sábado, 4 de agosto de 2012

Na clandestinidade: Mboa escreve memórias da luta

07/12/2009

Na clandestinidade: Mboa escreve memórias da luta

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Matias_Mboa A HISTÓRIA da luta armada de libertação nacional está a ser reproduzida de varias formas, tal como o atesta Matias Mboa que ontem lançou o livro intitulado Memórias da Luta Clandestina.
Maputo, Terça-Feira, 8 de Dezembro de 2009:: Notícias
Antigo Combatente da Luta de Libertação Nacional, na clandestinidade, Matias Mboa, 67 anos, diz ser um velho que não conheceu a doçura da juventude e, talvez seja por isso, não sabe dançar.
Matias Mboa abraçou a então Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) no longínquo ano de 1963. Fugiu de Moçambique com Samora Moisés Machel, com quem frequentou a escolaridade, na então Lourenço Marques, hoje cidade de Maputo. De dia ia para o trabalho e à noite se dedicava à busca do conhecimento o que, confessa, não era nada fácil, até porque trabalhava muito e ganhava pouco.Ganhava 850 escudos, 350 dos quais pagava a escola, 150 a renda de casa e o restante valor para despesas correntes.
Interrogado sobre a partir de quando começou a interessar-se pela política, Matias Mboa respondeu que na década 50 nalguns países africanos como por exemplo o Congo e o Gana, entre outros, já despontava o espírito independentista e tudo ganhou consistência quando já na década 60 Eduardo Mondlane – arquitecto da unidade nacional – visitou Moçambique, ido das Nações Unidas.

Segundo Matias Mboa esta visita consolidou a sua amizade com Samora Machel, seu companheiro de “aventura” pois ambos passavam por dificuldades, sobretudo económicas. E quando saíssem da escola percorriam longas distâncias a pé e iam falando de várias coisas, de entre as quais a visita de Mondlane, os movimentos independentistas africanos, entre outras. Ao grupo juntou-se mais tarde Simeão Massango, hoje a residir na Alemanha, mas com pretensões de regressar à “Pátria Amada”.
Mboa contou que algum tempo depois recebeu uma convocatória para a tropa colonial. Foi difícil, mas acabou entrando para o curso de sargentos tendo feito o juramento de bandeira.
Mas porque o fim não era a tropa colonial Samora começou a trabalhar para a minha saída da tropa. Ele instruiu-me a fingir que padecia de tuberculose, tossindo a toda a hora. Levaram-me ao Hospital Militar para a radiografia tendo me sido identificado um foco residual na base direita do pulmão, a ser considerado de acordo com a história clínica, contou Matias Mboa, anotando que na verdade não possuía nenhum foco, mas que era uma acção de Samora apenas para o livrar da tropa colonial.
A partir de então, segundo acrescentou, foi declarado incapaz de todo o serviço militar e inapto para o trabalho
Porque o movimento independentista já lhe dominava, empreendeu uma fuga, juntamente com Samora, para a Suazilândia, via Zitundo. Com o apoio do príncipe local a quem tinham contado a sua “aventura”, conseguiram algumas facilidades tal como um salvo conduta para abandonarem aquele país, para o Malawi, como naturais, sob a alegação de terem terminado o seu contrato de trabalho.
Na fronteira Samora foi posto de lado. Chegada a minha vez também fui afastado. Mal falávamos o inglês, e não sabíamos nada da língua local do Malawi tendo o agente fronteiriço descoberto que nós não éramos malawianos, mas sim moçambicanos. Passamos por situações difíceis e fizemos alguns exercícios até chegarmos ao Botswana, referiu, lembrando que durante meses viviam de chá, sob intenso frio.
A aventura prosseguiu com o envio secretamente, de uma missiva para Eduardo Mondlane, informando-o da difícil situação em que se encontravam. Eduardo Mondlane respondeu que tinha conseguido uma boleia num avião fretado pelo ANC, com destino a Dar-es-Salaam. Uma vez na Tanzania tiveram um encontro com Mondlane que lhes perguntou qual era o seu objectivo.
Respondemos que queríamos estudar, mas Mondlane disse que os estudos tinham que ser conciliados com os treinos militares. Tempo depois Samora ficou como chefe da base de Kongwa e eu como chefe do material e de segurança. Tempos depois, Mondlane ordenou o meu regresso para o sul onde fui nomeado representante político da Frelimo, na Suazilândia. Como tal, a minha tarefa era de mobilizar os jovens na então cidade de Lourenço Marques, em Gaza e Inhambane, e recrutá-los para aderirem à causa da luta de libertação nacional disse, lembrando que não foi trabalho fácil pois a Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE) estava constantemente em alerta para neutralizar qualquer tentativa de se juntar à causa da Frelimo.
No sul e sob forte vigia da PIDE, Matias Mboa produzia panfletos difundindo a causa da Frelimo e bandeira desta organização e, por outro lado, criava células secretas da Frelimo.
Fazíamos este trabalho em todo o lado, incluindo dentro da PIDE. Era um trabalho de alto risco porque a PIDE, essa temível polícia repressiva colonial, estava sempre em alerta, contou.
Residindo na Suazilândia, Matias Mboa recebeu uma carta de um amigo – Joel Maduna Xinani, comissário político da quarta região militar, convidando-o a se deslocar para Maputo, na altura Lourenço Marques. Uma vez nesta cidade foi nomeado chefe da quarta região militar abrangendo Maputo, Gaza e Inhambane.
Confesso que estava sob binóculos da PIDE. Eu era vigiado. Foi assim que um companheiro que me ajudou juntamente com Samora a fugir de Moçambique correu para a PIDE denunciar a minha presença no país e incluindo a minha localização em troca de 200 escudos. Fui preso e torturado na cadeia da Machava. Fui julgado e condenado a sete anos de prisão e mais seis meses de medidas de segurança, acusado de prática de actos terroristas. Devo dizer-lhe que o meu irmão que se encontrava no seminário foi expulso sob alegação de que no sacerdócio não se queriam terroristas, sublinhou.

