terça-feira, 7 de agosto de 2012

Moçambique Pre-Colonial













Em 1975, ano da Independência de Moçambique, o Fundo de Turismo, órgão do novo governo do país, fez publicar, para difusão internacional da imagem das nações que se livravam do jugo colonial europeu e que formavam um                Estado             soberano,               o       trabalho              Pequena    História        de Moçambique                    Pré-Colonial,                produzido      pelo                           escritor moçambicano A. Rita-Ferreira.


Esse          trabalho              me        foi        entregue                    como          a       outros jornalistas    quando  de  uma  de  minhas  estadas   em Maputo, outrora Lourenço Marques, capital de Moçambique. Impossível de publicar em jornal, na época, guardei-o e cumpro a promessa antiga, divulgando-o quase trinta anos adiante, neste espaço cultural.


José Luiz Pereira da Costa, 2005






































































Por A. Rita Ferreira



















Fundo de Turismo de Moçambique
1975, Ano da Independência











INTRODUÇÃO


Embora de diversa proveniência e qualidade, é relativamente abundante a  documentação   ao   dispor   dos   estudiosos   que   procuram   dedicar-se   à historiografia de Moçambique. Mas para que possa ser convenientemente aproveitada        torna-se       indispensável   o seu             conhecimento        com      suficiente pormenor. Como também exige cuidadosa ponderação e infinita paciência quer a identificação dos elementos supérfluos e indignos de confiança quer a particularização         das                          informações        respeitantes    aos        agrupamentos       étnico- linguísticos tradicionais.
O escopo e as limitações tipográficas  desta pequena compilação  não permitem que seja aqui incluída a numerosa bibliografia em que se baseou. Por isso sugerimos aos leitores interessados a consulta da nossa «Bibliografia Etnológica   de   Moçambique»,              embora   compreenda   apenas   os                trabalhos editados até 1954. Poderão, no entanto, encontrar referências mais modernas no final das «Memórias do Instituto de Investigação Científica de Moçambique», série C, n.— 8 e 11, respectivamente de 1.966 e 1974, onde se encontram publicadas duas monografias  da nossa autoria. Também contêm referências bibliográficas fundamentais outras duas obras nossas que se encontram já em fase de impressão: «Moçambique e o Complexo Mutapa-Rozwi» e «Povos de Moçambique (História e Cultura) ».
Influenciados        pela      orientação       da      moderna       historiografia        africana, concedemos especial atenção aos elementos até ao presente apurados sobre as circunstâncias em que, numa evolução iniciada há cerca de dois mil anos, os bantos iniciaram o povoamento desta parcela do continente africano e se diversificaram  tanto  cultural  como  linguisticamente  embora  mantendo  um inegável substrato comum. Nesta tarefa muito fomos auxiliados pelos escritos do já considerável número de eruditos, tanto moçambicanos como estrangeiros, que, em épocas  mais recentes,  vêm procurando,  por métodos sistemáticos,






objectivos e intensivos, reconstituir o passado dos povos africanos.

A dependência em relação à bibliografia publicada, deu como resultado que as vicissitudes histórias sejam, de um para outro grupo étnico-linguístico, desenvolvidas com desigual relevo. Pode, por conseguinte, acontecer que etnias de somenos importância sejam tratadas mais desenvolvidamente do que outras de  maior  peso  demográfico.  Mesmo  assim,  no  que  concerne  àquelas  cuja história é deficientemente conhecida, evitámos dispersarmo-nos em pormenores irrelevantes. Mais útil e honesto nos pareceu evidenciar a escassez e superficialidade das informações disponíveis e, dessa maneira, estimular os futuros investigadores a concentrar nelas a sua atenção. Concomitantemente, os relatos  mais  desenvolvidos  respeitantes  a etnias  que hajam  sido  objecto  de estudos sérios e profundos terão a vantagem de permitir que os potenciais pesquisadores efectuem confrontos e melhor saibam reconhecer os aspectos que mereçam prioridade de esclarecimento.
Terminaremos com algumas informações práticas:

a) Usamos a palavra «império» para designar um aglomerado de etnias, cultural e linguisticamente diversificadas, compulsivamente reunidas sob a égide de uma monarquia centralizada. Teremos assim «Império de Gaza», «Império Marave»,        «Império       do      Mwene       Mutapa»,        etc.       Preferiremos        o      termo
«confederação»,  quando  nessas  grandes  unidades  políticas  diminuir  o inicial grau de coesão, actuando com maior ou menor independência os seus diversos componentes, embora continuando a reconhecer a supremacia do original poder unificador. Quanto ao termo «nação» reserva-lo-emos para os aglomerados políticos que unificaram tribos de idêntica língua e cultura ou assimilaram efectivamente  dentro da sua orgânica numerosos elementos provenientes  de outras etnias, como, por exemplo, a «Nação Swazi».
b) Dentro de cada subgrupo, a mudança de assunto é marcada por um intervalo maior entre os parágrafos, assinalado no centro por um asterisco.
c) Na ortografia dos vocábulos africanos procurámos respeitar, mutatis mutandis, as recomendações da reunião ecuménica realizada em Lourenço Marques  de  23  a  24  de  Outubro  de  1968,  com  a  presença  dos  distintos






linguistas  Professores  Baumbach  e  Marivate.  Embora  se  concentrasse  no Ronga, foi este, tanto quanto sabemos, o primeiro esforço colectivo válido para resolver aquele problema complexo e até então oficialmente ignorado.
As inovações mais importantes para os luso fofos dizem respeito à utilização exclusiva do x para representar essa fricativa. O h fica reservado para os sons aspirados e, dessa maneira, desaparece o ch. O som nasal nh passa a ser representado por ny. Recorre-se também à consoante k e à semi-vogal w.
O AUTOR






CAPÍTULO I


O POVOAMENTO BANTO E A IDADE DO FERRO



Em Moçambique a arqueologia está longe de atingir desenvolvimento científico tal que autorize a formulação de hipóteses sobre a cronologia da idade do ferro e do povoamento banto a ela associado.
Entre os estudiosos locais é justo destacar O. Roza de Oliveira, que tem investigado, mas, ao que supomos, sem conseguir obter datas pelo rádio- carbono, numerosas jazidas contendo restos de olaria e de fundição de ferro, espalhadas por vasta área da actual Província de Vila Pery.
Mais recentemente, em 1967, o Centro de Estudos de Arqueologia da Associação Académica de Moçambique efectuou algumas escavações no litoral do Sul do Save e nos vales dos rios Umbelúzi e Movene. Até ao seu encerramento, em 1970, foram publicados cinco números de um boletim policopiado, contendo os números 2 e 3 algumas referências à Idade do Ferro e ao povoamento ao longo do litoral.
Estas        carências         apenas         permitem       extrair       ilações         sem       sólidos fundamentos   como   as  que   se  baseiam   nas   pinturas   rupestres   do   tipo esquemático, descritas por J. R. dos Santos Junior e outros autores, pinturas semelhantes às existentes na Zâmbia, e que, como estas, se encontram provavelmente associadas a povos da Idade Antiga do Ferro.
Para não deixarmos o público mergulhado em completa ignorância sobre este assunto, temos, por conseguinte, que recorrer às investigações levadas a efeito nos países vizinhos por qualificados arqueólogos.
Visando         encurtar        esta        introdução,         concentrar-nos-emos            quase exclusivamente na metalurgia e, em parte, na olaria, abstraindo - sem deixar aqui de acentuar a sua importância-os dados relativos à dispersão da criação de gado, à origem das plantas alimentares pré-gâmicas, etc. Também não desenvolveremos aqui os obstáculos levantados a estas migrações humanas e animais por doenças terríveis como as tripanosomíases.






ZÂMBIA


É em Machili, na parte zambiana do Kalahari, que foi encontrada a mais antiga estação da Idade Antiga do Ferro em toda a Africa Austral, com a datação de 96 - 212 d. C. Revelou  apenas  armas  e utensílios  simples:  pontas  para flechas e lanças; algumas facas, machados e enxadas.
Um  interessante  sítio  da  Idade  Antiga  do  Ferro  foi  descoberto  na Província Oriental da Zâmbia, em Makwe, abrigo rupestre perto da fronteira com Moçambique. A olaria a ele associada tem menos afinidades com a sua contemporânea  da  restante  Zãmbia  do que  a típica  da Africa  Oriental  e da cultura ziwa da Rodésia e de Moçambique.
J. O. Vogel obteve provas da Idade do Ferro, datadas do séc. VIII, na camada mais antiga do sítio de Simbusenga, no Distrito de Kalomo, na Zâmbia meridional.
Mais recentemente, D. W. Phillipson escavou, na mesma região, os sítios de Thandwe, Kalamba e Kamnama. Principalmente neste último deparou com grande quantidade de olaria semelhante à de Nkope, no Malawi, e, ainda, com provas de trabalho em ferro datadas do III ao V séculos d. C.
Entre as três tradições cerâmicas da Idade Recente do Ferro definidas por aquele autor, interessa-nos especialmente a de Luangwa, que se estende pelo Distrito de Tete, ao norte do Zambeze. É uma tradição unificada, tanto em formato como em decoração, com pequenas variações regionais, espalhada por vasta  área  e da  exclusiva  responsabilidade  feminina.  As datações  de  maior confiança apontam o início do presente milénio. Tudo indica que está associada a um substancial movimento populacional, envolvendo indivíduos de ambos os
sexos.

Nada  revela  que  após  aquela  data  tenha  ocorrido  qualquer  advento maciço de novos emigrantes. Parece provável que as migrações ulteriores tradicionalmente  atribuídas  a  povos  inteiros,  se  hajam,  em  boa  verdade, restringido a um número relativamente  reduzido de aristocratas oriundos dos estados  centralizados  que  se  formaram  no  Sul  do  actual  Zaire,  e  que conseguiram  impor-se  aos  autoctones  constituindo  unidades  políticas  mais






vastas  e complexas  do que as do tipo clânico  ou tribal. Neste  processo  de dominação e formação estadual, os Impérios de Kalonga e Undi parecem ter sido fundados em data mais recuada do que os seus congéneres Bemba, Bisa e Kazembe.
De  todos  os  povos  de  tradição  luangwa,  os  Nsenga  foram  os  que retiveram por mais tempo as características  iniciais de fragmentação política, posteriormente reduzidas pela dinastia dos Undis.

RODÉSIA


Deixando de lado a enigmática cerâmica de Bambata, não associada a actividades   metalúrgicas,   são  pelos  arqueólogos   designadas   por  Ziwa  e Gokomere as mais antigas culturas da Idade do Ferro encontradas entre o Zambeze, o Save e o Alto Limpopo. Ambas conheciam a mapira, a mexoeira, alguns amendoins e cucurbitáceas. Possuíam rebanhos de ovinos, caprinos e bovinos. Podem considerar-se contemporâneas.
Os povos de cultura Ziwa estendiam-se pelo Barué, por Manica e pela região oriental da actual Rodésia. Fabricavam uma cerâmica com bordos requintados e com decoração em caneluras. Além do ferro exploravam o ouro, incitados decerto pelos mercadores asiáticos e indonésios que já percorriam a costa oriental.  Foi encontrado  arame  e até um pedaço  de lingote  de cobre. Deparou-se numa dessas explorações com uma moeda romana de António Pio (138-161 d. C.). Construíam nas encostas terraços de cultivo. Os esqueletos são do tipo negroide com larga misceginação bosquimanoide.
Embora em Mabveni se haja obtido a data de 180:±-- 120 d. C., a cultura gokomere parece coincidir com o Período I do Zimbabwe (320 ± 150 d. C.). Entre os seus achados arqueológicos (séc. VI e VII) aparecem, provenientes do litoral, conchas marinhas e miçangas tubulares azuladas de origem indiana. Exploravam e trabalhavam, embora sem carácter intensivo, o ferro para armas e utensílios,  o cobre  para confecção  de ornamentos  e o ouro  para efeitos  de exportação. A sua cerâmica era menos aperfeiçoada do que a que caracterizava os povos ziwas.






Em Malapati, no Rio Nwaneti, no extremo sudeste da Rodésia, foi investigada por Robinson uma estação da Idade do Ferro que produziu uma data do último quarto do primeiro milénio d. C. Olaria semelhante à de Malapati foi descoberta no norte do Transvaal.
R.   Summers          interpreta   as   provas   puramente   arqueológicas   como indicando para estes proto-bantos da Idade Antiga do Ferro uma rota migratória comum  vinda  do Sul do Malawi  ou do Norte  de Moçambique  ou, ainda,  da Tanzânia. Depois de subirem o vale do Zambeze, ter-se-iam bipartido perto da actual Tete. Esses ramos meridional e setentrional estariam na origem das diversas culturas rodesianas  e zambianas da Idade Antiga do Ferro. A zona persistentemente infectada de triponosomíases, alongando-se pela grande escarpa do Zambeze e tornando impossível a intercomunicação,  explicaria a ulterior evolução independente dos dois ramos.
É curioso notar que outros arqueólogos, C. K. Cooke e A. R. Willcox, baseados em parte nas pinturas rupestres, sugerem uma rota também de proveniência nordestina e passando por Tete, para os pastores de ovinos que vieram a ser designados por Hotentotes.
Na região ocidental da Rodésia atingindo a Botswana e ultrapassando mesmo o Limpopo, instalaram-se, nos fins do 1.0 e princípios do 2.° milénio novos imigrantes da Idade do Ferro, possivelmente xonas, que, misceginados com o povo gokomere, deram origem à cultura de Leopard's Kopje. É a cultura mais estreitamente associada à mineração: extraíam o ouro para exportação e o cobre             para   confecção           de                       adornos.            Na          sua         olaria                   aparecem                        figuras antropomórficas  e  zoomórficas  e  vasos  de  bojo  com  gargalos  direitos  ou concavos, decorados com cristas de barras onduladas ou com linhas traçadas em ângulo. As suas povoações eram construídas quer em vales bem irrigados quer em colinas rochosas de serranias. Em Tafuna Hill, P. Garlake colocou nos séc. VIII ou IX um local associado à primitiva mineração aurífera. Também conseguiu recentemente, em Leopard's Kopje, três datas da Idade Recente do Ferro, que vão dos séc. IX a XI. Já das suas escavações nos amuralhados de Nhonguza e Ruanga se inferem datas de construção situadas nos séc. XV e








XVI.



No grande Zimbabwe - depois da falha de ocupação que se seguiu ao



desaparecimento da cultura gokomere (Período I) - surge outro povo da idade do ferro, o xona, que se espalhou por vasta área e que naquele local constituiu o Período II dos arqueólogos, cujo estádio final foi datado de 1705 ± 150 d. C. Na sua cerâmica, irregular e mal cozida, há vasos em forma de cabaça, sem decoração, bem como tigelas hemisféricas. Desconheciam o polimento com grafite. Aparecem estatuetas humanas estilizadas e modelações naturalistas do gado.

MALAWI

Quanto ao Malawi interessa-nos em especial o sítio de Nkope Bay, no extremo sul do Lago Niassa, que acusa três datas assás recuadas 360:±- 120,
370 ± 60 e 775 ± 100 d. C. Mais recentemente restos da Idade do Ferro encontrados na confluência dos rios Mitongwe e Liwadzi foram datados dos séc. II  e  III.  Os  ocupantes  fundiam  o  ferro  e  conheciam  o  cobre.   evidência escassa mas suficiente de que praticavam a agricultura, embora a caça e a pesca  constituíssem  a principal  actividade.  A sua olaria  apresenta  variações regionais com alguma semelhança com o estilo gokomere. Não há provas de que dispusessem de gado, mesmo caprino ou ovino. Em 1970 encontrou-se no local uma miçanga  azul e parte de uma concha marinha, sinais seguros  de contactos com o litoral, possivelmente por via de tribos intermediárias. No Alto Chire, em Matope Court, fixaram-se duas datas do séc. VII e IX.
Ainda no Sul do Lago Niassa a olaria encontrada nas colinas de Kapeni e Nkhombwa foi datada, respectivamente, de 1235±75 e 1375 ± 75 d. C. Com raras excepções era geralmente de argila impura e acabamento grosseiro. Em Matope Court dois locais da Idade Recente do Ferro abrangem os séc. X-XI e XIII-XIV.
Os achados de Mawudzu e Mawuduzi, também no extremo sul do Lago Niassa,, já se reportam ao séc. XV e pertencem ao período marave, mais propriamente ao ramo nyanja. Estão claramente relacionados com a tradição






luangwa, da Zâmbia e do norte da Província de Tete.

K.  R.  Robinson,  com  base  nas  provas  arqueológicas,  aventa  que  na actual região do Malawi os primeiros imigrantes da Idade do Ferro vieram do norte, por ambas as margens do Lago Niassa, utilizando alguns deles canoas como meio de transporte e recorrendo à pesca para obter parte da sua alimentação.
O mesmo autor - baseado na tradição gokomere dos achados cerâmicos de Nkope (Malawi) e de Dambwe (Zâmbia) -julga provável que variantes daquela cultura se hajam espalhado pelo vale inferior do Chire e pelo Baixo Zambeze. Considera de vital importância o estudo arqueológico da região entre o Lago Niassa e o Oceano.
A cerâmica Nkudzi, também no extremo meridional do Lago, acusa influências  bisas,  do  longínquo  Nordeste,  sugerindo  provável  origem  Luba- Lunda.  É  tentador  imaginar  que  as  relações  estilísticas  entre  a  arte  destes últimos povos e a dos Makondes tenham seguido esta rota. Recordemos que a tradição destes últimos afirme serem os seus antepassados oriundos da citada região lacustrina, tendo atingido o planalto pelo vale do Lugenda.

ÁFRICA DO SUL


As datações obtidas por Mason e Van der Merwe nas explorações de ferro e cobre de Phaloborwa, no Transvaal Oriental, vão de 770±80 a 1000±60 d. C. Bambandyanalo, importante centro do curso superior do Limpopo, acusou datas posteriores, 1050±65 d. C. Na mesma região transvaliana, P. Baumont e M. Schoonraad descobriram material da Idade do Ferro de 1210±80 d. C. Con- tinha utensílios de ferro e cobre, conchas cauris e ossos de bovinos.
Tudo leva a crer que muito antes dos meados do primeiro milénio d. C. o actual território do Transvaal fosse já largamente ocupado por povos pastores e agricultores da Idade do Ferro, conhecedores de olaria. Parece igualmente irrefutável  que  a  domesticação  de  animais  e  a  fabricação  de  olarias  se espalharam entre os grupos bosquimanos e hotentotes mais em contacto com os imigrantes bantos.






B. Fagan aventa que, junto daquele centro, na colina de Mapungubwe de ocupação talvez mais tardia, a primitiva população do tipo físico khoisan adoptou a cultura material e quiçá mesmo a língua dos primeiros invasores bantos, portadores do ferro, de olaria, da agricultura e da criação de gado. Contudo, pelo seu reduzido número, rapidamente se misceginaram com os autóctones.
Importante para apreciar as prováveis intrusões entre os Tsongas do Sul de Moçambique é o facto do arqueólogo J. F. Schofield aventar a origem sotho da olaria que designa por M 2., olaria que tem ligações com as regiões setentrionais  e  meridionais  de  cordilheira  do  Zoutspansberg,  nesta  última decerto  associada  às  actividades  mineiras  e  às  construções  líticas  daquele grupo étnico que lutava com falta de material vegetal. De qualquer modo, os ocupantes que nos séc. XIV e XV passaram a explorar as requizas do território atravessado pelo curso médio do Limpopo, sobrepuseram-se a povos bantos mais primitivos,  cuja  cultura  material  apresenta  afinidades  com a dos povos meridionais. É fora de dúvidas que os Sothos já ocupavam o Transvaal central no séc. XI.
No que concerne o Natal, O. Davies obteve finalmente uma datação da Idade Antiga do Ferro: 1050±40 d. C. Afigura-se importante citar que J. F. Schofield atribui aos Lalas o tipo de olaria que designa por NC-3 (radicalmente diferente da fabricada pelo grupo Nguni). Tanto J. H. Soga, que aventa a origem Karanga desses Lalas, como A. T. Bryant, que os considera como uma amál- gama Tsonga-Nguni, reconhecem a sua directa proveniência setentrional.
Uma maçaroca de milho encontrada em Border Cave, no Natal, deu uma data surpreendente recuada (1450±45).
Bustos       de   terracota   descobertos            por   R.   Inskeep,   em   Lydenburg, Transvaal, produziram uma data dos séc. V e VII.

SUAZILÂNDIA

Em Castle Peak, na Suazilândia Ocidental, Beaumont encontrou uma estação com olaria de tipo distinto e alguns utensílios de ferro associados com outros da Idade Recente da Pedra. Restos carbonizados permitiram remontar






estes achados ao surpreendente período do IV ou V século d. C. Duas determinações mais recentes, feitas pelo mesmo autor, confirmaram aquela data recuada.



