moderna, que envolvem muitíssimo dinheiro e várias individualidades que até agora gozavam de excelente reputação social; é o também  intrincado  caso "Partex",  no  qual o Estado se encontra seriamente comprometido e cujo desfecho se afigura imprevisível, dado o processo ser construído por 130 volumes e a juíza a quem ele foi distribuído já ter declarado que não tem possibilidade de Ihe dar andamento por falta de tempo; é a influência que se supõe existir por parte da Maçonaria no ambiente de intriga e suspeição que se vive nos bastidores da política, nos quais ela se infiltra com uma capacidade de manobra impressionante, dizendo-se mesmo que só no Governo estão 15 maçons, entre ministros e secretários de Estado !. É... foi... será...
Oiça, Senhor Primeiro--Ministro!
É tão vasto o rol de casos demonstrativos da rebaldaria a que diariamente assistimos, que se tornaria saturante, fastidioso, divulgá-lo em toda a sua dimensão. A situação é de tal modo caótica, que até o tenente-coronel Vasco Lourenço - que pouco ou nada deve à inteligência - se permitiu  declarar  ao diário "Público" o seguinte: "Uma das provas de que cometemos erros, é a classe política que Abril gerou". Só os cegos não conseguem enxergar a realidade. E só aqueles que não sentem na alma os efeitos da "exemplar descolonização" podem ver com bons olhos um Governo que votou ao desprezo centenas de milhares de pessoas que o próprio Estado ajudou a desgraçar, que se recusa a indemnizar as vitimas de esbulhos, embora já tenha reconhecido (pela boca do seu líder) que reconhece o direito ao ressarcimento.
É por isso que volto à carga: para lavrar o meu protesto contra a má-fé  usada pelo Estado na contestação ao pedido dos espoliados que recorreram ao Tribunal para receberem o que o Estado lhes deve. Corno afirmei no principio, ainda não li a contestação, mas desde já posso afiançar que um dos argumentos com que os réus pretendem contrariar os desejos dos autores assenta na seguinte redacção: "OS  PORTUGUESES  SAIRAM DE ANGOLA PORQUE QUISERAM, JÁ QUE O GOVERNO  PORTUGUÊS TINHA PROPICIADO CONDIÇÕES PARA QUE LÁ FICASSEM".
(Não   se   percebe porque razão o Governo colocou à disposição dos colonos navios e aviões - alguns deles fornecidos pela Rússia - para o seu dramático regresso às origens...)
Por hoje fico por aqui, com a promessa de voltar no próximo número, escrevendo direito por linhas entortadas pelos políticos que servem de esteio à bagunçada nacional. Para desforra dos espoliados ultramarinos desprezados, humilhados e vilipendiados pelos governantes. Para fazer sentir  ao  engenheiro Guterres a minha repulsa pela forma ofensiva como ele pretende extorquir a razão dos "retornados'. Não os ofenda mais, Senhor Primeiro -.Ministro!
VITORINO LOUREIRO
(In O  LOBITO  “  MARÇO DE  1999)