CUMPRIDA A PENA ... DE NOVO AO TRABALHO


Maputo, Terça-Feira, 8 de Dezembro de 2009:: Notícias
Matias Mboa referiu que o cumprimento da pena não foi coisa fácil pois, uma vez encarcerado era torturado pela PIDE. Porém ao sair da cadeira já estava “envenenado” pelo espírito nacionalista sendo que retomou muito secretamente as suas actividades. A correspondência com Dar-es-Salaam tinha que ser bem codificada para distrair a PIDE que sempre a violava. Nalgumas ocasiões foi chamado a explicar tais códigos.
Mas porque a intenção era Dar-es-Salaam voltou a empreender uma fuga juntamente com Jossefate Machel, abandonando o seu emprego no Banco Comercial de Angola.
Samora instruiu-me a regressar para o sul a fim de reassumir a chefia do sul do Save. Não tínhamos sede própria. Reuníamos em casas de amigos e a família Sumbane foi bastante prestimosa nesta matéria. Assim começamos a formar os grupos dinamizadores na clandestinidade e a mobilizar o povo para aderir ao objectivo da luta de libertação. Éramos muito fortes, referiu, vincando sempre que se trata de memórias constantes do livro que ontem saiu à rua.

E A VEIA DAS LETRAS?


Maputo, Terça-Feira, 8 de Dezembro de 2009:: Notícias
Comecei a escrever estas memórias ainda na cadeia, na cela oito, inspirado por Luís Bernardo Honwana, figura com a qual partilhei vários anos nas masmorras da PIDE.
Segundo Mboa, este é o primeiro livro a ser publicado, mas muitos outros virão.
Interrogado sobre a quem dedica o livro, Matias Mboa fez saber que a sua esposa nasceu a 7 de Dezembro e a título póstumo decidiu homenageá-la.
É a ela que dedica esta obra, em reconhecimento de tudo quanto foi para mim, disse.
A capa do livro é da autoria de Malangatana Valente Nguenha e tem dois significados: a primeira bala disparada pela Frelimo no início da luta armada de libertação nacional e dos moçambicanos na clandestinidade, desarmados ante um inimigo fortemente armado.
O lançamento do livro de Matias Mboa contou com o patrocínio exclusivo da empresa Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM).

Comments


1
Carolina Dellamore said...
Como faço para comprar o livro de Matias Mboa no Brasil?

2
mussandipata said...
Vou comprar o livro!
Só por um motivo:-ter sido africano REALISTA, e não acreditar que comunismo tivesse algum dia lugar em África!
Porque é que não aparece na Oposição???Na luta pela instauração democrática!!!
É um cidadão muito válido, mas...
ainda que tenha dúvidas como conseguia enganar a PIDE!!!
Então é astuto...e isso demonstra inteligência!!!
Tem o meu apoio e admiração pelos princípios nacionalistas!!!

3
alberto said...
O livro de matias mboa demonstra a injustica a que muitos combatentes clandestinos contra o colonialismo foram sujeitos pela propria frelimo. Mbo, amigo pessoal e companheiro na fuga, nos treinos etc foi depois mantido preso pelo proprio samora durante 5 anos só porque não aceitou o comunisno e tido como vacilante por que nunca conheceu o que é a luta clandestina e muito menos ser preso político. Mais tarde samora pediu-lhe desculpas em como nao sabia que fora preso! Quem pode acretitar nisto? Como é que pode passar mesmo um ano sem saber a situacao daquele que foi seu companheiro em todas as fases da vida? Esperemos pelo outro prometido livro de Matias Mboa.
Obrigado Matias Mboa pela coragem que continua tendo e agora para a reposicao da verdade que tanto falta neste país.
Deus lhe dê mais saude. Creio que o teu livro suscitou-te inimigos que tudo farao para te abater a razao, desacreditando-o.
É destes mocambicanos nao lambe botas que Mocambique precisa.
Boas festas

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