Os linguistas são unânimes em admitir que os idiomas bantos têm origem assás recente e que os povos que os empregaram se devem ter expandido com celeridade, já que a sua larga dispersão geográfica coincide com um grau relativamente reduzido de diferenciação. Supõe-se, por isso, que se registou, entre eles, uma «explosão  demográfica»  que os teria levado  a suplantar  os aborígenes pré-bantos e que só pode sustentar-se graças à introdução e cultivo de novas e variadas plantas alimentares.
Um desses linguistas, o Prof. M. Guthrie, depois de comparar cerca de

200 línguas bantos, descobriu 2300 palavras com raízes comuns. Quinhentas dentre elas encontram-se distribuídas por toda a África Banto, mas em percentagens      diferentes          em         cada      língua. As           mais      altas      percentagens encontram-se numa região que forma uma elipse estreita e longa desde a foz do Congo até à foz do Rovuma, com o centro no país Luba, ao norte de Catanga. Esta elipse situa-se numa região não coberta de floresta tropical, mas com predominância  de  arvoredo  aberto,  dispondo  de  500  a  1000  mm  de chuva, percorrida por bastantes cursos de água, região ideal para a cultura da mapira e mexoeira, com abundante caça e pescado e com um centro invulgarmente rico em minerais, especialmente ferro e cobre.
Qual a causa desta explosão demográfica que deu origem à expansão banto?  Tudo  indica  que  seria  a  chegada  à  África  Oriental  dos  Indonésios, durante  o  início  da  Era  Cristã,  após  colonizarem  Madagascar.  Além  dos xilofones, da «mbira», das canoas de balanceiro e de outras invenções, foram com todas as probalidades  os introdutores  de certas culturas alimentares  de origem  asiática  como a bananeira,  os inhames,  o arroz  de sequeiro  e, pro- vavelmente, o coqueiro e a cana de açúcar. Podemos ter como certo que, por essa época, o litoral era já ocupado por povos cultivadores em número suficiente para  absorver  os  estrangeiros  e  capazes  de  tirar  proveito  daquelas  novas






plantas alimentares. Esses aborígenas eram já os antepassados dos Bantos, que, graças a esses novos recursos, se expandiram  rapidamente  no sentido norte-sul. A região dos Grandes Lagos ofereceu-lhes condições excepcionais para a cultura da bananeira.
Assim, a expansão banto seria um processo cumulativo e repetitivo em que excessos             populacionais              gerados          pelas                         condições   excepcionalmente favoráveis  da região luba tivessem sido constantemente  centrifugados,  numa sequência infindável de migrações, conquistas e absorções.
Em 1971,  outro linguista,  o Prof. A. T. Cope,  depois  de comparar  as hipóteses  de  C.  M.  Doke  e  de  M.  Guthrie,  propos  uma  «classificação consolidada das línguas bantos» em que procurou traçar um paralelo entre os centros históricos de origem e os centros geográficos da classificação. Recorreu, para o efeito, às diferentes percentagens de «raízes gerais» encontradas em vinte e oito línguas de prova, das quais apenas as seguintes interessam directamente a Moçambique:

Bemba ..................................................... 54% Swahili ..................................................... 44% Zezuru (Xona) ......................................... 37% Nyanja ..................................................... 35% Ajaua (Yao) ............................................. 35% Venda ...................................................... 30% Zulo ......................................................... 29%

Transformou  estas  percentagens  nos  índices  de  expansão  que  se seguem:

         + 50%= 0

         + 45%= 1

         + 40%= 2

         + 35%= 3

         + 30%= 4

         + 25%= 5






         + 20%=6

         + 15% = 7






CAPITULO II COMERCIANTES E NAVEGADORES ASIÁTICOS NO OCEANO ÍNDICO



Complexos        são      os     problemas       que     levanta      o     estudo      do      secular intercâmbio comercial mantido pela África Oriental com a Indonésia, a índia, a China, a Arábia e a Pérsia. Apenas modernamente  foi possível esboçar, em bases científicas, a historiografia desse fenómeno. Para tal contribuíram a etno- botânica,           a             etno-musicologia,         as        escavações           arqueológicas,              a       revisão sistemática dos escritos persas, árabes e chineses, e , enfim, outros métodos de rigor incontestável.
O início da extracção aurífera no planalto interior e a fundação de Sofala, possivelmente no séc. VI, tanto podem relacionar-se com a grande expansão persa dirigida pelos Sassanidas (226 a 640 d. C.), durante a qual a arte da ourivesaria   atingiu                                    admirável       desenvolvimento,        como   com        o   progressivo esgotamento das minas de ouro de Mysore, no sol da índia, iniciado no séc. IV. Mas foi em 570 d. C., com a ocupação do Iemen, desde há séculos familiarizado com a costa oriental africana, que os Sassanidas passaram a beneficiar, em regime quase exclusivo,  dos bens dali provenientes  (escravos,  ouro, marfim, madeiras aromáticas, etc.).
Foi com a ascensão dos Califas Abassidas em 750 d. C. e a transferência da soa capital para Bagdad que se acelerou o comércio marítimo propriamente islâmico.  A  revelação  do  segredo  das  monções  e  a  difusão  das  invenções técnicas dos chineses, sobretodo da bússola, contribuíram para a intensificação do  tráfego  marítimo  no  Oceano  indico.  Difundem-se  pela  costa  oriental  as plantas de origem asiática: bananeira, inhames, coqueiro, mangueira, cafezeiro, citrinos, cana de açúcar e diversas variedades de arroz. A esta expansão se deve o regresso aos circuitos comerciais do ouro acumulado pela índia durante o domínio romano, ouro que os Sassanidas converteram em moeda.
Posteriormente, os Árabes de Oman, já desligados do Califado no Séc.






VIII, empreenderam uma expansão política e mercantil, apoiada por feitorias nos litorais africano e industânico. Al-Massudi descreveu a rota de alto mar seguida pelos pilotos persas para atingirem Zanzibar e Sofala, sem dúvida utilizando já a orientação pelas estrelas. Foi o primeiro a fazer referência às navegações dos Indonésios para Madagáscar e para a costa oriental africana, navegações que parece terem tido o seu início nos primeiros séculos da Era Cristã. Visitou Sofala em 926 d. C.
A emigração, para Quilua, do príncipe Ali bin Sultan el Hassan, filho do Sultão  de  Xiraz  e  de  uma  escrava  negra,  parece  ter  tido  lugar  em  975. Começam a abundar as referências escritas aos povos sitos ao Sul de Cabo Delgado. Al-Baruni alude a Sofala, no princípio do Séc. XI. Al-Idrisi presta interessantes informações cerca de 1154 d. C.
Mogadiscio,         grande        entreposto       omanita       na      costa        da       Somália, monopolizou durante séculos a vasta produção aurífera escoada por Sofala. No Séc. XIII veio este cobiçado monopólio a cair em poder dos Sultões de Quilua. A ele se deve, sem dúvida, a época de grande prosperidade comprovada pela arqueologia. Recentemente foi encontrada no Grande Zimbabwe uma moeda cunhada em Quilua, provavelmente no início do Séc. XIV. A independência de Sofala, proclamada talvez no séc. XV, contribuiu decisivamente para o declino daquela cidade árabo-persa.
Os Chineses parece haverem reatado a frequência regular do Oceano indico no período do terceiro imperador Ming (1403-1424). Teve lugar na década de 1430 o último dos grandes comboios anuais de juncos que passavam seis meses na costa oriental africana adquirindo escravos, ouro, marfim, holutúrias, peles de leopardo, carapaças de tartaruga, chifres de rinoceronte, etc. De importante significado e apreciadas pelo próprio imperador seriam as girafas, consideradas como animais celestiais.
Por  seu  lado,  os Sultões  abastados  e belicosos  da dinastia  Nabhani, então reinando em Oman, lançaram-se em acelerada expansão territorial, sendo o limite meridional dos seus domínios constituído pelas minas de Quirimba. A sua  supremacia  estendeu-se  de  1350  a  1500.  Kitab-al-Raude  (1461  d.  C.)






refere-se às exportações de Sofala e ao facto dos Omanitas, fixados em Madagáscar, terem transportado para ali largo número de escravos de origem macua.
O período que se seguiu deve a sua importância política e económica ao facto            dos          Portugueses                 haverem                             dominado    os                       Sultanatos                   do     litoral      e monopolizado o tráfego comercial do Oceano indico. Este período coincidiu com uma longa série de movimentos migratórios (Zimba Nyika, Seguejo, Gala) que modificaram por completo o facies do «interland». Foram responsáveis não só pela destruição de Quílua e outros estabelecimentos, mas também pelo corte de relações comerciais com o interior, corte que arruinou os entrepostos costeiros e os colocou sob maior influência islamita.
O crescente  poder marítimo dos Árabes de Oman deve considerar-se responsável  pelo rumo tomado pelos acontecimentos  e pelo lançamento  das fundações da cultura litoral tal como existe presentemente. É que, após a conquista persa de Ormuz, em 1632, seguida da expulsão das pequenas guarnições portuguesas da costa de Mascate, os Omanitas conseguiram transformar-se numa potência naval de primeira ordem só ultrapassada, no Oceano indico, pela Inglaterra e pela Holanda. Os estabelecimentos costeiros colonizados  pelos «antigos árabes» foram ocupados ou submetidos  por esta vaga de «novos árabes». O predomínio dos Omanitas prolongou-se por mais de dois séculos, acentuando-se depois de 1832 quando o Sultão Seyid Said mudou a sua capital de Mascate para Zanzibar.
Por todo o litoral e interior do sudeste africano há incontestáveis provas desse intenso comércio milenário com os asiáticos. Em Ingombe Ilede, perto da confluência   do  Zambeze  com  o  Kafuè,  os  arqueólogos   depararam   com abundantes  testemunhos  desse  tráfego,  que  deu  origem  a  uma  época  de invulgar prosperidade nos Séc. XIV a XVI e que culminou com a importação de tecidos de Cambraia e o fabrico e obtenção de jóias e ornamentos de ouro. No vale do Limpopo, outro grande centro de comércio com o litoral, Mapungubwe, revelou opulência não inferior à de Ingombe Ilede.
Inúmeros  são  os  vestígios  deixados  também  entre  as  populações  de






Moçambique por esta milenária actividade asiática. Os Persas e sobretudo os Árabes deixaram, naturalmente, mais profundas marcas. Além da islamização dos habitantes do litoral norte e de parte dos Ajauas (Yao) - a eles se deve a importância considerável assumida pelas actividades mercantis e marítimas. As plantas alimentares introduzidas pelos asiáticos, além de evidentes benefícios nutritivos, vieram incrementar as trocas comerciais. Mas foi em relação às embarcações que a sua tecnologia forneceu maior contributo, como revelam os estudos de A. Vieira e A. R. Moura.
A  dispersão  pelo  interior  das  inovações  tecnológicas  trazidas  pelos asiáticos  devem  as  doenças  tropicais  ter  oposto  grandes  obstáculos.  É  de atribuir, por exemplo, à presença das tripanosomíases o facto de não haverem conseguido introduzir na costa oriental africana alguns dos milhões de cavalos que, durante séculos, exportaram através de Siraf para os territórios banhados pelo Oceano indico.
Pode aventar-se,  como hipótese  de trabalho,  que, para o sucesso  da colonização dos Omanitas na África Oriental, contribuiu o facto da malária ser doença endémica no seu país de origem, como tal lhes conferindo acentuada imunidade natural.






CAPÍTULO III
OS POVOS DO SUL DO SAVE



Os povos hoje chamados Tsonga, Chopi e (Bi)-Tonga, são produto de diferentes experiências históricas, essenciais para a compreensão da presente distribuição étnica no sul de Moçambique. Os Portugueses cedo distinguiram três grupos totalmente diferenciados no Sul do Save. Também os Holandeses que ocuparam a Baía do Espírito Santo, de 1721 a 1730, teriam relatado que os Rongas se consideravam distintos tanto dos «(Bi)-Tongas de Inhambane» como os «Okarangue» termo claramente derivado de Karanga, donde, como veremos, os Chopes são em parte oriundos. Especialmente valiosa é a obra de Augusto Cabral sobre os povos do distrito de Inhambane, que também singulariza os três grupos referidos. Realça, igualmente, as referências históricas contidas na introdução do Pe. L. Feliciano dos Santos à sua gramática da língua chope.
A  propósito  do  Sul  do  Save  é  conveniente  relembrar  também  as conclusões  atingidas  pelos  arqueólogos   que  se  têm  debruçado  sobre  o fenómeno  do povoamento  humano na África Austral. Esses proto-bantos,  da Idade do Ferro A, atravessaram o Limpopo, no planalto central, no início da Era Cristã. É pois lícito fixar a chegada dessa população primitiva, que temos designado  por  Khokha,  em  data  ligeiramente  posterior.  Recordemos  que  os povos da Idade do Ferro e da Cultura Gokomene, ocuparam o local do Grande Zimbabwe nos séculos iniciais da nossa era e que já então usavam miçangas importadas. Por outro lado as investigações serológicas do Dr. Elsdon-Dew também permitem defender a antiguidade dos nossos proto-bantos.
É de supor que deles sejam directamente  derivados todos os clãs da região chope que conservam, como «donos do país», funções rituais ligadas às preces pela chuva: Mrori, Marane, Bhila, Buke, Ndengo, Lwe e talvez Nyapure. Todos eles admitindo a superioridade dos invasores Loyi em matéria de metalurgia, embora seja duvidoso que se tratasse de caçadores-colectores bosquimanos, desconhecedores do ferro, já que nos seus rituais e nas suas tra- dições há específicas referências à mexoeira e a galináceos.






Os povos que participaram nessa migração primordialformando  ao que parece  a  primeira  vaga  de  bantos  -  ficaram  em  relativo  isolamento  durante alguns séculos. É aqui que se insere um outro factor, sem dúvida importante no desenvolvimento da Cultura Khokha: a influência perso-árabe e anteriormente a esta as influências indiana e sobretudo indonésia, que se fizeram sentir após a colonização de Madagáscar.
Que estes Khokhas continuaram a manter relações comerciais com os povos mineiros do interior, se infere do relato do cronista da histórica circum- navegação de Vasco da Gama. Não deixou de referir os braceletes, as anilhas e os ornamentos de cobre nos penteados, do mesmo modo que o estanho e o ferro usados, respectivamente, nos punhos e nas lâminas dos punhais. A abundância do primeiro metal levou os navegantes a dar ao Inharrime o nome de «Rio do Cobre». Provinha decerto das famosas minas de Messina e Phalaborwa, no Transvaal Norte, onde já no séc. VII se extraía e se fundia cobre quase puro
Sabemos que entre o Limpopo e o Save, no interior, se estabeleceram povos de origem Nyai, isto e, Karanga.
E. Mucambe e A. Mukhombo afirmam que os Hlengwes surgiram posteriormente vindos da região do Zimbabwe, possivelmente nos fins do séc. XV, sob o comando de Xigomba. Este posteriormente dividiu o reino e entregou à chefia do ramo designado por Mhandla, a seu genro, Xivilele, que ocupou a região de Homoíne.
A influência asiática acelerou indubitavelmente, o carácter distinto da Cultura Khokha, mais tarde designada por (Bi)-Tonga, mas nunca fez emergir unidades políticas vastas e estratificadas, com nível de organização superior ao das simples comunidades de tipo clânico. Apenas evoluíram de modo diferente os  Khokhas  meridionais  que  vieram  a  ser  inflenciados  pelos  primeiros  imi- grantes.
Aí, nesse litoral de Inhambane, parece fornecer prova da primeira vaga de origem Xona-Karanga a tradição acerca do termo Va-Loyi. Este seria apenas o epíteto laudatório do clã Gwambe, étnicamente descendente dos Va-Nyayi, de






extrato Karanga. O chefe migrante Hwambi, seria bisneto de um dos monarcas (Xangamires) do Império Rozwi, rival do Mwene Mutapa. A genealogia indicara com seu antecessor depois desse monarca, Golokhulu. O referido Hwambi teria cometido imperdoável incesto com uma sua tia, hahani, e, por tal motivo, teria sido expulso por seu irmão mais velho Xirimbi, com este insulto: «Vai-te embora mu-loyi!» (feiticeiro).
No tempo de André Fernandes o chefe reinante era filho desse Gwambe vindo do distante império planáltico, famoso pela sua produção aurífera. Pode ser que o incidente tenha ocorrido durante o próprio reinado do Xangamire I.
Nos fins do séc. XVI Fr. João dos Santos informa-nos que o Reino de Sedanda se prolongava «pelas terras a que chamam Botonga, que vão correndo para o rio de Inhambane.
M. L. C. Matos considera oriundos dos primeiros invasores Va-Loyi os regulados que dispõe pela seguinte ordem hierárquica: Bande, Zandamela, Nyantumbu, Mangue e Mavila. Mas o primeiro destes régulos, ainda que possuindo prorrogativas de senioridade, pagava tributos a Kambane, do clã Nwanati.
Junod é de opinião que os clãs hoje considerados chopes e tsongas mas que se dizem de origem Nyai - isto é, provenientes de um ramo dos Karangas - incluiriam os Loyis, os Nwanatis, os Khambanes e os Makwakwas.
Por seu lado os Tsongas mantiveram contactos directos com povos imigrantes provenientes do interior, sobretudo Sothos e Xonas que, pela sua organização  mais  avançada,  vieram  a  dar  origem  a  comunidades  políticas maiores do que as formadas  pelos clãs tradicionais.  A propósito  desta mais remota formação de autênticos reinos entre os nativos que ocupavam o litoral entre os rios Tugela e Limpopo, tenham-se em mente os valiosos testemunhos dos náufragos  portugueses  do «San Bento»  (1554),  «San Thomé»  (1589)  e
«San Alberto» (1593), tal como foram relatados por Perestrelo, Diogo do Couto e Lavanha. Ao passo que nessa extensa área os chefes eram «reis» dispondo cada qual de quinhentos e mais guerreiros, os nativos da «caffraria» (actuais Zulos, Pondos e Khosas) estruturavam-se em pequenos grupos de povoações,






sob a chefia de «ancosses» (amakosi). Idêntica observação fizeram os Holandeses no séc. XVIII. E tanto assim era que entre o Incomáti e o Inharrime, Diogo  do  Couto  menciona  apenas  três  chefes  cujo  território  foi atravessado pelos náufragos do séc. XVI:
Inhampule ou Inhapura - na margem direita do Limpopo, identificado por H. A. Junod como sendo o clã Nyapure, nome por que aquela região continua a ser conhecida;
Manussa - na margem esquerda do mesmo rio, designação regional que ainda sobrevive;
Inhapoze - até ao rio Inharrime,, possivelmente o antigo clã Nyaposi de origem asiática.
Nos séc. XVII e XVIII acentuou-se a expansão, em direcção ao litoral, dos povos de língua sotho e tsonga. É então que se movem ao norte os Hlengwes. No centro, seguindo o vale Limpopo, mais uma vez avançam os Va-Loyis estabelecidos entre os rios dos Elefantes e Limpopo.
Posteriormente  surgiu uma nova invasão sotho que, bipartindo  os Va- Loyis deu origem aos povos que mais tarde se veriam a denominar Nwalungu e Makwakwa. Foram esses invasores sothos que originaram os chefes Xiburi, Netimano,  Kossa e Rixoto,  entre o Incomáti e o Limpopo.  Uma confirmação deste  movimento  é  dada  por  Aron  S.  Mukhombo.  Menciona  ximbhutsu  (o moderno Chibuto) como o lugar onde se instalaram os imigrantes ascendentes dos Makwakwas vindo de Nkomati. Morreram ali os seus chefes Makumbani e Xilatani, talvez no séc. XVIII.
Deve acentuar-se, contudo, que não é unanimemente aceite essa filiação presumivelmente tsonga e sotho dos invasores referidos por Alan Smith.
Half  Helgesson  é  de  parecer  que,  a  despeito  das  semelhanças  em matéria  de  língua  e  de  alguns  costumes,  a  cultura  tswa  é  distinta  e  revela maiores analogias com a dos Karangas, Vendas e Va-Ndaus, do Grupo Xona. Parece ter sido bastante intensa a influência nyayi, isto é, Karanga, entre os Hlengwes. Ainda em 1882. A. M. Cardoso observou que os «achengues e os munhais» respectivamente do Sul e Norte do Save falavam uma língua idêntica






e que não era compreendida por «bitongas» «landins» (Changanas e Tswas) e

«mindongues » (Chopes).

Segundo E. Mucambe e A. Mukhombo, na segunda metade do século XVII  também  penetraram  na  região  os  Dzivis,  sob  o  comando  de  Ingwane, vindos  do  Transvaal  Este  ou  da  Suazilândia.  Devidamente  autorizados  e obrigados   a  tributo  fixarem-se   entre  os  Mhandlas,   ramo  meridional   dos Hlengwes.  Posteriormente  vieram  a  revoltar-se,  conseguindo  escorraçar  os
«donos da terra» para a região de Vilanculos. Componentes daqueles povos conseguiram impor-se como aristocracia aos misceginados Karangas-Khokhas, levando-os a adoptar a circuncisão.
De  qualquer  modo  as  trocas  comerciais  com  o  Império  Rozwi  e  a utilização do ouro para efeitos de adorno e não simplesmente para exportação (utilização              atestada                 pelos                   arqueólogos     no          Grande                              Zimbabwe     e               em Mapungubwe) repercutiram-se no litoral. José Cabreira, narrador do naufrágio da «Nossa Senhora de Belém», em 1635, afirma que as nativas (a par de outros confeccionados  com cobre)  já usavam  braceletes  daquele  precioso  metal.  É esta, provavelmente, a razão por que o Limpopo era denominado Rio do Ouro.
Segundo M. L. C. Matos, os «Cuambes» descritos pelos missionários em

1560 proviriam directamente do país Karanga. Já os antepassados dos actuais

Gwambes  teriam  partido  da  terra  dos  Vendas.  Daí  se  dizerem  de  origem

«venda, vecha ou vasuto». A sua partida para o litoral teria ocorrido em época mais recente. Deles derivariam os régulos Guambe Grande e Guambe Pequeno. O régulo Zavala também se diz da mesma origem e descendente de «Mujaju wa Thovela».
Gumundu Matone Zavala, criança quando ocorreu a morte de Manukusse em  1859,  forneceu  a  H.  Ph.  Junod  a  sua  genealogia,  remontando  a  seis gerações até Gwambe. Segundo afirmou, esse antepassado seria chefe do clã Thovela  dos  Lovedos  de  Mujaji.  Teria  vindo  em  companhia  de  Mhindzu  e Xilundzu.  Seu  filho  Tsuvawura   e  seu  neto  Zavala  teriam  submetido   os autóctones Mrori. Sendo assim, a emigração dos segundos Gwambes teria ocorrido em fins do séc. XVII. É que se sabe hoje que a linguagem real dos






Lovedos do Transval Norte descendia de uma das três grandes dinastias rozwis, tendo atravessado o Limpopo provavelmente entre 1550 e 1625. Tornou-se famosa por ser detentora da mais potente magia pluvial de toda a Africa Austral. No início do séc. XIX ascendeu ao trono a rainha Mujaji que, graças aos seus poderes sobrenaturais, foi sempre respeitada e consultada pelos diversos monarcas vangunes.
Dois factores  que se afiguram  determinantes  para compreender  estes movimentos migratórios em direcção ao litoral seriam as tripanossomíases e a aridez do interior, com cerca de 400 mm de chuva por ano aumentando a pluviosidade com a aproximação do oceano.
A escassês de gado bovino entre a generalidade dos Chopes

• a reduzida importância social e ritual que lhe era concebida, também levam a suspeitar que os antepassados de origem langa que entraram na composição  étnica  daquele  povo tenham  sido profundamente  afectados  pela temível cintura de mosca tsé-tsé que, ao longo do curso médio do Limpopo, se estendia  entre  os  seus  afluentes  Marica  e  dos  Elefantes  e  que,  a  crer  na hipótese de B. H. Dicke, pode também estar na origem da sua migração em direcção ao litoral.
Na expansão tsonga - povo com toda a evidência composto por clãs de origem sotho, langa e nguni - desempenhou papel fundamental a existência de unidades políticas relativamente poderosas cujos dirigentes, ultrapassando as limitações  clânicas,  manifestaram  acentuada  tendência  para  a  conquista  de novos domínios, de modo a proporcionar poder e prestígio aos seus parentes, descendentes  e  favoritos.  Pode  também  ter  acontecido  que  os  movimentos sothos  e  tsongas  dos  fins  do  séc.  XVII  fossem  reflexo  do  expansionismo militarista e predatório do Xangamire Dombo, que, na década de 1680, alargou o Império Rozwi de modo a abranger grande parte da região compreendida entre o Limpopo, o Save,
• Zambeze  e o Oceano indico. Foram as suas conquistas  que deram origem à migração dos Vendas para a margem direita do Limpopo.
Nesta  migração  de  povos  tsongas  em  direcção  ao  litoral  se  devem






integrar as pressões sofridas pelos Khokhas-(Bi)Tongas entre 1730 e 1760, descritas em documentos portugueses.
Dispondo de mais poderosas unidades políticas, conseguiram, em parte, os antepassados dos Chopes resistir ao expansionismo
 à  superioridade  quantitativa,  militar  e  política  dos  Tsongas.   os Khokhas-(Bi)Tongas  estavam condenados a perder a sua identidade étnica e linguística e a serem inexoravelmente absorvidos,
• medida que os habitantes do hinterland prosseguiam lenta mas seguramente em direcção ao litoral. O factor exógeno que os salvou de desaparecerem como povo distinto foi a ocupação portuguesa de Inhambane e das  regiões  circunvizinhas.  Muito  anteriormente  ao  célebre  João  Loforte,  o
«Nhafoco», que de 1869 a 1877 conseguiu que os (Bi)-Tongas resistissem denodadamente aos regimentos comandados pelos Vangunes de Muzila, já os Portugueses  de  Inhambane  os  defendiam  contra  o  expansionismo  tsonga  e sotho e contra as investidas das tribos posteriormente designadas por Chopes.


São  estas  circunstâncias  históricas  que  justificam  a classificação  dos povos do Sul do Save em três grupos étnicos distintos: O Tsonga, o Chope e o Khokha-(Bi)Tonga.




GRUPO TSONGA


Devido ao carácter pejorativo da primeira e à aceitação internacional da segunda,  abandonámos  a  designação  de  Thonga  para  a  substituirmos  por Tsonga.
Eram povos patrilineares, virilocais, com compensação nupcial e vivendo em clãs ou tribos sob a hegemonia de chefes hereditários dispondo de fortes poderes políticos, jurídicos, económicos, militares e religiosos.
Dividi-los-emos nos seguintes sub-grupos:






Ronga


Compreende os habitantes da região entre o mar e os Montes Libombo, e entre os rios Incomáti e Pongola.
Mantiveram contactos com europeus desde o início da frequência da Baía do Espírito Santo. Trocavam marfim, ambar, etc. por produtos manufacturados, sobretudo tecidos, miçangas, ferro e anilhas de latão. A adopção de armas de fogo permitiu-lhes lançar-se em grande escala na caça aos elefantes que abundavam na região. Além disso, organizaram grandes expedições mercantis ao interior. Esta posição privilegiada facilitou o enriquecimento de chefes tribais como o Tembe, o Nyaka e mais tarde o Maputo.
A luta pelo monopólio das rotas comerciais com a baía parece ter contribuído para o processo de expansão armada em que se lançaram quase simultaneamente as tribos vangunes de Ngwana, Mthethwa e Ndwandwe.
De 1820 a 1827 ocupou o território ronga o grupo comandado por Sochangana que, depois da derrota de Zwide, seu parente e aliado, abandonou a terra natal.
Depois da partida de Sochangana para o vale do Limpopo, em 1827, os chefes rongas submeteram-se aos Portugueses procurando protecção contra as incursões dos regimentos vangunes. Mas em 1833 foi de novo o território ronga invadido e ocupado por Vangunes, desta vez enviados por Dingana, os quais destruíram a fortaleza e executaram o governador.
Apesar da curta ocupação, a cultura angune influenciou os Rongas como se  pode  verificar  pela  adopção  da  coroa  de  cera  e  do  sistema  regimental baseado em grupos de idade. Foram os chefes rongas de Mazwaia e Zilhalha que em 1894 se revoltaram contra os Portugueses e que pediram asilo a Gungunyane  depois  de  derrotados  em  Marracuene  e  Magul.  Foi  a  recusa daquele em entregar os revoltosos que deu origem à campanha que levou à derrocada do Império de Gaza e à deportação do seu último monarca.






Changana

Este sub-grupo ocupa uma larga faixa de território que tem no seu eixo o rio Limpopo.
Depois de Sochangana decidir instalar a capital no vale do Limpopo, em Chaimite, altura em que mudou o seu nome para Manukusse,, diversos grupos tsongas emigraram para o Tranval Norte, entre 1835 e 1840. Pertenciam aos clãs Nkuna, Hlangano, Loyi e Mavundja. Depois da prisão do último monarca em
1895,  outros  grupos  de  Vangunes  de  Gaza  e  de  Tsongas  angunizados buscaram refúgio no Transval. Eram chefiados por diversos membros da família
real.

Embora a sua cultura tradicional não tenha sido objecto de estudos profundos e sistemáticos,  pode afirmar-se a grande influência exercida pelos invasores vangunes, apesar da capital do Império de Gaza ter permanecido no vale do Limpopo apenas de 1840 a 1858. Só mais tarde, de 1889 a 1895, o último monarca, Gungunyane, voltou a fixar-se no Sul.

Tswa-Hlengwe


Dada a possível origem xona dos povos que, originariamente, se estenderam do vale do Limpopo ao vale do Save, pode merecer discordância a sua classificação como um sub-grupo dos Tsongas.
Segundo  três  autores  tswas  E.  S.  Mucambe,  N.  J.  Mbanze  e  A. Mukhombo, os Hlengwe vieram do país Xona, possivelmente nos fins do séc. XV.  Dividiram-se,  posteriormente,  tendo  um  ramo  conhecido  por  Mhandla ocupado a parte sul. Na segunda metade do séc. XVII, os Dzivis, de origem tsonga ou swazi instalaram-se,  pacificamente,  no território dos Mhandla mas vieram  mais tarde  a expulsar  estes últimos  para a região  de Vilanculos.  As invasões Nwanati e Makwakwa, povos hoje classificados como Tswas, mas de origem tsonga,verificaram-se mais recentemente.
Todos os relatos permitem afirmar o extremo primitivismo em que caíram os  Hlengwes,  que  viviam  sobretudo  da  caça  e  da  colecta  e  não  possuíam animais  domésticos.  As  palhotas  eram  rudimentares.  Utilizavam  a  água  da






chuva retida nos troncos dos embondeiros.  Do mesmo modo que os Tswas praticavam a circuncisão, mesmo no seu limite norte com os povos de origem xona. Cobriam-se de profusas escarificações.
No  sul,  entre  os  Tswas,  o  gado  bovino  desempenhava  insignificante



papel.




Os Makwakwas foram, dentre todos, os que mais assimilaram a cultura



angune, como a organização regimental, as danças e trajos guerreiros, a coroa de        cera      e             a             perfuração           dos       lóbulos                              auriculares.           Pelo                      mesmo                     motivo abandonaram a circuncisão e as escarificações.


GRUPO CHOPE



Convincentes são as provas da origem xona-langa de parte das características culturais dos Chopes.
Na sua carta datada de 25 de Julho de 1560, o missionário André Fernandes é assás preciso quanto a tais influências entre a população do litoral de Inhambane: tecelagem de algodão; penteados ornamentados com ouro; arco e flecha como arma principal; xilofone recurso do tipo karanga; juramentos junto do grande tambor sagrado, prerrogativa do chefe; certos termos como muzimo (antepassado-deus), ngombe (bovino), phongo (caprino) ; a descoberta de espíritos possessivos por meio de fustigação com a da cauda felpuda de animais e da sua subsequente aspiração pelo adivinho; etc.
Caetano  Montês  e o Pe. Feliciano  dos Santos  reconheceram  aquelas origens, tomando como base, respectivamente, os dados históricos e linguísticos que estudaram. Por seu lado, L. F. Maingard demonstrou que, entre todos os grupos étnicos da África Austral, apenas Langas, Vendas e Chopes usaram o arco como arma principal.
Os musicólogos J. Kirby e H. Tracey esclarecem que os xilofones dos Chopes e Vendas são afinados na escala heptatónica, ao paço que as canções tsongas  e  vangunes  usam  a  escala  pentatónica.  O  segundo  assimilou  sem






dificuldade os termos musicais chopes devido à sua semelhança com os dos Langas. Afirma, também, que a afinação média das orquestras chopes é quase idêntica à do lamelofone langa de teclas de aço recurvadas.
A forma de cumprimentar, com bater de palmas, também era semenhante à dos Xonas-Langas.
É de admitir que tenha a mesma origem o costume da extinção geral dos fogos, no início das sementeiras, durante o dia ritual do mutilo.
Os Chopes foram, durante muito tempo, conhecidos por mindongues. Segundo Junod (filho) o verbo ku-txopa, «atirar setas», é de origem tsonga, não se encontrando mencionado nos dicionários da língua zulu. É, pois, de aceitar que  o  termo  Mu-chope  (pl.  Va-chope)  tenha  sido  aplicado  pelos  guerreiros tsongas incorporados nos regimentos vangunes.
No seu século passado, Binguane, um dos netos do grande chefe Dzowo, do vale do Limpopo, conseguiu dominar e unificar parte dos régulos chopes, mobilizando-os             numa        resistência     denodada contra   Mawewe,           Muzila                                         e Gungunyane. Sem dúvida que essa resistência colectiva contribuiu para desenvolver entre os Chopes um sentimento de identidade.
Fugindo  aos  invasores,  parte  dos  Chopes  partiram  para  o  Norte, buscando  refúgio  nas Terras  da Coroa,  sujeitas  ao Governo  de Inhambane. Armados   e            organizados,                 juntamente      com       os           (Bi)-Tongas,                          pelo                                 célebre
«Nhofoco»,       o     coronel       honorário       das      forças       irregulares,        João       Loforte, conseguiram manter os vangunes em respeito.

Na sua defesa recorreram os Chopes a várias tácticas: concentração em aglomerados protegidos por paliçadas, Khokholo; construção de povoações lacustres para tirar proveito dos tabos aquáticos observados pelos vangunes; ocupação de pequenas ilhas e das dunas que se estendem entre as lagoas e o mar; etc.
Em 1871 Erskine passou pelas seguintes grandes povoações fortificadas: Hlambangati, Singabagapa, Mangorbi, Matshunkulo. Esta última possuía cerca de 1500 habitantes.






Eis como Longle descreveu o khokholo Tuijane que visitou em 1885:

«Basta vê-la para nos convencermos da dificuldade de se apoderarem dela pela força, já pela sua situação no meio de matas espessas e difíceis, já pela sua estacaria. Imagine-se  uma linha de defesa formada por troncos de árvores altas e grossas do lado exterior e reforçadas interiormente por outros troncos de árvores, colocados horizontalmente,  até uma altura que não será inferior a 2,50 m. As estacas exteriores são muito altas e não deixam lugar senão para, de distância em distância, se passar o cano duma espingarda.»


Longle, que atravessou a região Chope em 1885, afirma que as terras de Binguane se estendiam do Inharrime ao Limpopo. Entre os Khokholo que visitou cita, além de Tuijane, os de Kambane, Kavanyane, Bogotane, Xixala, Mativane, Xanguaniane e Xexelese.

Cinco anos decorridos os regimentos de Gungunyane,  recém-vindo da sua longínqua capital no Mossurize, já semeavam a morte e a destruição. Em Janeiro  de  1890,  Maguiguane,  comandante-em-chefe  do  exército  de  Gaza, atacou Binguane e seu filho Xipenanyane, no khokholo Xirrime, depois de lhes cortar o acesso à água. Este último conseguiu refugiar-se em Inhambane. Mas seu pai perdeu a vida, com milhares de súbditos.
Serrano, viajando em 1890, narra:



«Entre as povoações destruídas por onde hoje passámos sobressaía a do Binguane...  ; apenas  algumas  enormes  vigas  isoladas...  denotavam  a forma circular da aringa, que fechava uma área não inferior a 80000 metros quadrados: neste recinto todo plantado de bananeiras, palmeiras, alguns limoeiros e quatro laranjeiras  é  que  estava  a  residência  do  Binguane  e  dos  seus  grandes.  A enorme extensão de terreno que a população agricultava...  mostra a riqueza destes povos; as plantações de mandioca, tabaco e ananás eram feitas com regularidade,   ou   circundando   os  caminhos,   ou   em   linhas   perfeitamente paralelas; os terrenos eram cercados para evitar a invasão dos gados».






«,..a povoação de Zabute... era muito importante por ser nela que o Binguane tinha as suas mulheres; as palhotas, que ainda se conservam de pé, são grandes, circulares e todas revestidas de barro interior e exteriormente; as portas têm relevos curiosos e pinturas extravagantes»;


Mais adiante aludindo à região atravessada pelo rio Chicomo:

«Este   país   foi  muito   povoado,   tanto  quanto   se  pode   julgar   pela extensão       em                          que         existem   sinais        de agricultura            e         pelas             grandes plantações      de           ananases,     mandioca,           cana                    sacarina,          tabaco                   e         feijão...» Os   chefes       que           habitavam                     nas           margens              do       Inharrime          estavam nominalmente          sob      a      protecção        da     Coroa                              Portuguesa            à            excepção do     Zavala           que   se              não      considerava        sujeito   ao       próprio                Gungunyane. Por       exemplo,       M.       Serrano          passou pela         povoação     Konkoane,       nas margens         do           mesmo                    rio,       que           continha            180       palhotas            formadas   em quatro    linhas                                paralelas               e     voltadas             para         o       centro,  onde   havia,     como em muitas outras, laranjeiras, limoeiros e plantações de mandioca.


GRUPO KHOKHA -(BI)TONGA



Como afirmámos,            a    primitiva      população        khokha      foi               submetida                a multissecular  influência asiática e portuguesa,  adquirindo,  com o decorrer do tempo, uma cultura e uma língua de características específicas. Contudo, não emergiram             ali   unidades                               políticas    vastas   e estratificadas,   com       nível                              de organização superior ao das simples comunidades de tipo clânico.
Aos asiáticos se deve a introdução, nas cercanias da Baía de Inhambane, de costumes como a circuncisão e, sobretudo, de novas plantas alimentares nomeadamente o arroz, os citrinos, o coqueiro, a mangueira, a cana de açúcar, etc. É provável que aos Indonésios seja devida a introdução das timbilas, dos tecidos  de  casca  de  árvore  e,  ainda,  do  parasita  da  elefantíase,  Wucheria bancrofti (Cobbold) e de uma hemoglobina anormal designada por D, oriunda de Borneu.






H.  Ph.  Junod  foi  um  dos  autores  que  aludiu  a  essas  contribuições asiáticas           deixadas             na                            cultura              tradicional              dos                       Khokhas-(Bi)-Tongas: encantamento de serpentes por meio de flautas, adivinhação pela consulta de intestinos  de roedores  e galináceos,  métodos  de pesca semelhantes  aos do Extremo-Oriente.   Foi  informado   por  gente  dos  clãs  chopes  Nyamposi  e Nyasengo que os seus antepassados eram de origem asiática, tendo vindo sob a chefia  de Faro,  herói  cultural  a quem  é atribuída  a introdução  das várias plantas alimentares. O autor do presente trabalho também em 1954 recolheu em Homoíne a memória da presença desse herói cultural. Digna de atenção é igualmente a espada de dervixe recolhida na região, espada que se encontra presentemente no museu do Instituto de Antropologia da Universidade de Coimbra.
A. Cabral julga provável que os (Bi)-Tongas sejam oriundos do norte e que, quando dali saíam, tivessem  trazido o costume da circuncisão  e o seu gosto pela vida marítima, ambos provenientes do contacto com os Árabes. Para reforço desta hipótese indica as semelhanças culturais verificadas entre os (Bi)- Tongas e os povos de Sofala. Afirma, por exemplo, serem os únicos que, no distrito de Inhambane, extraíam do coqueiro a bebida fermentada conhecida por sura. Como os Chopes também fabricavam sope, com sumo de cana sacarina.
Outra  informação  interessante  que  reforça  a  hipótese  da  influência asiática entre os (Bi)-Tongas é-nos dada por Erskine, ao afirmar que os antigos habitantes da Baía de Inhambane se chamavam a si próprios «Basigas», termo semelhante a «Boticas», nome árabe dado às Ilhas do Básaruto. É lícito aventar que parte dos (Bi)-Tongas sejam, como os do arquipélago, de origem Langa e transportados para Inhambane pelos Árabes. Também Melo Sequeira aventa a hipótese dos «hahocas» que habitam o Arquipélago do Bazaruto serem descendentes de Vandaus levados de Sofala pelos Árabes. Aponta, para comprovar a hipótese, as afinidades linguísticas do Xi-Hoka com o Xi-Sena.
O Gi-Tonga foi objecto do mais científico estudo linguístico até hoje publicado em Moçambique, estudo da autoria do Prof. L. W. Lanham. Alude à existência de palavras de origem persa e propõe que se considere língua distinta






do Xi-Chope e do Xi-Tsonga.

A economia dos Khokhas-(Bi)-Tongas tornou-se predominadamente marítima e mercantil, como a dos povos islamizados do litoral norte. Também adquiriram                              considerável       importância económica         as                               plantas                    alimentares importadas,  nomeadamente  a  cana  de  açúcar,  o  coqueiro,  os  citrinos  (as célebres tangerinas de Inhambane). A criação de gado, mesmo miúdo, nunca assumiu relevância.
Na actividade piscícola utilizavam embarcações de tipo árabe e recorriam à  linha,  a  redes  de  arrasto  e  a  armadilhas  colocadas,  durante  as  marés vazantes, no ângulo agudo formado por duas sebes de varas entrançadas.
Até as tatuagens dependiam da vida marítima: as mulheres, com um jogo de seis agulhas e tinta de lula, faziam na face e nos braços pequenas pintas negras.
Já aludimos à provável existência de um sistema algo complexo de trocas comerciais, em que se achavam envolvidos os Khokhas de Inhambane, sistema que compreendia as rotas entre Sofala e as regiões auríferas do planalto interior, dominadas pela aristocracia rozwi. É que o domínio português directo, ocorrido em 1731, aliado à regular frequência da baía pela marinha da mesma nacionalidade,  conseguiu  manter  afastada  a  navegação  estrangeira.  Mesmo antes dessa época sabe-se que os próprios povos da Manhiça preferiam comerciar com Inhambane durante a ocupação holandesa de L. Marques de
1721  a  1730.  Na  segunda  metade  do  séc.  XVIII  Inhambane  conseguiu ultrapassar Sofala em importância comercial, colocando-se a seguir a Sena na quantidade de marfim exportado. Os escravos da região eram muito apreciados.
O diário da Missão de Mponda, na margem do Lago Niassa, refere-se a mercadores de          Inhambane        que                                 ali      iam                       à           procura       de marfim.      Deriva provavelmente do santuário da Makewana (ver Grupo Marave) em Msinja, (santuário  que até 1890 foi importante  entreposto de comércio de marfim) a lenda narrada  a Dora Earthy pelas mulheres  valengues,  em que surge uma rapariga, Makhowana, casada com uma jibóia.








CAPITULO IV


O GRUPO XONA E O COMPLEXO MUTAPA-ROZWI



Os  povos  de  língua  Xona  -  talvez  originários  da  bacia  do  Congo  - chegaram nos meados do 1.° milénio supondo-se serem os responsáveis pela cultura de Leopard's Kopje e pelos períodos II e III do Grande Zimbabwe, cujas datações vão até 1440 d. C. Infere-se que constituíam uma aristocracia bem organizada. As suas habitações eram maiores e de mais perfeita construção. Foram  os iniciadores  dos amuralhados.  A sua olaria  é típica:  vasos  finos  e bojudos, de gargalos verticais, sem decoração mas com polimento.

É  de  admitir  que  os  Xonas  beneficiassem  de  superiores  conceitos religiosos e místicos. Aqueles dois locais eram importantes centros directamente relacionados com os ritos pluviais e com a divindade Mwari, Mwali, Mimo ou Morimo. Esse Ser Supremo podia ser contactado, quer directamente por meio de            oferendas    e             preces feitas            em                      santuários        bem        conhecidos,                  quer indirectamente por intermédio dos antepassados-deuses. Os mediuns mhondoro ou pondoro,  geralmente  escolhidos  entre  os povos  estranhos,  dispunham-se numa  hierarquia  baseada  na  antiguidade  e  na  veneração  dos  espíritos  dos chefes defuntos que os utilizavam individualmente para comunicar com os vivos. A opinião desses antepassados-deuses exercia, por esse meio, poderosa influência até mesmo nas disputas de sucessão. Como uma das suas funções era relembrar e recitar as tradições dos chefes falecidos, tornaram-se um factor importante para estabelecer a continuidade da cultura xona. Parece ter sido o monopólio  desta  religião  que  assegurou  aos  novos  senhores  a  integração política e social dos autóctones na sua organização estadual.
Dispunham também de sólidas bases económicas. Como dissemos, os anteriores povos da idade do Ferro iniciaram igualmente a exploração de jazigos de outros  metais  como o ouro e o cobre.  Os dirigentes  xonas  conseguiram






desses  súbditos  a  intensificação  da  exploração  mineira  e,  graças  à  sua hegemonia  e organização  centralizada,  passaram  a dirigir  e a assegurar  as trocas mercantis com os Árabes de Sofala, ficando apenas com pequena parte do ouro e do cobre para confecção de ornamentos pessoais.
P. S. Garlake baseado nas hipóteses sugeridas pelas investigações arqueológicas e na classificação das ruínas em cinco estilos diferentes, aventa que o Grande Zimbabwe constituía o centro nuclear duma unidade cultural cuja extensão coincide com a mancha de granito que se espalha por grande parte da actual Rodésia
• por uma parcela da nossa Província de Vila Pery. Essa unidade cultural teria florescido sobretudo no séc. XIV. Em Mapungubwe, no vale do Limpopo, possuía uma capital provincial de grande importância.
Em 1325 surgiram novos grupos aristocráticos que deram origem ao famoso reino de Mwene Mutapa, constituindo o período IV dos arqueólogos. São conhecidos pelo nome de Rozwis. Segundo a tradição, vinham comandados por uma personagem mítica denominada Ne-Mbire.
A relação étnica entre Xonas e Rozwis ainda pertence ao domínio das hipóteses. Aventam alguns que estes últimos seriam simplesmente  membros duma família aristocrática dos primeiros, família que teria fundado uma nova dinastia e conseguido salvar
       reino da ruína e da desintegração.

Apenas no fim do século XIV surge, mencionado na tradição oral com verdade histórica, um dirigente que se afirma ter sido o primeiro Mambo, chefe supremo, dos Rozwis: Xikura Uadiambeu.
O segundo mambo rozwi usava o nome de Nyatsimba Mutota e, a partir de 1420, lançou-se num processo de expansão territorial
• conquistas militares, que se prolongou por trinta anos. Pelos Tawaras e Tongas foi-lhe dado o famoso cognome de Mwene Mutapa, o «Senhor da Pilhagem». Foi ele que transferiu a sua capital de Guruhusua, no sudoeste da actual Rodésia, para o grande Zimbabwe. Aqui, a cultura material do período IV dos  arqueólogos  deriva,  sem  dúvida,  do  período  III,  embora  pertença  aos






senhores rozwis. Aparecem objectos, como gongos, cujas origens se situam a norte  do  Zambeze  dando  ideia  de  que  os  novos  ocupantes  tinham  alguma ligação com o Congo. As suas povoações são facilmente identificáveis pelos arqueólogos, graças à cerâmica polícroma de barras e desenhos enquadrados. As escavações forneceram indícios de grande prosperidade e intenso comércio externo: ornamentos de ouro, lingotes de cobre para troca, utensílios e armas de ferro, loiças chinesas, conchas marinhas e contas de vidro importadas, etc. Além do ouro e do marfim exportavam possivelmente escravos.
Também no séc. XV parece haver-se registado a migração dum povo proveniente do norte do Zambeze, povo que se fixou nas montanhas de Inyanga e Choa, no Báruè, dando origem a uma cultura de características diferentes, notável  pela  construção  de  recintos  amuralhados  e  de  terraços  para  cultivo irrigado e drenado. Pobre em objectos materiais, usava uma cerâmica grafitada constituída por panelas esféricas ou esferóides com gargalos curtos e concavos, decorados com nervuras salientes, cruzadas em grade.
Vários estudiosos se debruçaram sobre o problema das rotas comerciais pre-gamicas entre os centros de mineração e o litoral. Harald von Sicard, apresentou provas convincentes de utilização do rio Save e seu afluente Lundi. Mercadores de origem asiática utilizariam um porto situado na foz do rio Save, conhecido  por  Nshava  ou Singo.  Além  dos  escravos,  do ouro  e do marfim, exportava-se  por  ali  o  cobre  de  Messina.  R.  Mauny,  depois  de  apresentar racional explicação para a antiguidade da data obtida pelo carbono 14 relativamente ao pedaço de uma viga de madeira, descoberto nas muralhas, afirma  que  as  aves  esculpidas  encontradas  no  Grande  Zimbabwe,  foram copiadas das insígnias dos chefes islâmicos e termina por aventar a hipótese do trajecto  fluvial  Lundi-Save  ser  utilizado  apenas  no  regresso,  ao  sabor  da corrente.
R. Summers, embora reconheça a primazia da rota pelo Zambeze, aventa a hipótese do rio Save ter sido navegável, durante alguns séculos, até ao seu afluente Lundi. Essa navegação encontrava-se facilitada pela mais elevada pluviosidade registada no planalto central e por outras causas naturais. Num






local denominado Marumbene, situado no território rodesiano, a uma milha da fronteira com Moçambique, estudou uma doca artificial que possivelmente servia de                        abrigo                     às            embarcações              provenientes    do            oceano.   Além                                    de                             provas sobrenaturais atestando a presença de um povo estranho, deparou ainda com restos de fauna marítima que, naqueles recuados tempos, subiria o rio devido à sua elevada salinidade. L. Barradas estudou esse porto sito na foz do Save, a que chama  «a primitiva  Mambone»,  frisando  ser este  topónimo  derivado  de mambo e do locativo eni, isto é «lugar do Chefe». Por seu lado R. W. Dicksinson levou a efeito escavações arqueológicas em Velha Sofala, não conseguindo, no entanto, encontrar materiais anteriores ao séc. XII. Na margem direita da foz do Save foi encontrado recentemente o zimbabwe de Muabsa que se afigura de extrema importância.
O. von Oidtman sugere uma rota provável entre o Zimbabwe e os pontos setentrionais, passando pela Serra de Zembe, a sudeste de Vila Pery, perto do rio Revué, serra que constitui o centro geográfico e estratégico de toda aquela região. Na sua vertente norte existem amuralhados e uma caverna sepulcral. No seu sopé passa uma outra estrada que, segundo a tradição, era utilizada pelas caravanas dos mercadores árabes. Encontra-se marcada por uma fiada de palmeiras Borassus que pode ser seguida pelo sul, até à Serra de Mavita e, pelo norte, até uma outra elevação orográfica.
As causas da agressividade e ânsia de domínio dos primeiros Mwenes Mutapas apenas podem ser conjecturadas. Tem-se referido a dinâmica interna da nova nação, lutando com excessos populacionais derivados da prosperidade económica. Tem-se aventado a influência dos numerosos comerciantes árabes residentes no interior que procurariam assegurar o livre acesso ao mar, também ambicionado  pelos  conquistadores  devido  às  riquezas  que  poderiam  obter graças ao tráfego do sal. Pode, neste contexto, integrar-se-á observação de H. von Sicard a propósito da carência de vestígios de fortificações nas rotas mercantis entre o litoral e o interior, carência que considera como prova de que o tráfego  se  processaria  em  condições  pacíficas,  decorrendo  as  viagens  sem riscos           apreciáveis.            Os                   asiáticos               manteriam              relações            amigáveis    com                   os






aristocratas rozwis e casariam com mulheres africanas.

Seja como for, o terceiro mambo rozwi, Matope ou Mutope, continuou este processo de expansão territorial. Mas, na primeira metade do séc. XV, decidiu transferia a sua capital do Grande Zimbabwe para um local muito mais ao norte, a sudeste do Zumbo, no país Dande, fora da mancha de granito. Tal explica a renúncia ao sistema de construção lítica anteriormente usada pela aristocracia rozwi.
As causas do abandono do Grande Zimbabwe, abandono atestado pela arqueologia,  parecem  ter  sido  de  natureza  económica  (esgotamento  dos recursos naturais, interrupção das rotas do Save
      Sofala, etc). É possível que tenha contribuído para essa decisão

   progressivo        assoreamento         do     primitivo      porto      de     Sofala       e     a navegabilidade cada vez mais difícil do rio Save. M. D. D. Newitt aventa que essa deslocação da corte tenha sido causada pelo esgotamento dos campos auríferos meridionais e pela abertura de novas explorações setentrionais, com rotas e novas saídas marítimas desenvolvidas por arabizados dissidentes residindo em Quelimane, Angoche e Moçambique. O advento dos Portugueses apenas teria acelerado o declínio de Sofala e Quilua.
Por ocasião do seu falecimento, cerca de 1480, o Mwene Mutapa II era considerado como suprema autoridade num vasto império que se estendia do Zambeze  ao  Limpopo  e do  deserto  do  Kalahari  ao  Oceano  indico.  Colocou membros da sua própria família como governadores dos territórios conquistados. A Xanga foi entregue o governo da Província de Guruhusua, onde se situava a primitiva  capital.  Torwa  passou  a governar  a província  central  de Mbire.  No oriente, nos territórios recentemente conquistados que hoje fazem parte de Moçambique - Chidima, Manica, Báruè, Quiteve e Madanda - colocou outros parentes como governadores.
Naturalmente  que  a  unidade  política  conseguida  não  possuía  bases sólidas. Não só a composição étnica era assás dispare como lhe faltavam as vias de comunicação, o equipamento tecnológico
      a infra-estrutura militar e administrativa, indispensável à coesão






• manutenção de Estados vastos e centralizados. Além disso, os parentes governadores cedo manifestaram veleidades de independência e se envolveram em rivalidades intestinas.
O Mwene Mutapa III, Nyahuma de seu nome, não possuía a energia e superior capacidade dos seus antecessores. Xanga e Torwa, monopolizando as regiões mineiras e dispondo de bases seguras, rebelaram-se e, aliando-se, conseguiram  cerca  de  1490,  derrotá-lo  e  matá-lo  em  batalha.  O  primeiro daqueles rebeldes, posteriormente conhecido por Xangamire (derivado de Amir, nome que lhe foi dado pelos comerciantes árabes) dominou o império durante curtos quatro anos, pois em 1494 foi, por sua vez, vencido
            morto  por  Kakuyo,  filho  de  Nyahuma.  Porém,  o  sucessor  de

Xangamire conseguiu manter o domínio das províncias de Guruhusua

• Mbire. Mais tarde alistou para a sua causa os governadores de Quiteve e Madanda. Por seu lado, Chidima, Báruè e Manica continuaram leais à dinastia Mutapa durante mais um século.
Foi esta a situação com que os Portugueses depararam. Por isso a ocupação  de Sofala,  ocorrida  em 1505,  não conseguiu  retirar  aos Árabes  o monopólio do tráfego aurífero já que estes continuaram a recorrer à antiga via de penetração natural constituída pelo rio Zambeze, daí velejando para Angoche e para o Norte. Melhor advertidos, decidiram os Portugueses ocupar não só Tete e Sena, depois de 1530, mas também Quelimane em 1544.
O Mwene Mutapa, encurralado entre os rios Mazoe e Zambeze, não dominava  nem  o  maior  nem  o  mais  importante  dos  Estados  criados  pelos Rozwis. Mas procurou sempre esconder este facto aos seus aliados de além- mar, conseguindo, desta arte, que só muito mais tarde estes se apercebessem da verdadeira situação política do interior. Todavia é a estes prolongados contactos entre
• Mwene  Mutapa  e os Portugueses  que se deve a grande  massa  de informações                 que        têm                                   fornecido         aos                    modernos                      estudiosos        elementos preciosíssimos sobre a orgânica interna dos Estados de origem rozwi.
Os   reinos   de   Quiteve   e   Manica   vieram   a  tornar-se   praticamente






independentes nos fins do séc. XVI. O declínio do império acelerou-se depois de

1596, com a investidura do Mwene Mutapa Gatsi Lusere, ainda menor. Para conservar o trono - e em troca de concessões mineiras - teve em 1606 que recorrer ao auxílio militar do senhor de prazos Diogo Simões Madeira e dos seus
4000 mercenários maraves. Mesmo assim perdeu o domínio do Báruè. Falecido em 1624, sucedeu-lhe Mavura, depois de sangrenta guerra civil com seu meio irmão   Kaparidze.   O  auxílio   militar   que  solicitou   forçou-o   a  fazer  largas concessões à Coroa Portuguesa, pelo tratado de 1629. Efectivamente, graças aos reforços trazidos pelo Governador Diogo de Sousa de Menezes conseguiu, três anos depois, derrotar o rival.
Na época de paz que se seguiu os Mambos da aristocracia rozwi mandavam os seus agentes comerciar com as feiras portuguesas de Luanze, Ongoe, Dambarare e sobretudo Maramuca, todas elas sitas na metade setentrional da actual Rodésia, ao tempo pertencente ao Mwene Mutapa.
Na década de 1630, um dos Xangamires, denominado Dombo, absorveu o reino de Mbine e suprimiu a velha dinastia Torwa. Estendeu também o seu domínio à margem direita do Limpopo. Em 1638 atacou pela primeira vez os senhores de prazos. Depois, atendendo ao apelo de um tal Nyakambira, que havia usurpado o título de Mwene Mutapa, lançou-se numa feroz campanha contra os Portugueses e suas feiras obrigando-os a refugiar-se em Tete, Sena
• Sofala, praças que atacou em 1693 e 1695. Foi durante esta campanha que  a dona  de prazos  Catarina  de Faria  derrotou  o usurpador  e instalou  o Mwene Mutapa D. Pedro. Foram as campanhas daquele Xangamire que deram origem à emigração dos povos Venda e Lovedo, que se estabeleceram no actual Transvaal setentrional, saqueando Mapungubwe no seu trajecto. Aparentemente satisfeito com os seus êxitos Dombo retirou-se mais tarde para Guruhusua.
Embora  pouco  se  saiba  dos  posteriores  acontecimentos  internos,  os dados fornecidos pela arqueologia permitem sustentar que se seguiu uma época próspera, com intensa actividade arquitectónica no Grande Zimbabwe e com o início de construções semelhantes em Dhlo-Dhlo e Khami.
Para escoarem a produção aurífera, os Xangamires passaram a utilizar a






feira  do  Zumbo,  provavelmente  fundada  em  1716  pelo  goês  Pereira.  A importância desta feira foi estudada recentemente pelo historiador rodesiano S. P. Mudenze.
O ouro era também escoado, embora em menor escala, pela feira de Manica, onde o monarca mantinha uma das rainhas e por onde se exportava também, cobre, marfim e utensílios de ferro em troca de miçangas e tecidos. A arqueologia       e     os      antigos      documentos   portugueses comprovam    que     os Xangamires                    igualmente                                sustentaram       contactos               mercantis        com                      Sofala, Inhambane e a Baía de L. Marques.



A existência relativamente pacífica e próspera dos Xonas

  da  aristocracia  rozwi,  foi  violentamente  perturbada,  cerca  de  1825, quando os predatórios e aguerridos grupos vangunes, foragidos do Norte do Natal, semearam o pânico e a desgraça entre o Limpopo, o Save e o Zambeze. N'qaba, Sochangana e também Ngwana
• os regentes dos Angonis Masekos preferiram para seu campo de acção a área entre o Save e o Zambeze.
O actual território da Rodésia, foi, por sua vez, alvo das depredações de Zwanguendaba e, posteriormente, de Mzilikazi, fundador do reino Ndebele. O primeiro parece ter-se dirigido directamente ao Zambeze, daí retrocedendo para sul, onde se situava o velho Império do Mwene Mutapa. Aí, depois dum recontro com guerrilheiros de N'qaba, desviou-se para ocidente e caiu sobre o núcleo central da complexa cultura dos Mambos Rozwis e da aristocracia que os suportava. Saqueou o Grande Zimbabwe, Khami, Dhlo-Dhlo
• outros centros. Os arqueólogos, nas suas escavações, encontraram provas concludentes da violência dos atacantes. No centro que os Rozwis conheciam por Manyanga e que veio a ser posteriormente cognominado Taba Zika Mambo, as hostes invasoras cercaram o último Mambo e o seu séquito. Terence Ranger fornece-nos o vivido relato de um velho guerreiro de Zwanguendaba, recolhido em 1898. Aí se narra como o último Mambo, no alto






duma escarpa com trinta metros de altura, gesticulou para que os guerreiros vangunes formassem na base. Depois de dançar, lançou-se no espaço e veio baquear aos pés dos sitiantes. O seu séquito desapareceu a coberto da noite.
O Império Rozwi tinha atingido o seu fim. Mas muitos chefes zonas continuaram a reconhecer a senioridade ritual dos sacerdotes rozwis, refugiados nos Montes Matopos, os quais eram visitados por mensageiros oriundos das áreas onde o culto tinha existência organizada.
Segundo cálculos de R. Summers, as 4000 minas exploradas desde o séc. V até ao séc. XIX produziram entre 600 e 800 toneladas de ouro, na sua maioria absorvidas pelos mercados asiáticos.





Diremos agora algo sobre os povos de Moçambique que fizeram parte do Complexo Mutapa-Rozwi.  Interessaram-nos,  em especial, os Teves, Manicas, Vandaus, Tawaras, Bargwes e Tongas (do Zambeze).





A Província de Uteve ou de Quiteve, como era conhecida pelos Portugueses, foi conquistada por Xangamire I para o Mweve Mutapa III, que ali colocou o seu filho Manyenganyura, com o título de Sachiteve I, um pouco antes de 1490. Mas em fins do séc. XVI já constituía um reino independente. Como dissemos,  em  1643  Sisnando  Dias  Bayão  restituiu  ao  trono  o  rei  Peranha. Depois da rebelião do Xangamire Dombo, passou o reino a ficar integrado na Confederação Rozwi. G. Bivar P. Lopes recolheu cerca de 1920 a tradição de que um dos Xangamires mandou seu neto Mecio conquistar as terras entre o Save e o Zambeze. Estabeleceu a sua capital no Monte Maué, em Moribane, dividiu a região em várias províncias e deu o seu governo a parentes. Uma das províncias, no actual Chimoio (nome talvez derivado do clã real dos Rozwis, Moyo)  foi  entregue  a  sua  irmã  Ingomani,  parecendo  que  dela  derivam  os regulados obrigatoriamente ocupados por mulheres, proibidas de ter filhos para






evitar  que a chefia  viesse  a cair  em plebeus  sem  sangue  rozwi.  A escolha dessas rainhas era da competência do grande régulo Moribane. O relatório do Governador de Sofala de 1795 já afirma que o seu título se tornara hereditário. J. C. Paiva de Andrada, que visitou a região em 1885, citou as mulheres-chefes Gomani               e             Mahondo,                        proibidas                pelo                 direito                    consuetudinário        de     contrair matrimónio.
Aquele relatório de 1795 também dá informações sobre os rituais que cercavam o falecimento dos régulos rozwis: o cadáver suspenso e envolvido numa pele de bovino, era deixado em decomposição longo tempo, apanhando- se em vasos o líquido sagrado que escorria.
Ao que parece o reino de Quiteve ficou irremediavelmente dividido após a morte do último monarca em 1803.
Em 1920 o régulo Moribane ainda era considerado superior a todos os outros régulos descendentes dos Rozwis. Recebia o título de Zimbágué, tinha direito a uma forma especial de cumprimento e quando bebia ou cheirava rapé todos os presentes cobriam a face com as mãos. Era enterrado com outros de origem rozwi num cemitério especial do Monte Maué. A propósito destas sepul- turas reais não pode deixar de se citar a encontrada em Mavita no «Dombue ra Marozui» cujos desenhos são apresentados por Pires de Carvalho.




A Província de Manica, talvez criada pelo Mwene Mutapa II no decurso das suas conquistas, manteve-se leal ao Imperador até fins do séc. XVI. A casa reinante Chikanga de Manica (mais tarde substituída   pela   de  Mutassa)   constituía   um  ramo  da  dinastia Makombe do Bargwe. M. Galvão da Silva afirma ter sido investida pelo Xangamire  I, quando ainda vassalo do Mwene Mutapa III. A fronteira entre os reinos Bargwe e Manica era constituída pelo rio Aruangua, o actual Pungoè. Dois etno-historiadores se debruçaram sobre o passado dos Manyikas: D. P. Abraham, que estudou as suas tradições  dinásticas,  e,  muito  recentemente,  H.  H.  K.  Bhila,  que






aprofundou  as  relações  deste  reino  com  o  Mwene  Mutapa,  os
Mambos Rozwis e os Portugueses, desde o séc. XVI até aos fins do séc. XIX.


*


Madanda foi uma das províncias orientais criadas nos fins do séc. XV, pelo Mwene Mutapa II. O respectivo governador aliou-se ao Xangamire II. Há a recordar que António Fernandes visitou o chefe Nyamunda, ao sul de Sofala, em
1518. Em pleno processo de independência expansionista, veio, pouco a pouco, a apoderar-se de todas as rotas comerciais com aquele porto. Posteriormente esta casa reinante tomou o título de Sedanda, poucas informações havendo a seu respeito.
No séc. XIX os habitantes da região receberam dos invasores vangunes a designação de Va-Ndaus, derivada da forma como cumprimentavam  batendo palmas e proferindo: «Ndawe! Ndawe! ».
O nome Danda é presentemente aplicado ao povo que vive nas florestas situadas no sopé da grande cordilheira que se estende ao longo da fronteira. Mas o clã dos chefes é Nkomu, associado ao clã Nyamunda.
Nas  montanhas  vivem  os  Tombodjis.  As  terras  baixas  são  habitadas pelos Govas. No litoral predominam os Xangas (e não Xanganas, como erroneamente têm sido designados). Estiveram sob secular influência oriental.



Quanto  aos  Tawaras,  as  tradições  coordenadas  por  D.  P.  Abraham afirmam que quando Mutota, o primeiro Mwene Mutapa, iniciou a conquista dos territórios setentrionais, o clã Nyari, talvez o clã nuclear dos Tawaras, ocupava o país Xoma nas terras baixas situadas perto da fronteira com a Província de Tete, além do extremo oriental das cordilheiras de Mavuradonya. Mutota e seu filho Matope,  para assegurarem  a cooperação  voluntária  do culto pluvial  local de Dzivaguro-Musikavaho, entraram com o chefe dos Nyari, Ambua, numa relação ritual nomeando-o dignitário da corte, com a função de escolher -a Mavarira,






irmã-esposa senior do monarca. A integração dos Tawaras na Confederação Mwene Mutapa acentuou-se, decerto, com a supremacia da dinastia dos Xangamires e a concentração das populações leais à primeira, nos territórios setentrionais. Estiveram outrora unificados sob direcção dum chefe supremo, o
Possa Grande.

*


Pela sua secular existência, pela importância de que veio a revestir-se na historia de Moçambique e pelas estreitas ligações que manteve com Manicas, Tongas e Tawaras, propositadamente deixámos para o fim o Reino do Báruè e a respectiva dinastia Makombe. Data de 1506 a mais antiga citação portuguesa em que aparece referido. Manteve-se leal ao Mwene Mutapa até fins do séc. XVI.  A  região  foi  temporariamente   submetida,   em  1650,   para  a  Coroa Portuguesa, por António Lobo da Silva.
Tem-se afirmado que os monarcas reconheciam de algum modo a soberania portuguesa e considerariam indispensável a confirmação baptismal da sua investidura, apesar de serem apoiados pela aristocracia e pelos mediuns mphondoro,   guardiães   dos  espíritos  dos  reis  defuntos.   O  historiador   A. Isaacman, na sequência de trabalhos de campo realizados na região, interpreta essa  água  benta,  a  madzi-manga,  não  como  um  baptismo  católico  ou  uma prática religiosa sincrética mas como um meio tradicional pelo qual as características, sagradas da monarquia eram transmitidas. O líquido seria proveniente de Sena, considerada como Terra Santa, tendo a investidura lugar em Missongue. Seria um símbolo de poder político efectivamente conseguido, oferecendo o novo Makombe, graças à presença do emissário da Coroa Portuguesa,  prova  da  sua  legitimação  e  aliança  com  um  poder  externo  e superior.
No que concerne os actuais Tongas do Baixo Zambeze, são decerto os célebres Mongás  que em 1572 atacaram  a expedição  de Francisco Barreto. Sabe-se que, por volta de 1640, um chefe tonga, de nome Sanapache também






atacou os prazos sendo repelido por Lourenço de Mattos.

A sua estreita associação com os Bárués e com a casa reinante dos Makombes, inclinam-nos a aventar serem descendentes  de tribos autóctones submetidas. E s t a hipótese foi recentemente confirmada por A. Isaacman que, pela  recolha  sistemática  da  tradição  oral,  apurou  que  os  conquistadores utilizaram uma série de alianças matrimoniais com os conquistados, combinadas com a nomeação de um conselheiro-mor, do clã Tembo, dos Tongas, cujo cargo era hereditário e que durante os interregnos servia de regente. Uma outra obra do  mesmo  historiador  fornece  indicações   precisas  sobre  este  povo  mal conhecido. Mesmo na época em que a Confederação Rozwi atingiu a sua maior extensão territorial, cerca de 1700, os Tongas, acantonados no limite nordeste, conservaram-se  possivelmente à sua margem. Como a ascensão da dinastia Makombe se processou após a retirada dos Xangamires para o distante território de  Guruhusua,  entre  os  rios  Lundi  e  Limpopo,  afigura-se  possível  que  a conquista pode ter coincidido com o movimento migratório deste subgrupo em direcção ao Baixo Zambeze, movimento referido por G. T. Nurse e que parece haver dado origem a Senas e Podzos.
Há alguma literatura etno-histórica sobre os Bárués e Tongas. J. A. Coutinho fornece a árvore geneológica dos Makombes. C. Montez publicou uma nota  sobre  a  coroação  de  um  dos  reis  em  1811.  Leo  Frobenius  alude  às tradições sobre o sacrifício ritual dos monarcas. H. Wieschoff elucida sobre as cerimónias anuais de distribuição do fogo real e da consagração das sementes. No reino do Báruè onde imperavam os Makombes, a influência dos Vangunes em geral e de Muzila em especial parece ter sido mais apagada. De 1826 a
1830 esteve o reino sem monarca devido a disputas de sucessão. Depois, prolongando-se  talvez  de  1834  a  1838,  surgiu  a  ocupação  dos  Angonis chefiados pelos Masekos. Em 1846
a aristocracia  báruè encontrava-se  irremediavelmente  dividida entre os dois pretendentes ao trono, Chibudo e Chipatata. Documentos portugueses referem-se à gorada tentativa feita em 1854 por Muzila, ainda governador, para colocar no trono o seu prote






gido Chibudo.

À morte do Makombe Chipatata, ocorrida em 1880, seguiu-se um longo período de vazio político, de que tirou proveito o indo-português Manuel António de Sousa,  cognominado  «Gouveia».  Por uma série de incursões  armadas  e manobras políticas que incluíram o seu casamento com uma das filhas do Makombe falecido, apoderou-se do poder e passou a considerar o Báruè como propriedade particular. Da sua união com a princesa báruè teve dois filhos que foram educados em Portugal.
De 1874 a 1886 registaram-se importantes acontecimentos que, segundo o historiador inglês M. D. D. Newitt conduziram à perda pelos Portugueses de parte do território hoje pertencente à Rodésia.
Segundo uma versão, o reino de Manica teria sido invadido em 1874, pelos seus vizinhos Makoni e Báruè. O atacado, súbdito de Muzila, solicitou-lhe protecção militar. Mas os regimentos enviados pelo monarca de Gaza teriam sofrido amarga derrota. O Mutassa fora então aconselhado pelos mediuns que comunicavam com os espíritos dos antepassados dinásticos, a pedir auxílio a Manuel António de Sousa. As forças por este enviadas teriam conseguido, na verdade,  repelir  os  invasores.  Um  pedaço  de  terra  retirado  da  moradia  do medium-espírito Masina teria sido enviado àquele capitão-mor, simbolizando a sua vassalagem. Paiva de Andrada, sua visita às terras do Xangamire em 1885, ficou, na verdade, impressionado com a enorme influência exercida pelos pondoros sobre os mambos. Seja ou não verídico este episódio, não há dúvidas que Manuel  António  de Sousa,  aliado  a J. C. Paiva de Andrada,  depois  de ocupar o Báruè e o vale do Punguè, tentou sem sucesso submeter o Chefe Mtoko, na actual Rodésia. Convencidos que esta resistência ao seu avanço na direcção ocidental era inspirada pela dinastia dos Vicente da Cruz, instalada em Massangano, e que dera guarida aos descendentes da família real do Báruè, nomeando um deles capitão, os dois aliados dirigiram as suas forças contra aquela famosa aringa que conseguiram  tomar, aliás sem esforço, no ano de
1887.  Mas  quando  voltaram  a  sua  atenção  para  os  territórios  ocidentais planálticos já era tarde. A «British South Africa Company» tinha-se adiantado e






obtivera, entretanto, dos chefes nativos a assinatura de tratados.

Quanto à família Vicente da Cruz, dirigida pelo Metondora, refugiou-se na margem esquerda do Zambeze e daí procurou organizar a sua resistência, recorrendo a alianças com o chefe tawara Mtoko e o chefe angoni Chikussi.
Após a traiçoeira captura de que foi vítima, juntamente com o Coronel Paiva de Andrada, em 1890, pelos agentes da «British South Africa Company», Manuel António de Sousa teve, no seu regresso, que enfrentar uma colisão de nobres dissidentes, auxiliados por chefes xonas do actual território da Rodésia. Foi morto pelos revoltosos, em parte munidos de armas de fogo, no ataque que lançou contra a aringa do Missongue, em 1892.
Durante o novo vazio político que se seguiu, quatro pretendentes, suportados pelos seus mediuns, disputaram o direito ao trono. As perturbações daí  derivadas  levaram  a  desencadear  a  campanha  de  1902,  chefiada  pelo capitão-tenente João de Azevedo Coutinho. Mais de dois terços dos aristocratas barwes ou pereceu na luta ou seguiu no seu exílio rodesiano o ramo Myapaure- Hanga da casa real.
Para a revolta iniciada no Báruè em 1917 parece haverem-se congregado diversas    causas:   o                         enfraquecimento                                       qualitativo       da      ocupação        militar       e administrativa, o recrutamento compulsivo de carregadores para as operações contra os alemães, a construção da estrada Tete-Macequece, os desmandos e injustiças dos cipais, a imposição do imposto de palhota, etc.
Mas é no contexto do conflito pela sucessão que deve compreender-se a organização da rebelião. Depois da morte de Nyapaure-Hanga  passou a sua casa a ser representada pelo irmão júnior, Nongué. A representação da casa de Chipatura cabia a seu sobrinho mais novo. Como a Administração Pública não tinha                  investido              como                 monarca       qualquer                        aristocrata    da                       sua    escolha,                    a necessidade sentida pelos descendentes de possuírem um cabecilha forneceu excelente  oportunidade  para  resolver  o  litígio  entre  os  dois  pretendentes. Durante a grande assembleia que então se realizou, Makosse inclinou-se para uma  solução  pacífica  negociada  com  as  autoridades  portuguesas.  Mas  foi Nongué, favorável à luta armada, que a assembleia reconheceu como novo e






legítimo  monarca.  Apoiado  durante  alguns  meses  pela  grande  maioria  dos Barwes, conseguiu, embora com dificuldade, adesão de Gossa, chefe dos Tawaras.  Serviu-se  para  isso  da  ancestral  ascendência  da  dinastia  dos Makombes sobre essa etnia.
De maior importância foi, todavia, a aliança firmada entre Nongué e as autoridades   espirituais           dos                                 Barwes,            nomeadamente   os                                    possessos                   com características  mediúnicas.  Entre  estes  sobressaíram  a  adolescente  a  quem tinha sido confiado o título hereditário de Ambuia, e que possuía ascendência religiosa sobre os mphondoros tawaras que, sob o seu comando, incitaram o povo  à  revolta.  Os  sucessivos  reveses  que  Nongué-Nongué  sofreu  na  luta contra as tropas portuguesas contribuíram para a rápida queda do seu prestígio. Nos últimos meses da rebelião, passou Makosse a ser considerado o legítimo Makombe. Batido, procurou refúgio em Mtoko, na Rodésia do Sul, no mês de Outubro de 1918.
Assim  terminou  a  secular  dinastia  dos  Makombes  dos  Barwes  e  do mesmo  modo,  a  dos  Gossas  dos  Tawaras.  A  crer  na  relação  dos  Mwenes Mutapas  compilada  por Stanford  Smith,  o seu último  representante  legítimo, Chiuoka, reduzido à condição de pequeno régulo no Distrito de Tete, ao sul do Zambeze, também foi deposto pela sua participação nessa revolta de 1917.






CAPITULO V


POVOS DO BAIXO ZAMBEZE



Cremos impor-se a criação duma zona específica onde consideraremos incluídos um certo número de povos que, pelas razões adiante expostas, nos parece não deverem englobar-se em qualquer dos grandes grupos étnicos em que dividimos os antigos habitantes de Moçambique.
Na verdade, o vale e o delta do Zambeze têm relações bastante estreitas com  a  divisão  étnica:  não   ali  se  entrechocam  duas  organizações  sócio- culturais distintas (as matriarcais do norte e as patriarcais do sul) como constituíram uma excelente via de penetração e, consequentemente, de difusão cultural     para       numerosos        povos                       exóticos                              (Indonésios,                  Persas,                   Árabes, Portugueses,  etc.) que, quiçá por milénios, vêm percorrendo  a costa oriental africana. Brian M. Fagan acentuou a importância que o vale do Zambeze teve durante os primeiros séculos da Idade do Ferro para as trocas comerciais entre o centro da Africa e a sua costa oriental. Daí ser natural que os habitantes do referido vale e delta apresentem traços de intensa aculturação que só estudos detalhados permitirão individualizar. Blake Thompson, por exemplo, é autor de um interessante artigo em que, baseado em certas tradições indígenas, atribui origem oriental (possivelmente indonésia) a Podzos, Senas e Nyungwes.
A criação desta zona, em vez da filiação forçada (ou feita sob reserva) dos povos que a compõem, em qualquer dos restantes grupos étnicos, parece- nos dar à divisão étnica de Moçambique um carácter mais científico.
Eliminámos   deste   grupo   os   Tongas   e  Tawaras,   que   tudo   indica pertencerem ao Grupo Xona e consideramos agora nele incluídos os seguintes povos:


SENAS e PODZOS


• primeiro destes sub-grupos mereceu a atenção de alguns estudiosos






como M. M. Lopes, F. P. Schebesta e A. R. Martins. Todavia, foram as recentes e mais sistemáticas pesquisas de R. I. F. de Freitas e J. M. Schoffelers que permitiram melhor compreender a sua posição etnológica.
• primeiro destes autores afirma ser historicamente comprovado o facto do  núcleo  dos  Senas  derivar  dos  auxiliares  nativos,  oriundos  de  múltiplas regiões, que acompanharam os Portugueses na sua progressão ao longo do rio Zambeze. Daí o seu etnocentrismo e até arrogância.
Posteriormente ocuparam ambas as margens daquele grande curso de água e consideravam-se oriundos da «Mualo ua Sena», nome que dão à porta de armas da fortaleza quinhentista de S. Marçal.
Subdividem-se em:

a) Senas Chuezas - Situam-se «donde vem a água» e, com excepção de três regedorias tongas, ocupam as áreas dos antigos postos administrativos de Tambara e Chiramba;
b) Senas propriamente ditos - Ocupam a área compreendida por todo o distrito de Sena, pela sede do distrito de Chemba, pela parte oriental do distrito de Mutarara e pelo distrito de Nsanje na extremidade meridional do Malawi;
c) Senas  Podzos  - Situam-se  na região  «para  onde  corre  a água»  e estendem-se pelo distrito de Marromeu, por quase toda a área do distrito do Luabo e por parte do distrito de Quelimane e das localidades do Campo e de Nicoadala.
Parte  destes  últimos,  devido  ao carácter  pejorativo  do termo «podzo»

designam-se a si próprios por «Chupangos» ou «Chipangas ».

• facto da herança e a sucessão serem patrilineares, do casamento ser de preferência virilocal e ainda de observarem, na generalidade, os cultos da possessão           por                              espíritos,       faz               suspeitar             que,                              originalmente,        entraram                  na constiuição desta etnia povos de extracto xona.
Junod informa que os Podzos vieram da margem norte, parecendo relacionados de modo directo com os habitantes do Chinde e de Quelimane, falando uma linguagem bem definida, aparentada com a dos Senas e Chuabos. Montês considera-os possivelmente Macuas, influenciados pela gente do oeste






e sul, mas guardando certo particularismo. Os clãs podzos são, na verdade, das mais diversas proveniências, Chinde, Mbadzo, Thundu, Botha, Ngawa, Singo, Sase e Cowe (do norte); Chilendje, Marunga, Bande (do oeste) ; Simboti, Nyangombe, Chirongo, Chifungo (do sul).



CHIKUNDAS e NYUNGWES




A maioria dos autores identifica Nyungwes com Chikundas. C. Montês escreve que o primeiro nome seria o de uma genarca que teria vindo com os seus súbditos das terras da margem esquerda.


Tal  tradição  indica  segura  filiação  nos  povos  matrilineares  do  norte, embora presentemente sejam patrilineares i virilocais. Também M. Tew afirma serem produto da miscegenação dos Mangan
jas e Tongas. De facto, a mancha Nyungwe atingi a divisão administrativa de Chikwawa no Malawi. A predominância  dos possessos com o espírito do leão, mambo mpondoro, é de origem xona. Já as oferendas e preces pela chuva feitas à gibóia, tsato, indicam origem marave.
Deve-se       ao      historiador       americano        A.      Isaacman,        após      intensivas pesquisas de arquivo i de campo, um recente i valioso estudo sobre a origem, formação i história da primeira daquelas etnias.
Concluiu  serem  os  Chikundas  oriundos  dos  guerreiros-escravos  ao serviço dos senhoris dos prazos da Coroa que si estendiam de Tete ao Oceano Índico. À margem das suas funções de carácter militar i de si haverem transformado em grandes caçadores de elefantes, desempenharam importante papel na organização de caravanas comerciais a distantes regiões. Vieram a constituir posteriormente comunidades políticas independentes que si estendem por vastíssima ária, em Moçambique, Rodésia, Zâmbia e Malawi.
Aquele autor opina que as tão frequentes confusões feitas sobre a sua origem são mira consequência  da falta de investigações  adequadas  sobre a






complexa composição  étnica i cultural dos povos do vale do Zambeze. Tem havido  manifesta  tendência  para,  sem  discriminação,  englobar  em  idênticas etnias,  povos  que  embora  vivendo  dentro  da  mesma  ária  geográfica,  têm díspares  antecedentes  históricos  i  diferentes  afinidades  culturais  com  os  vi- zinhos.
O  nome  seria  derivado  do  verbo  xona  ku-kunda,  derrotar.  Ter-si-ia difundido  entre  1650  i  1750.  Os  Chikundas  recrutavam-se  entre  um  largo número  de  grupos  étnicos:  Sinas,  Tongas,  Chiwas,  Nsingas,  Manganjas, Zizuros, Barwis i Chipitas. Em um grupo de escravos libertos na ária de Tete em
1856 distinguiram-si vinte e uma etnias distintas.

Historicamente a filiação clãnica parece haver resistido às mutações, mesmo  nos  casos  em  que  os  indivíduos  foram  integrados  num  novo  grupo étnico. Dos sete principais clãs chikundas, três são de origem marave (Nguluwe, Mvuna e Phiri) i dois outros são comuns a Senas e Tongas (Malunga i Chilinji). No século XIX a composição étnica tornou-si ainda mais heterogénea divido à intensificação do tráfego esclavagista transoceânico. Passou a incluir Bisas, Ajauas, Makuas, etc.
Todavia  uma  tribo  chikunda  foi  recentemente  citada  por  M.  F.  C. Bourdillon. É a do chefe Kaitano (do português «Caetano») que indica como seu clã  Muzungu  Ruberofoseka  (do  português  «Senhor  Ribeiro  Fonseca»)  i  que afirma ter-se estabelecido no actual território da Rodésia quando os Europeus entraram em conflito com os Ndibilis.
Um processo inédito do sistema de recrutamento ira a escravatura voluntária, em parti radicada no costume tradicional da doação de si próprios feita por famintos, doentes, abandonados, perseguidos e condenados pelos tribunais  tribais.  Este  acto  de  submissão  era  simbolizado  pela  destruição ostentória de um objecto de reduzido valor pertencente ao protector: o mitete. Parte dos Chikundas era obtida por compra a outros senhores ou por guerras e incursões de caravanas mercantis a longes terras.
Os Chikundas gozavam de óbvias regalias: distribuição de terras, armas, miçangas, tecidos, gado e mulheres, direito de caça e saque. Muitos, oriundos






de comunidades  matrilineares,  abraçavam  alegremente  a nova existência  de predomínio varonil.
Dentro  de  cada  prazo  os  chikundas  agrupavam-se  em  companhias, butaka, de localização bem definida, as quais formavam as unidades políticas básicas e dispunham de uma hierarquia administrativa.  No topo situava-se o capitão, mukazambo, escolhido não apenas pela sua lealdade e pelos serviços prestados ao senhor, mas igualmente pela sua aptidão para manter os subordinados em respeito e obediência. Cada butaka subdividia-se, por sua vez, em nsaka, secções compostas de dez a doze guerreiros e suas famílias.
Como as aldeias chikundas estavam estrategicamente espalhadas pela vasta área do prazo, os escravos permaneciam relativamente isolados tanto das populações  autóctones  como  das  outras  butaka.  O  seu  isolamento  e  a  sua origem estrangeira tornavam necessária a criação duma nova rede de relações sociais as quais ligariam todos os membros da companhia. Em qualquer destes casos, as esposas eram trazidas para a aldeia chikunda. Para as populações matrilineares eram profundas as consequências da mudança para uma organização  do  tipo  patrilocal.  Um  vínculo  totalmente  novo  de  laços  de parentesco desenvolveu-se para satisfazer as funções que, previamente, eram desempenhadas pela matrilinhagem. Uma família extensa patrilinear emergia, a qual era reforçada em cada geração pela residência permanente dos varões. Por   a  maioria   das   mulheres   serem   provavelmente   recrutadas   entre   as populações patrilineares residentes nos prazos, podiam elas ser facilmente integradas em tal sistema. Esta adaptação era sem dúvida mais difícil para as mulheres         provenientes         de                    áreas       matrilineares.     Contudo,            como                           ficavam completamente desligadas dos parentes maternos, não tinham outra alternativa senão acomodar-se.
A emergência desse novo sistema de organização social foi um dos aspectos do processo de alteração mais amplo que serviu de base a uma cultura chikunda distinta. Apesar de quase nenhuma investigação ter sido ainda feita neste   campo,                        os   dados        dispersos   sugerem   que             esta   nova   cultura           se apresentava como uma amálgama de várias instituições e valores zambezianos






moldados duma maneira sem paralelo. A presença do mpondoro xona (ou o culto do espírito do leão), do ordálio venenoso com grandes semelhanças do típico entre Senas e Tongas, e dos ritos funerários dos Solis, são exemplos dessas                      formas       religiosas        sincréticas.        A     sua      língua       materna,      Nyungwe, demonstra tão grande influência de raízes Nyanja e Xona que os estudiosos não foram capazes de concordar numa classificação apropriada. Através de relações especiais com os Portugueses, adquiriram novas técnicas metalúrgicas e certos artefactos europeus que enriqueceram a sua cultura material e alteraram o seu estilo de vida. A larga introdução de armamento europeu, por exemplo, permitiu- lhes especializarem-se na caça e na guerra, o que, por sua vez, contribuiu para o desenvolvimento de uma cultura característica. É razoável pensar-se que a intensa actividade venatorla, afectou a sua cosmologia, o seu sistema de valores e  os  seus  moldes  sociais,  contribuindo  para  os  diferenciar  da  população autóctone que continuou a praticar uma economia de subsistência. Por exemplo, W. H. H. Nicolle faz referência a um ídolo de ferro conhecido por ximombe que seria adorado por um grupo de Chikundas do Alto Zambeze e disporia de um sacerdote, nyaonda, bem como de um guardião hereditário, sawira.
Os Chikundas manifestavam de diversas maneiras a consciência da identidade do seu grupo. Talvez a sua expressão mais ampla fosse a reacção violenta a qualquer senhor de prazos que tentasse afastar um membro da companhia sem a autorização expressa do mukazambo. A disposição dos Chikundas para lutarem por direitos colectivos e pela segurança comum, a sua lealdade  cega  ao escravo-chefe,  a sua atitude  hostil  para com  a população autóctone e consequente retenção de uma identidade corporativa quando fora dos limites do vale do Baixo Zambeze, tudo isto constituía testemunho de uma intensa consciencialização étnica.
Devido  à  sua  eficiência  no  uso  de  armas  europeias,  os  Chikundas também se tornaram nos melhores caçadores de elefantes da África Austral e Central. Estas expedições venatórias eram uma parte integral do sistema de comércio que cobria longas distâncias e que ligava a África Austral e Central com o Oceano indico, e fornecia aos prazos a sua principal fonte de riqueza.






Dirigia a caravana um perito em comércio conhecido por musambadzi,

que o senhor geralmente escolhia dentre os escravos-chefes.

Apesar dos importantes  serviços  económicos,  políticos e militares  que forneciam, os interesses dos escravos-guerreiros muitas vezes estavam em oposição com os do senhor do prazo. Como um grupo corporativo poderoso facilmente mobilizável por um escravo chefe a quem deviam profunda lealdade, os Chikundas eram um perigo real para qualquer praieiro que abusasse da sua posição ou alienasse o mukazambo.
Os Chikundas dissidentes manifestavam a sua oposição sob formas diversas  que  iam  desde  a  recusa  a  obedecer  a  ordens  específicas  até  às revoltas armadas.
A resistência chikunda aumentou dramaticamente de intensidade e frequência durante a primeira metade do século XIX. Três séries de factores interligados explicam o seu crescente afastamento do sistema dos prazos. A participação dos senhores no comércio esclavagista transoceânico deu azo a esta  hostilidade.  Durante  a  última  década  do  século  XVIII  o  vale  do  Baixo Zambeze tornou-se um dos mais importantes  mercados exportadores  para o Brasil.   Inicialmente   os  praieiros   mandavam   caravanas   ao   interior,   onde facilmente adquiriam escravos ou onde os podiam capturar sem grandes dificuldades.  Mas  como  a  procura  aumentou,  a  comunidade  de  praieiros violentou as suas prerrogativas legais e tentou exportar um número considerável de Chikundas. Um funcionário português, escrevendo em 1825, candidamente admitia que «a impossibilidade dos praieiros em compreenderem as implicações do comércio de escravos tinha levado à ruína os principais donos de terras».
A maioria dus Chikundas achava mais prático emigrar para além do Baixo Zambeze   do   que   competir   com   os   invasores   vangunes   e  os   Estados vencedores. Depois de várias gerações de separação no espaço, na cultura e nas funções, não é de admirar que muitos tinham entrado para as butakas neo- tradicionais.
Durante a segunda metade do século XIX os Chikundas emergiram como uma das principais forças políticas da Africa Austral e Central. Factores, como o






domínio de artes marciais, a posse de armas relativamente poderosas e a sólida reputação como guerreiros, facilitaram este processo. A ausência dum sistema estadual forte aliada às condições políticas geralmente instáveis no seu novo país  natal,  mais  fortaleceram   esta  posição.  Durante  tal  período,  grupos chikundas conquistaram os Nsengos e Ambos e efectuaram razias e obrigaram a tributos os Estados Lamba, Bisa e Gwembe Tonga.
Apesar destes feitos, as actividades militares e políticas dos Chikundas eram bastante mais complexas do que a simples tendência imperialista que lhes é geralmente atribuída. Grupos de Chikundas, por exemplo, auxiliaram a família real  Ambo,  tanto  contra  inimigos  como  contra  os  invasores  Vemba.  Outros antigos escravos desempenharam papel importante na política interna dos Nsengas,  Solis  e Salas.  Enquanto  durou  esta época  confusa,  os Chikundas auxiliaram alguns regulados Xonas, Nsengas e Maraves contra os Portugueses. Continuaram a opor-se durante a fase final do governo colonial, unindo-se aos Barwes em 1917 no último esforço desesperado para expulsarem os Europeus.
Para ganharem privilégios económicos, os Chikundas combinavam a sua habilidade como caçadores de elefantes à força bruta e à agudez de engenho comercial. Para onde quer que emigrassem conseguiam apoderar-se duma importante parte do negócio de marfim. Entre os Chiwas e os Nsengas concordaram em entregar aos chefes das terras um dente de elefante em troca do direito de caça nas áreas tradicionais. Com o correr do tempo deixaram de se preocupar com os acordos firmados anteriormente e recorreram à força para justificarem  os  seus  direitos.  Em  árias  mais  distantes  contentavam-se  em comprar marfim aos Bisas e Ambos, apesar de não hesitarem em usar a força para conseguirem tratamento preferencial e eliminarem a concorrência árabe.
Os Chikundas também desempenharam papel relevante na fase final do tráfego  escravagista  da Zambézia.  Até ao fim do século  XIX compraram  ou adquiriram pela força um grande número de escravos aos Bisas, Nsengas e Ambos. Os cativos eram posteriormente exportados para as Ilhas de Reunião e Zanzibar.






CHUABOS, MAHINDOS e MANGANJAS



A terrível invasão dos zimbas largamente referida pelos cronistas portugueses  -  é  identificada  pelos  modernos  etno-historiadores  com  uma ofensiva militar lançada pelo rei do ramo Manganja dos Maraves, com o possível objectivo de monopolizar as rotas comerciais com o litoral. Da etnia invasora sobreviveram na actual Manganja da Costa (também designada pelos antigos portugueses pelo nome de Rundo, nome daquele monarca) danças de máscaras semelhantes às do nyau e também vestígios do culto pluvial da Mbona, centralizado no território Manganja.
Este conquistador foi posteriormente derrotado, com o auxílio dos Portugueses, pelo Karonga Muzura, rei do ramo principal dos Maraves. Este, substituindo-se ao vencido, conseguiu formar um vasto império que se estendia até  ao  litoral.  Integrados  nas  suas  hostes,  os  Lolos  -  ramo  de  Lomwes estabelecido nos vales do Zambeze, do Chire e do Ruo - parece terem tomado parte activa nesta expansão que rechaçou Makuas e Lomwes para o interior setentrional. O nome de Lolo surge, nos antigos documentos, sob a forma de Bororo  que,  modernamente,  veio  a  dar  Boror.  Segundo  Manuel  Barreto,  os Bororos  em 1667 atingiram  Quelimane,  sendo súbditos  dos reis maraves.  O nome chuabo é também de origem lolo.
S. D. Rafael recolheu entre os Chuabos a tradição de serem de origem lomwe e oriundos do Monte Limane, sito na área do antigo Posto de Tacuane.






CAPITULO VI



GRUPO MARAVE




De  harmonia  com  J.  M.  Schoffeleers,  pelo  nome  Malawi  (ou  Maravi segundo a ortografia dos antigos portugueses) os chewas designavam não só os membros do clã phiri mas também regiões, povoações e centros religiosos ao mesmo associadas. O termo estaria ligado ao simbolismo de fogo, significando a introdução de uma nova ordem e, também, o domínio político dos invasores
phiri.

As funções radicalmente diferentes dos dois principais clãs matrilineares dos chewas (Phiri, no poder político; Banda, nas observâncias rituais relativas aos frutos da terra) sugerem que os chamados povos maraves foram formados por camadas sucessivas de invasores ou simplesmente imigrantes talvez provenientes do Congo. O período da chegada da classe aristocrática dos Phiri à região entre o Chire e o Luângua é situado pela arqueologia entre 1200 e 1400 d. C. É indubitável que os ditos Maraves já se encontravam firmemente estabelecidos quando os Portugueses subiram o Zambeze.
Os recentes estudos de campo realizados por H. W. Langworthy projectaram considerável luz sobre a etno-história da região. No mais antigo e importante reino formado pelos invasores, o monarca, do clã Phiri, recebia o título  nobiliárquico  de  Karonga.  Devia  obrigatoriamente  casar-se  com  uma rainha, a Mwali, saída do clã autóctone Banda.
Por  outro  lado,  segundo  o  vigente  sistema,  a  sucessão  poderia  ser deferida em qualquer varão que fosse filho de Nyango, personagem da casa real da qual apenas se sabe ser mãe ou irmã do Karonga. Isto é, os irmãos mais novos ou os filhos das irmãs do Karonga antecedente  poderiam suceder-lhe competindo aos conselheiros a sua escolha.


Este sistema fluído deu origem a uma grave disputa de sucessão. Undi,






irmão do Karonga falecido, não se conformou com a preferência dada pelos conselheiros  a  um  seu  sobrinho.  Talvez  por  ser  o  guardião,  nkhoswe,  do segmento matrilinear, decidiu separar-se levando consigo a Nyango e todos os membros femininos da linhagem real phiri. Aquele novo Karonga que deu origem à cisão parece ter sido o Muzura referido pelos Portugueses nos princípios do séc XVII.
No novo reino independente que fundou, reino que chegou a ocupar a parte da Província de Tete situada ao norte do Zambeze, estendendo-se um pouco pela actual Zâmbia e Malawi, Undi modificou o sistema de sucessão de modo a deferir-se apenas nos filhos das suas irmãs. Mas esses herdeiros em potencial eram frequentemente nomeados chefes dos diversos distritos. Com o decorrer  do  tempo,  criou-se  um  curioso  sistema  de  «parentesco  perpétuo». Todos os chefes pertencentes ao clã matrilinear phiri se consideravam irmãos juniores ou então sobrinhos de cada Undi no poder. Aconteceu até que um rei tributário (Chimwala no actual distrito da Marávia) foi classificado com «tio perpétuo».
Este sistema foi tornado extensivo ao clã autóctone Banda, que, como dissemos, fornecia uma das rainhas, a Mwali. Todos os chefes daquele clã eram classificados  como  «filhos»  ou  «primos»  do  Undi.  Nas  áreas  povoadas  por outros clãs o Undi casava com mulheres locais e designava como chefes os filhos havidos desses matrimónios políticos. Outras vezes casava com uma irmã do chefe local, dando-lhe, simultaneamente, uma das suas irmãs como esposa. Desse modo, ficava o mesmo e os seus sucessores  unidos aos Undi como
«primos perpétuos». Assim procedeu com Xifuka, do clã Lungo, no actual distrito do Zumbo, ao norte do Zambeze.
Os reis maraves asseguravam a sua hegemonia e a unidade dos seus domínios por meio de serviços de natureza ritual, espiritual, religiosa, económica e militar, tais como a concessão de direito à mzinda que permitia as cerimónias realizadas pela irmandade do nyau, a legitimação da investidura de chefes subordinados, o exclusivo legal de poderes de feitiçaria, a resolução de litígios, a distribuição  de  presentes  de  tecidos  e  miçangas  adquiridas  graças  ao  seu






monopólio comercial, a protecção contra agressões externas, etc. Existiam também  dois cultos de larga projecção  e independência  relacionados  com a produção de chuva: o setentrional de Makewana e o meridional de Mbona.
Os tributos de vassalagem incluíam as penas vermelhas de certos pássaros, a ponta inferior dos elefantes abatidos, as peles de leão e leopardo e, enfim, partes comestíveis de outros animais.
No que concerne a estrutura económica, parece que o poder dos reis maraves se encontrava estreitamente dependente do seu controlo sobre o intercâmbio comercial, iniciado pelos autóctones séculos antes da chegada dos aristocratas do clã phiri. Já aludimos aos achados de Nkope, no estremo sul do Lago Niassa, seguramente datados dos séc. IV e IX. Também pelas escavações de Ingombe Ilede, a 30 milhas a jusante de Kariba, sabemos que, desde os últimos séculos do primeiro milénio d. C., o marfim era transportado até à costa, utilizando-se como via de comunicação o rio ou o vale do Zambeze.
E. A. Alpers aventa a hipótese do monopólio comercial dos reis maraves e a crescente influência portuguesa nos assuntos locais terem sido responsáveis pelos violentos acontecimentos de 1580: a célebre invasão dos Zimbas, descrita por Fr. João dos Santos e outros cronistas contemporâneos.
Esses Zimbas  seriam súbditos  de Lundo,  rei dos Maraves  Manganjas situados ao sul. Esse monarca teria decidido criar, a oriente do Chire, um vasto domínio pessoal, longe do alcance e das pretensões dos Karongas. Sabe-se que em 1608 o Karonga Muzura a que já aludimos, auxiliou militarmente  os Portugueses  a vencer um dos Mwene  Mutapa,  conhecido  por Gatsi Rusere. Esse Musura, por seu lado, solicitou posteriormente o auxílio português para derrotar o Lundo.
O início da grande expansão do Karonga Muzura em direcção ao litoral deve situar-se após a derrota que infringiu ao seu rival Lundo. António Bocarro, em 1635, observou que o primeiro daqueles monarcas, dispondo dum exército de 10 000 homens, controlava o imenso território que se estendia até à Ilha de Moçambique e à povoação de Quelimane, chegando ao ponto de exigir o tratamento de Imperador, tal como o Mwene Mutapa.






O relato do Padre Manuel Barreto  (que após 1660 missionou  durante quatro anos no vale do Zambeze) aponta Karonga como único senhor dos territórios povoados por Makuas e Lomwes.
A. Alpers afirma que no século XVIII o Império dos Karongas já tinha perdido a sua unidade e poderio. Considera possível que contribuísse para tanto o monopólio do tráfego do marfim por parte dos chefes ajauas, monopólio que já era efectivo cerca de 1730. A feira do Zumbo, fundada em 1714, estaria mais interessada na aquisição de escravos do que de marfim. Aconteceu por exem- plo, que os Bisas passaram a comerciar com os Ajauas a maioria do seu marfim, contornando assim o império dos Karongas.
Todavia, há pelo menos três depoimentos setecentistas que ainda reconheciam grande ascendência ao Karonga. Um foi escrito provavelmente em
1744 pelo Fr. Francisco de Santa Catarina. Outro é datado de 1758 e deve-se a I. C. Xavier que diz: «também se acham muitas minas de ferro, no Marave... da segunda vez que fui enviado ao Imperador Karonga me disse que nas suas terras  havia  ouro,  prata,  cobre,  ferro, cristal  e outras  coisas».  O terceiro  foi redigido por um anónimo em 1794 e afirma que o império marave se estendia da parte nascente do rio Zambeze pelo espaço de 800 léguas.
São convincentes as provas da expansão militar e religiosa, em direcção ao litoral quer dos Maraves dirigidos pelos Karongas quer dos Manganjas dominados pelos Lundos.
No extremo norte o régulo Maroro, do Concelho de Porto Amélia, arroga- se ser directamente descendente dos chefes dos primeiros invasores maraves, em cuja sepultura  ainda se fazem preces  rogando  protecção  em épocas  de calamidade pública. Também em Namapa se encontraram dois régulos que se consideravam maraves, chefiando grupos que, segundo J. R. Pegado e Silva, têm costumes distintos sendo a sua língua incompreensível para os Makuas e não usando os homens qualquer tatuagem. O «Marave de Matibane» foi submetido em 1645 pelo célebre Manuel de Morais. Significativa é também a tradição  recolhida  no  Larde  segundo  a  qual  parte  dos  primitivos  ocupantes seriam  Maraves  «que  não  praticavam  a  circuncição»  como,  na  verdade,






acontece entre esta etnia. Segundo E. Lupi, em Angoche, ainda nos princípios do século, os mais importantes chefes tribais e clânico macuas se consideravam descendentes dos invasores ma-rundo. Também em Moebaze sobrevive a recordação duma invasão chefiada por Rondo. Mello Machado, na sua recente monografia sobre a região de Angoche, concorda igualmente com a identificação feita entre Zimbas
• Rondos. A memória escrita por um anónimo em 1794 identifica Maganja com Ruindo. E também notável o nome de Maganja da Costa, nome que sugere uma ocupação litoral por «manganjas» vindos do interior. Acontece também que as danças de máscaras
• o culto pluvial de mbona, sito no território manganja, parece terem sobrevivido na actual Maganja da Costa, segundo apurou T. Price e M. Dias. A. S. Baptista, baseado no facto dos povos designados por Makuas e Lomwec - e até mesmo os Aquirimas - insistiram na sua qualidade de «maraves», chega ao ponto de propor que esta denominação passe a ser-lhes aplicada.
Seja por terem, em benefício de Ajauas e Bisas, perdido o monopólio do tráfego  comercial  com  o  litoral,  seja  por  qualquer  outra  razão,  os  Maraves sofreram um processo de fragmentação política que conduziu à formação de oito sub-grupos distintos. Os principais foram os Manganjas e Nyanjas, concentrados sobretudo no vale do Chire, e os Chewas, a oeste do Lago Niassa. Entre cada um destes sub-grupos  distinguiam-se  diversos chefes independentes  com os títulos hereditários de Lundo, Undi, Mekanda, Kanyenda e Mwaze Kazungo. O seu poder era, no entanto, assaz reduzido como se infere, por exemplo,  da narrativa de Gamito sobre as dissenções internas do reino Undi.
Quanto aos representantes do grupo marave fixados na costa oriental do Lago Niassa, A. J. Mazula recolheu, recentemente, a tradição da sua separação dos reinos subalternos de Kanyenda e Mekanda, dominados respectivamente pelos clãs Mwala e Mbewe, e, bem assim, das rotas migratórias  que teriam seguido.
A partir de 1820, o aumento de procura de marfim, em moda na Europa, e de escravos para as plantações de Zanzibar, Pemba






• ilhas francesas do Oceano indico, conduziu a um incremento maciço de penetração arábica no interior, passando as respectivas rotas pelo extremo norte do Lago Niassa. Nos últimos anos da década iniciada em 1850, as armas de fogo começaram, em crescente escala, a ser introduzidas na região, tornando-se responsáveis  pela intensificação das lutas intertribais e pela expansão militar dos Bembas. Os Árabes deixaram aos Ajauas, seus aliados tradicionais, a penetração comercial e as actividades esclavagistas da região, situada ao sul do Lago Niassa. No capítulo que lhes é dedicado desenvolveremos este assunto em mais pormenor.
Outra intrusão estranha que provocou perturbações e sofrimentos entre os povos maraves foi da responsabilidade dos dois grupos de origem angune, que atravessaram o Zambeze em 1835 e 1839. Mas embora os viajantes contemporâneos           tenham      pintado         imagens               aterradoras das         devastações provocadas entre os Maraves por árabes, Ajauas, Angonis, Capitães-Mores e senhores de prazos, calculando um deles que em 1875 nada menos do que 20
000 escravos eram transportados anualmente através do Lago Niassa, J. Mocracken é de opinião que os exageros contidos nesses relatos se devem ao facto das áreas percorridas pelos viajantes haverem sido ocupadas por comunidades carecidas de organizações políticas fortes e centralizadas e, portanto, incapazes de oferecerem resistência às incursões. Já nas tribos que prestavam vassalagem e pagavam tributos aos chefes angonis, reinava relativa paz e prosperidade. Nas décadas de 1850 e 1860 comerciantes do Kazembe trocavam cobre e marfim no extremo sul do Lago Niassa.

O chefe chewa Mwaze Kazungo soube aumentar o seu poder e prestígio aproveitando o controlo que exercia sobre uma das rotas comerciais. Equipou-se com armas de fogo, bateu os regimentos angonis contra ele enviados entre 1860 e 1870 e, posteriormente, forjou uma aliança militar com o chefe angoni Mbelwa.
No vale do Baixo Chire alguns dirigentes, de superior poder e aptidão, fundaram pequenos Estados eficientes. Estão neste caso o português Belchior, um antigo escravo denominado Xibiza e os Kololos trazidos pelo Dr. Kivingstone






da  Barotselândia.  Mais  para  leste  prosseguiu  a  actividade  comercial.  Os enviados dos mercadores portugueses tornaram a percorrer o Zambeze médio para obter marfim e escravos. Em 1850 os Portugueses reocuparam o Zumbo; os  comerciantes  ali  estabelecidos  parece  terem  exercido  influência  na  vida política da região. Há notícia de lhes caber responsabilidades no assassínio do chefe Kala Mbuluma, cometido por sugestão dum rival, Até ao fim do século XIX o baixo Luangua foi favorita «área de caça» para os esclavagistas chikundas, muitos dos quais mestiços.
O grupo designado por Marave, grupo que, segundo o censo de 1970, compreendia em Moçambique cerca de 250 000 indivíduos, tem sido objecto de um número invulgar de estudos intensivos. Destacam-se, entre outros, os trabalhos de T. Price, M. G. Marwick, J. P. Bruwer, W. H. J. Makumbi, S. Nthara e, mais modernamente, G. T. Nurse, A. R. Ferreira, I. Linden, H. W. Langworthy e J. M. Schoffellers.
Baseados nesses estudos os maraves têm sido divididos em três sub- grupos principais:
Nyanjas, com os ramos Nyassa, Manganja e Nyanja propriamente ditos.

Chewas,  com  os  ramos  chefiados  por  Mwase,  Mekanda  e  Undi.  Em

Moçambique são designados pelos nomes regionais de Chipeta e Zimba.

Nsengas,  no  limite  ocidental,  muito  influenciados  pelos  povos  Lala- Lengue, que se estendem pelo actual território da Zâmbia.






CAPITULO VII

GRUPO MAKUA-LOMWE



Este grupo é, sem dúvida, o menos conhecido de Moçambique apesar de ser o mais numeroso, pois totaliza cerco de 3 000 000 indivíduos, segundo o censo de 1970. Os makuas do litoral foram, durante séculos, tão profundamente influenciadas pelos colonializadores árabes e persas, que se devem considerar como formado um grupo distinto.
Como  já referimos,  há fortes  tradições,  sólidos  vestígios  e suficientes referências documentais que conduzem o defender o hipótese de nos séculos XVI o XVIII terem sido dominados e unificodos por invasores maraves, comandados por monarcas conhecidos pelos títulos reais de Lundo e Karonga.
Recentemente, G. T. Nurse, usando o moderno técnico linguística conhecido por glotocronologia, e, ainda os provas fornecidos pelo arqueologia, pelo  tradição  oral  e  pelos  antigos  documentos  portugueses,  apresentou  o seguinte   hipótese  sobre  o  povoamento   e  os  migrações   bantos   que  se verificaram no vasta região enquadrada pelo Oceano, o Logo Niassa e os rios Chire, Zambeze e Rovuma.
Entre os anos 800 e 1000 d. C. acentuou-se gradualmente o separação dos  dois  principais  ramos  em  que,    depois  do  trovessio  do  Rovuma,  se dividiam os proto-makuas: o do norte e leste veio a dor origem aos modernos Makuas;o do sul e oeste, composto por Lomwes e Lolos, dirigiu-se ao Chire e ao Baixo Zambeze, tendo o suo vanguarda formada por estes últimos, entrando em contacto  com  componentes  do  grupo  marave,  vindos  do  região  do  Congo através dos planaltos centrais, a ocidente do Logo Niassa. Porte desses Lolos foram designados por Kokolos pelo ramo mais meridional dos Moroves, os Mongonjos.
Por volta de 1500 os Lolos encontravam-se estabelecidos nos vales do Chire e do Ruo e na margem norte do Zambeze, espalhando-se os Lomwes propriamente  ditos  por  toda  a  vasta  região  de  terras  altas  a  leste  da  linha






formada pelos Lagos Chirua e Chiuta e pelos rios Ruo e Lugenda.

Em 1580 sobreveio a terrível invasão dos Zimbas, identificada pelos modernos etno-historiadores como uma ofensiva militar lançada por um dos Lundos, reis do ramo manganja dos Maraves, possivelmente com vista a monopolizar as rotas comerciais com o litoral. Este Lundo conquistador foi posteriormente derrotado, com o auxílio dos Portugueses, pelo Karonga Muzura, senhor  do  ramo  principal  dos  Maraves,  que,  substituindo-se  ao  vencido, conseguiu formar um vasto império que se estendia do rio Capoche (afluente do Zambeze)  até ao litoral. Integrados  nas suas hostes,  os Lolos parece terem tomado parte activa nesta conquista, que rechaçou Makuas e Lomwes para o interior norte. O nome de Lolo surge, nos antigos documentos, sob a forma de Bororo  e, nas modernas  designações  sob Soror.  Estenderam-se  do Chire  a Quelimane.
Em 1667 Manuel Barreto notou que a ocupação dos Bororos atingia Quelimane  e  que  os  seus  chefes  haviam  sido  submetidos,  à  força,  pelos Maraves. O próprio nome Chuabo dado à população da Baixa Zambézia, sendo de origem marave e dado pelos Lolos, revela que se radica num ramo que obteve identidade étnica distinta em data relativamente tardia, quando os Portugueses já haviam entrado em contacto com povos que falavam uma língua marave.
Alguns grupos Tolos devem ter alcançado a actual área do distrito de Porto Amélia, onde sobrevive uma tradição duma aristocracia conquistadora oriunda do Lago Niassa e ascendente de um dos principais régulos da região, Maroro.
Com a decadência do Império Marave, tanto Makuas como Lomwes e Lolos regressaram paulatinamente à sua estrutura clãnica e tribal, voltando a expandir-se pelas regiões de onde haviam sido expulsos.
Os Lomwes foram, durante muito tempo, considerados com menosprezo pelos outros nativos, nomeadamente pelos Nyanjas e Ajauas. Este facto levou este grupo a quase completa segregação e a manutenção de costumes característicos. Por receio dos ataques de outros grupos melhor organizados e






para  fugirem  às  razias  dos  caçadores  de  escravos  a  soldo  dos  Árabes, refugiaram-se nas densas florestas do Namarroi e do Lugela e nas escarpas dos montes Namuli, onde atingiram tão grandes densidades populacionais que os seus efeitos ainda hoje são reconhecidos pelo desaparecimento da floresta primária.
Todos  os  Lomwes  manifestam  sentimentos  de  especial  afecto  pelos Montes Namuli que são considerados como berço da Humanidade, ali existindo as pegadas dos primeiros seres humanos.
F. A. Vieira relata a existência nas margens do Lago Chirua de locais que, embora        abundantes       em         peixe,                        são                         supersticiosamente     evitados                                pelos pescadores. Segundo a tradição, existiam ali outrora povoações lacustres construídas pelos nativos como defesa contra os caçadores de escravos.
Soares de Castro recolheu no Larde a tradição de que os Árabes, parece que devido à hostilidade  dos Maraves,  deixaram  de frequentar  os portos  de Moma. Aproveitando a expansão dos Lomwes e o seu interesse na manutenção de relações comerciais com o exterior, os Árabes forneceram-lhes as armas de fogo com que conseguiram expulsar definitivamente os Maraves. O chefe vence- dor, Nampama, iniciou, na verdade, um proveitoso tráfego mercantil trocando vestuário, ornamentos, pólvora e armas brancas e de fogo por escravos, marfim, mel, cera e borracha.
A partir de meados do século XVIII o crescente aumento de tráfego comercial com o exterior provocou importantes transformações sociais, políticas e económicas. A ele se deve a introdução de armas de fogo, a caça intensiva de elefantes  para  obtenção  de  marfim  e  as  lutas  inter-tribais  para  captura  de escravos                 destinados         à                          exportação.     Desenvolveram-se                                                 unidades       políticas fortemente centralizadas e dominadas por chefes poderosos que viviam funda- mentalmente  do  monopólio  do  comércio  externo  e  da  venda  de  escravos. Contudo, esta transformação ainda é mal conhecida.
Cerca de 1850 a pressão exercida pelos Makuas-Lomwes forçou grande parte      dos                Ajauas meridionais                 a           buscarem                               refúgio                     na               região                 sita     nas proximidades da ponta sul do Lago Niassa, chegando até Milange.






Segundo S. D. Rafael, eram de origem nyanja os povos que até 1860 habitaram a região de Milange. Na década iniciada por aquele ano, devido a dissidências políticas e também à pressão dos Makuas começaram os Ajauas a penetrar na região, chefiados por Matipuire e M'tiramanja que se lançaram em constantes  incursões com vista a obterem escravos para venda aos árabes. Esta actividade, aliada às devastações dos Angonis, reduziu drasticamente a população local. Apenas em 1890, após a efectiva ocupação portuguesa,  se iniciou o repovoamento da região por imigrantes de origem lomwe. Mas a grande migração  de Lomwes  em  direcção  ao Malawi  iniciou-se  entre  1897  e 1907, quando a vasta região que habitavam foi definitivamente ocupada pelas forças portuguesas. Em 1921, 1931 e 1945 o número de Lomwes recenseados naquele país foi de 120 000, 136 000 e 380 000.
L. D. Soka e L. M. Bandawa estão de acordo em dividir o povo de onde são oriundos em diversos sub-grupos cuja designação afirmam derivar de peculiaridades geográficas ou de outros atributos específicos: Amanyawa, Amaratha, Alikhuku, Anahito, Makuwa, Atakhwani, Amihavani, Nyamwello, Mihekani, Malokotera, Amuhipiti, Ameto, Axirima, Akokohola e Anguru.
O  próprio  nome  principal  procederia  de  um  tipo  especial  de  solo, conhecido  por  «nlomwe»,  existente  nos  Montes  Namuli,  considerados  como berço do grupo étnico. Mihavani radicar-se-ia em Mihava, areia, aplicando-se, por conseguinte a habitantes de uma região arenosa. Ameto adviria de weta, andar, atribuindo-se a gente com hábitos de nomadismo. Atakhwani significaria
«os que vivem nas florestas».

No que concerne a origem do controverso nome de Anguru, estão em desacordo  aqueles  dois  autores.  O  segundo  afirma  que  foi  inventado  pelos Ajauas para designar os povos limítrofes que lhes eram estranhos. O primeiro alega ter carácter depreciativo, reservando-o os altivos Nyanjas autóctones a esses foragidos que lhes vieram pedir guarida protestando submissão e a quem, por isso, também designavam por akapolo, escravos. De facto em 1945 o termo anguru foi oficialmente abolido no então Protectorado da Niassalândia.
Dada a homogeneidade cultural verificada neste grupo, é possível que o






critério linguístico seja o mais acertado para traçar as suas sub-divisões. A. Pires Prata, na sua gramática recente, divide o Makua propriamente dito em quatro regiões:


Do Centro (entre os rios Lúrio e Ligonha, no interior)

De Cabo Delgado  (entre  os rios Messalo  e Lúrio, no litoral)  Do Litoral Norte (entre Nacala e o rio Lúrio, no litoral) Do Rovuma (no vale do Baixo Lugenda).


Quanto aos dialectos propõe os seguintes:



Lomwe (entre os rios Licungo e Ligonha)

Meto (no interior, entre os rios Lúrio e Messalo) Chirima (em Malema, Amaramba e regiões vizinhas) Marrevone (no litoral, entre os rios Ligonha e Larde) Nampamela (entre os rios Larde e Meluli prolongando-se até
Boila)

Mulai (no distrito de António Enes)

Naharra  (no Mossuril  e Ilha de Moçambique)  Chaca

(no Erati).






CAPÍTULO VIII



GRUPO AJAUA (YAO)



A etno-história deste grupo foi recentemente objecto de pesquisas sistemáticas por parte de E. A. Alpers, cujas conclusões aqui resumimos.
Antes das migrações em que se lançaram no séc. XIX quase todos os Ajauas viviam dentro das modernas fronteiras de Moçambique no planalto entre os rios Lugenda e Lucherindo. A sua cultura não divergia grandemente da dos restantes povos matrilineares do norte do Zambeze. Praticavam uma agricultura de subsistência complementada pela caça e pesca. A metalurgia de ferro foi, segundo a tradição, introduzida e monopolizada por um clã específico, Chisi, possivelmente imigrante. Parece terem sido as actividades ambulatórias e mercantis destes peritos na fundição do minério e na fabricação de instrumentos de ferro que vieram a envolver os Ajauas em contactos estreitos com o litoral. Apesar da colonização árabe do litoral este-africano datar do séc. VII, ainda no início do séc. XVI os estabelecimentos  aí fundados não tinham desenvolvido comércio significativo com os povos africanos. Foi, sem dúvida, o impacto económico da ocupação portuguesa dos estabelecimentos costeiros que veio a desencadear profundas repercussões entre os povos do interior. Pouco depois da ocupação de Quílua em 1505, os Portugueses reconheceram a sua fraca utilidade, pois o domínio que tinham estabelecido sobre Sofala e o respectivo tráfego do ouro, havia arruinado aquele importante entreposto árabe. Por isso em 1512 decidiram evacuá-lo.
Foi nesta contigência que os habitantes, para poderem sobreviver, decidiram voltar a sua atenção para o interior. Este movimento coincidiu com o interesse dos metalurgistas  chisi em direcção ao litoral. Uma observação  do Padre Monclaro escrita sobre Quílua em 1751 já faz referência à aquisição de marfim, mel e cera, em troca de tecidos, miçangas e ornamentos.
Em 1616, quando Gaspar Bocarro fez a sua célebre viagem de Tete a

Quílua, atravessando o coração do território Ajaua, o tráfego comercial com o






litoral já ali se achava firmemente estabelecido. Antes do fim do séc. XVII os Ajauas, devido à decadência dos estabelecimentos árabes, comerciavam sobretudo com a Ilha de Moçambique, substituindo-se quase por completo aos Maraves.
Com a queda do Forte Jesus em Mombaça, nas mãos dos Árabes de Oman, em 1698, inicia-se uma nova era na história do litoral. Em 1741 a dinastia Yarubi foi derrubada e a família Bu Saidi foi desenvolvendo crescente interesse pela               África       Oriental,      transformando        Zanzibar       num     centro      de     actividade importadora e exportadora.
Mas      durante       a      segunda        metade       do      século       XVII       continuou       a preponderância da Ilha de Moçambique, como demonstra o recente estudo de Hoppe sobre a África Oriental Portuguesa. Os comerciantes hindustânicos dominavam o comércio com o interior, por intermédio dos Ajauas que levavam as suas actividades mercantis até ao Zumbo e talvez mesmo até ao rico reino mineiro dos Rozwis, comprando tecidos no litoral em troca de escravos, marfim, ferro e outros produtos. Apesar da venda de armas de fogo a Makuas e Ajauas ter sido tornada monopólio do Estado em 1760, os hindustânicos continuavam a dedicar-se, clandestinamente, a esse tráfico. Há também notícia de rivalidades comerciais entre aqueles dois grupos étnicos.
Mas já em 1798 F. J. Lacerda notava que no país Uiza as mercadorias importadas eram adquiridas pelos Ajauas aos Árabes de Zanzibar em troca do marfim exportado pelo respectivo Kazembe, marfim que, outrora, transitava pela Ilha de Moçambique. Estas actividades comerciais dos Ajauas aumentaram durante o domínio do Sultão de Oman, Sayid Said, que em 1840 moveu a sua corte de Mascate para Zanzibar, desenvolvendo uma numerosa colónia árabe com                importantes        plantações.         Este       dirigente       encorajou        activamente         o estabelecimento  de mercadores hindustânicos cujo número em 1860 subia a
5000 e que financiaram a organização de grandes caravanas ao interior, comandadas por Árabes.
É impossível avaliar quais os efeitos provocados  inicialmente  entre os

Ajauas pelas suas actividades mercantis. O mais que se pode supor é que os






indivíduos  capazes  de  organizar  longas  expedições  em  direcção  à  costa  e serem bem sucedidos nos seus negócios, passavam a auferir maior prestígio. Por conseguinte, subiam as suas possibilidades de se transformarem em dirigentes de comunidades mais vastas do que a tradicional matrilinhagem. O aparecimento de grandes chefes ajauas só ocorreu no século XIX coincidindo com  a  progressiva  intensificação   do  comércio  esclavagista.  Os  escravos tornavam-se um factor importante no sistema político e económico ajaua. Propriedade pessoal de grandes chefes-guerreiros-comerciantes,  serviam para todos  os  misteres  aumentando  a  riqueza  e  o  número  de  aderentes  do  seu senhor. Segundo Y. A. Abdallah, o chefe Mataka I, fundador da mais importante dinastia  ajaua,  chegou  a  ter  600  mulheres  distribuídas  por  oito  grandes povoações.  Outro  grande  chefe  ajaua  dentro  de Moçambique  foi Muwembe. Ambos eles foram visitados por Livingstone em 1866, descrevendo o mesmo missionário e explorador as grandes aglomerações em que viviam, as intensas actividades   comerciais   que  mantinham   com  Quilua   e  as  incursões   que realizavam contra os Nyanjas e Manganjas para obter escravos.
O  poder  desses  e  outros  chefes  ajauas  foi  derivado  do  monopólio exclusivo que mantinham de actividade comercial e das práticas predatórias e esclavagistas  possibilitadas  pelo  emprego  de  armas  de  fogo.  Sabe-se  que Mataka I criou uma organização estadual de certa complexidade dispondo de juízes, um comandante-em-chefe e um ministro de comércio.
Foi a partir de 1850 que os Ajauas se lançaram em vários movimentos migratórios cuja génese ainda é mal conhecida. Tem-se aventado como causa grandes pragas de gafanhotos, profundas dissenções internas, ataques dos Angonis  dominados  pela  dinastia  Masseko,  pressões  exercidas  a  leste  por grupos Makuas-Lomwes vítimas de terrível famina, intensificação das incursões para caça de escravos, etc.
O certo  é que  largas  dezenas  de  milhar,  em  quatro  grupos  distintos, emigraram para o actual Malawi, fixando-se inicialmente, de modo pacífico, no Alto Chire e costa ocidental do Lago Niassa. Posteriormente envolveram-se em violentas  lutas  contra  os  Nyanjas  autóctones  e,  graças  às  armas  de  fogo,






submeteram parte deles e expulsaram os restantes para o Baixo Chire. Outro grupo também numeroso atravessou o Rovuma para se fixar no sul da actual Tanzania. Por outro lado o grupo chefiado por Metarika deixou a margem norte do Rovuma para fugir às constantes incursões angonis e fixou-se nas margens do Lugenda onde Livingstone o encontrou em 1886.
A cultura tradicional dos Ajauas é razoavelmente conhecida. Tal se deve aos trabalhos de M. Sanderson, H. S. Stannus, L. Mair, W. H. J. Rangeley, D. M. Macdonald, A. Lunati, Y. B. Abdullah, F. J. Peirone e, sobretudo, de J. Clyde Mitchell.






CAPITULO IX
GRUPO MAKONDE



Devido  às  pesquisas  intensivas  e  sistemáticas  realizadas  por  uma missão  de  etnologia  chefiada  por  J.  Dias  pode  considerar-se  a  cultura tradicional dos Makondes como a melhor conhecida em Moçambique.
Sabe-se muito pouco sobre a origem do povo Makonde. A ausência de organização tribal impediu que se desenvolvesse a consciência colectiva de um destino  histórico  comum.  Ao  contrário  do  que  sucedeu  em  outros  povos africanos,  onde  existiu  uma  hierarquia  de  chefes  poderosos,  os  Makondes viveram sempre dividido em pequenos grupos familiares, conhecendo apenas a soberania do seu chefe de povoação.
Só esporadicamente, na zona marginal, parece ter havido chefes cujos poderes se estendiam a várias povoações. Mas mesmo neste caso é duvidoso que se tratasse de monarcas ou autênticos chefes supremos.
Tudo leva a crer que os Makondes  vieram do sul do Lago Niassa e caminharam   ao  longo  do  Lugenda   até  se  fixarem   nas  vizinhanças   da confluência daquele rio com o Rovuma, nas imediações do Negomano. Essa tradição vem certamente de épocas muito recuadas. Mesmo que não houvesse dados históricos confirmativos bastava o facto de os Makondes possuírem uma cultura homogénea, que, em grande parte, representa uma forma perfeita de adaptação ao ambiente natural, para se ter de admitir uma longa permanência nos planaltos.
A  diferenciação  linguística  que  hoje  existe  entre  os  Makondes  da Tanzânia e de Moçambique, e, ainda, entre estes e os Matambwes, prova que houve  um  longo  processo  de  individualização  que    foi  possível  com  o decorrer de algumas gerações. Os próprios
ritos da puberdade (que são uma das instituições sociais makondes mais importantes a distingui-los de outros grupos vizinhos, como Makuas e Ajauas) apresentam diferenças notáveis, o que confirma um longo período de evolução social independente.






Apesar da identidade de condições naturais e da explicação lógica que os Makondes dos planaltos de aquém e além-Rovuma dão da origem do seu nome, existe  um  certo  etnocentrismo  a  impedir  que  esse  nome  seja  generalizado. Assim os Makondes de Cabo Delgado dizem que os de Macomia são também Andondes (Vandonde). Por sua vez, os Makondes da Tanzânia chamam Mavia (Maviha) aos de Cabo Delgado, não lhes reconhecendo o direito à designação de Makondes. Estes explicam que o nome Mavia lhes foi posto por reagirem brutalmente, usando logo a catana quando alguém os ofende. É evidente que estas distinções são meras expressões de etnocentrismo, que nada contrariam a origem cultural básica deste povo. Contudo, o nome Mavia (ou Mawia, Mabiha, Maviha) foi usado pela grande maioria de autores estrangeiros que se referem aos Makondes de Moçambique.
Por outro lado o Makonde tem uma consciência mais ou menos perfeita da comunidade de cultura e das suas relações com outras culturas aparentadas, podendo deduzir-se uma ideia de comum origem pela maneira como perguntam se um indivíduo pertence a outro povo. Assim consideram aparentados os Andondes, que habitam as margens do Rovuma, na região entre Mocímboa do Rovuma e Nangade. A língua também é semelhante, assim como certos hábitos e o uso do botoque (ndona) no lábio superior. Mas usavam enormes rodelas em orifícios abertos nos lóbulos auriculares, o que os distinguia dos Makondes. Por sua vez os Andondes do sexo masculino não praticam mutilações. Alguns dizem que os Andondes foram, outrora, Makondes. É de facto natural que tivessem modificado muitas das suas características individuais devido ao contacto com as populações  situadas  no vale  onde  circulavam  povos  aguerridos  como os Angonis e onde a acção islamizante penetrou profundamente.
Outro  povo   que  consideram   irmão   é  o  dos  Matambwes.   Outrora numerosos e fortes foram dizimados pelos Angonis.
Os Makondes apresentam certos traços de cultura, como a escultura em madeira e o uso de máscaras nas cerimónias da puberdade, que os aparentam com o «círculo congolês do sul», de Baumann. Além disso, as danças sobre andas, que se observam nos Makondes de Moçambique e de Newala, aparecem






entre os Chewas de Moçambique; Zâmbia e Malawi e, também no Congo e na Lunda. De facto, os Makondes têm outros traços comuns com os Chewas que habitam actualmente uma área ao sul e sudeste do Lago Niassa que grosso modo, corresponde à região que velhos Makondes dizem ter sido a sua pátria primitiva.  Aos  Chewas  devemos  juntar  os  Nyanjas  e  Manganjas.  Parece, portanto não oferecer dúvidas que fizeram outrora parte do Grupo Marave.
Os Makondes não se recordam de ter tido guerras com qualquer povo, desde essa remota partida do Lago Niassa. Dizem que quando chegaram aos planaltos estes estavam desabitados, mas ignoram se as baixas estavam ou não povoadas. Alguns ainda hoje mencionam que seus avós falavam na existência de homens anões. Mas ignoravam onde e como viviam, apenas garantindo que habitavam fora do planalto. Mas se por estas tradições nada podemos concluir, há outros  factos  que nos  fazem  aventar  a hipótese  de os Makondes  terem deparado com povos no seu caminho e de se terem em parte miscigenado com eles. Encontram-se indivíduos que, pela estatura pigmóide e pelas feições, se distinguem dos restantes. Embora misturados com outros elementos étnicos e integrados    na           cultura makonde                              esses                   exemplos      permitem                        acreditar        na preservação de um substrato pigmóide anterior à ocupação makonde.
Os Makondes olhavam para os Makuas com sobranceria, como povo que nunca temeram e que serviu de pasto às suas razias e incursões para captura de escravos. O desejo de formar lares políganos, preocupação dominante dos Makondes, aliado à necessidade de entregar escravos, para satisfazer as penas impostas  em  casos  de  crime  de  morte,  obrigavam  a  incursões  em  território makua. Outros também se dedicavam a tais aventuras por mero gosto, pelo desejo de adquirir prestígio capturando inimigos. Os Makuas jamais se aventuravam no planalto pois temiam a violência dos ataques de retaliação.
Segundo a tradição, em determinada época, os Makondes, receando que os Ajauas constituíssem um perigo, juntaram-se em grande número, reunindo gente de várias linhagens e foram atacá-los nas terras baixas, infringindo-lhes grandes        perdas       e      obrigando-os         a      debandar.        Esta        informação        pode possivelmente relacionar-se com a primeira migração de Ajauas de Moçambique






para Masasi, por volta de 1850. Teriam sido primitivamente expulsos do seu país, entre Mataka e Unangu, pelos Angonis Masekos. Os Makuas destroçaram- nos, então, dispersando-os uns para o norte, para Masasi, outros para sudoeste do planalto dos Makondes elo Tanganhica e outros pelas margens do Baixo Rovuma. É muito provável que nessa altura os Makondes se vissem obrigados a intervir, contribuindo para essa dispersão dos Ajauas. É até de admitir que os ataques atribuídos aos Makuas se devessem aos Makondes.
Foram os Gwangaras e os Mavitis os grupos Angonis que mais influenciaram as populações do vale do Rovuma, com as suas constantes investidas. A desorganização que causaram nas populações aí fixadas foi espantosa. Alguns grupos foram exterminados ou dispersos. Os Matambwes, que,   segundo            Livingstone,               constituíam        em                1866,              um                          grupo                   numeroso, estendendo-se as suas aldeias por uma vasta área, estavam praticamente dizimados em 1882, quando Maples passou com a sua expedição através desta região.
Os Makondes do Tanganhica também não foram capazes de resistir aos ataques dos Angonis Maviti e tiveram de se refugiar na costa ou em algumas ilhas do Rovuma. Isto mesmo fizeram os Matambwes sobreviventes, chegando alguns a ter palhotas nas duas margens do rio, aproveitando-se da superstição que limitava aos Angonis a travessia de grandes cursos de água.
Os Makondes de Moçambique conseguiram sempre escapar a estas investidas, em parte pela sua agressividade em frente do inimigo, mas sobretudo pela magnífica situação defensiva do planalto, com escarpas alcantiladas para o norte, sul e oeste e pelo matagal espesso e impenetrável que resulta do bosque secundário, depois de a floresta primitiva ser destruída. Além disso os Makondes souberam tirar partido das condições naturais, escondendo as suas aldeias nos lugares  mais densos  do mato e tornando  os carreiros  de acesso  autênticos labirintos  onde  qualquer  estranho  se perdia.  O mato  cerradíssimo  servia  de protecção. Mas, para maior segurança, todas as aldeias se tornaram lugares fortificados, cercados por paliçadas bem concebidas, com uma ou duas entradas trancadas. Além disso, entre o mato circundante abriam muitas covas, dentro






das quais colocavam estaquinhas pontiagudas, disfarçadas com capim ou ramagens, de maneira a ferir profundamente as plantas dos pés dos que se aproximassem  descalços, sem conhecerem  as veredas seguras. Os Angonis tentaram por várias vezes, mas em vão, invadir o planalto.
Este sistema defensivo não visava apenas os inimigos do exterior, mas também   os   próprios   vizinhos,   pois,   antes   da  ocupação   portuguesa,   os Makondes, como se referiu, frequentemente se guerreavam mutuamente.
Segundo  as  reminiscências  de alguns  velhos,  em  épocas  remotas  os Makondes dedicavam-se à caça, porque nessa altura as planuras não ofereciam perigo. Caçavam até mesmo elefantes, usando armadilhas ou organizando grandes batidas colectivas. Depois, essas actividades venatórias longínquas deixaram de oferecer segurança, já que os caçadores de escravos ao serviço dos árabes se tornaram em ameaça constante. Mesmo em deslocações aos centros comerciais do litoral para vender borracha ou adquirir panos, ferro, espingardas e pólvora, tinham de se organizar em grupos armados capazes de se defenderem de qualquer emboscada.
Com a chegada dos Angónis e com as suas razias constantes, a situação piorou e os Makondes cada vez se isolaram mais no seu planalto, donde só saíam em fulminantes incursões às tribos vizinhas, para apanhar mulheres. A sua agressividade e isolamento acabaram por lhes grangear a fama de invulnerabilidade, ninguém se atrevendo a penetrar no seu território.
O     amor   à       independência        e     a     violência       com     que     se      defendiam contribuíram  para que os Makondes  se mantivessem  até aos princípios  dos século XX relativamente fechados à influência do exterior.
Como notou o Prof. Jorge Dias, o isolamento tem uma acção arcaizante e individualizadora, da mesma maneira que os contactos e o convívio contribuem para  a  uniformização   de  vastas   áreas.   O  isolmento   dos   Makondes   de Moçambique contribui para os diferenciar dos Makondes do Tanganhica, dos Matambwes e possivelmente dos Andondes, mas é natural que, num passado mais ou menos remoto, tivessem sido um único povo.






CAPÍTULO X


GRUPO NGUNI ANGONIS (NGONI)



Depois de Chaka ter derrotado definitivamente os Ndwandwe em 1818 ou

1819. N'qaba, parente agnático do monarca vencido, buscou refúgio, com seus súbditos,  nas  terras  de  Ngwana,  chefe  do  clã  Maseko.  Este,  por  sua  vez, temeroso das represálias de Chaka, decidiu partir com o seu povo, em direcção setentrional.  Y.  M.  Chibambo  e  Margaret  Read  referem-se  às  arreigadas tradições  que recolheram  entre  os  actuais  grupos  angonis  garantindo  a sua origem swazi. O estudo comparativo dos clãs - tal como são enumerados por Bryant e H. Kuper - permite afirmar a relativa veracidade dessas tradições. Na sequência de recentes investigações de campo efectuadas na região que se estende entre a fronteira sul de Moçambique e o rio Hluhluve, G. Nurse aventa a hipótese de N'qaba, ao partir da enseada de Santa Lúcia, levar consigo aderen- tes dos clãs m'ngomezulu, zulu, nguenya, maga gula, maxabana, mgabi, maguagua, xulo, mbonambi, nthombeni e malinga, clãs que se encontram simultaneamente entre os angonis e os ndwandwes.
Ngwana, ao deixar, com o seu povo, o território ancestral, parece haver- se dirigido, directamente, para o país Venda, onde se estabeleceu durante dois anos até ser expulso pelo grupo chefiado por Zwanguendaba. Encaminhou-se, mais uma vez, em direcção ao Norte. Há provas suficientes da sua passagem por Fort Victoria, Manica e Mbire, a sudeste de Salisbúria. Aqui foi pela segunda vez atacado e obrigado a retirar pelas forças de Zwanguendaba. Penetrou no território moçambicano, sendo-lhe atribuído o massacre dos habitantes da feira de Macequece,  em 1832, que se defenderam  com balas de ouro. Já sob o comando do regente Magadlela, reen
controu N'qaba na região da Gorongosa e, juntando as forças, con- seguiram ambos infringir pesada derrota a Zwanguendaba, em 1834 ou 1835,






algures entre Manica e Salisbúria, levando-o a atravessar

• Zambeze nesse último ano. Os dois aliados separaram-se amiga- velmente, preferindo muitos dos representantes dos clãs supracitados seguir os chefes masekos.
O regente Magadlela e os seus súbditos estabeleceram-se durante cinco anos  no  Báruè.  Quiteve  e  Quissanga  foram  assoladas.  É  possível  que  a centenária dinastia Chikanga de Manica haja também sucumbido perante estes ataques,  sucedendo-lhe  a  dinastia  Mutassa.  De  qualquer  modo,  a  feira  de Manica foi abandonada em 1835.
Depois de 1836 raziaram as terras do Mwene Mutapa Kandi, na Chidima e Chicoa. Devastaram também a região ao norte do Púngoè, sobretudo as áreas povoadas pelos Bargwes, Makombes, Nyungwes e Zuzuros. Em 1838 ou 1839, fugindo a uma grande estiagem,
            mesmo grupo, então sob o comando de outro regente, Mgoola, atravessou, por fim, o Zambeze entre a Lupata e o Sungo.
S. Alberto - baseado em documentos oficiais contemporâneos expedidos pelo Comandante de Tete - afirma que se dirigiram directamente para o actual planalto da Angónia. Ê de supor que, informados sobre a fertilidade, as chuvas regulares, os bons pastos
• a existência de gado naquela região, tenham tomado tal decisão justamente para fugirem aos catastróficos efeitos da prolongada estiagem que sofreram no vale do Zambeze.
Parece  haverem-se  fixado  no planalto  apenas  durante  cinco anos,  de

1839 a 1844. Neste último ano é assinalada de novo a sua presença na margem esquerda do Zambeze, junto ao prazo Sungo. Aquele autor atribui esta nova migração à hostilidade que lhes moveu o soberano da Macanga, Pedro Caetano Pereira, o «Choutama».
No país Ntumba, que foi ocupado, Mputa, filho de Ngwana, ascendeu finalmente ao trono.
Enriquecidos com bastantes elementos de origem ntumba, atravessaram o rio Chire, perto de Fort Johnston. Cruzaram  o país dos Ajauas, no actual






distrito do Niassa, penetrando de seguida na actual Tanzânia, até a Songea, próximo das nascentes do Rovuma. Daí lançaram incursões que atingiram o Lago Victoria e a cidade arábe de Quilua.
Posteriormente chegou à região um segundo grupo, também enquadrado por Angunes, grupo conhecido por Gwangara e que tivera a sua origem nas segmentações sofridas pelos migrantes que haviam partido da terra natal sob o comando de Zwanguendaba. Até cerca de 1858 fora este segmento comandado por Zulu-Gama, data em que a chefia foi assumida por Mbonani.
Aliando-se temporariamente, os dois grupos conseguiram bater as forças enviadas por Mwombera em perseguição do dissidente Zulu-Gama. Depois, reconhecendo  a superioridade  de Mputa,  colocaram-se  sob o seu comando. Porém, este monarca, que nenhuma confiança tinha nos seus novos aliados, mandou matar, à traição, vários indunas e o próprio Mbonani.



Os Gwangara, calando o seu ódio, aguardaram que surgisse o momento propício para exercerem vingança. Um dia, quando Mputa e o seu regimento foram batidos durante o ataque lançado contra uma tribo Ruhaha, vieram, imprudentemente,  procurar  refúgio  junto dos Gwangara.  Estes  não deixaram perder aquela oportunidade para chacinarem o aleivoso monarca e todo o seu séquito.
Sabendo-se que Mputa foi cremado junto do rio Lichiningo, em Songea, é de aceitar a versão segundo a qual os Gwangara conseguiram  convencer  o grupo chefiado pelos Maseko de que o seu inkosi fora morto por outros inimigos. O  certo  é  que  puderam  ultimar  sub-repticiamente  os  preparativos  para  um segundo ataque em grande escala. Colhendo então os seus novos aliados de surpresa obrigaram-nos a bater em retirada e a atravessar de novo o Rovuma, abandonando muito gado e parte dos cativos recentemente incorporados nos regimentos.
É após a morte de Mputa que surge o regente Chidyawonga, seu irmão, regente que conduziu os vencidos, mais uma vez, através do actual distrito do






Niassa, batendo os Ajauas em Cavinga e Livonde, vadeando o Chire e estabelecendo-se definitivamente nas cercanias do Monte Domuè, no território de Moçambique, cerca de 1865.
Esse regente sempre respeitou os direitos de Chikussi à chefia suprema, visto este haver sido indigitado como sucessor por Mputa, seu pai, depois de o fazer adoptar pela «casa grande», por ser filho de uma esposa subalterna. Mas Chifissi,  filho do regente,  também  alimentava  ambições  de independência  e, baseado no Domuè, ordenou incursões contra Ajauas e Nyanjas. Chikussi, por seu lado, deslocou-se para Mlangueni, a sudeste, e alargou os seus domínios pelas terras de Ntumbas, Ambos e Manganjas.
Sabe-se  que em 1875 um regimento  angoni atravessou  o rio Chire e atacou                os           Ajauas instalados   a   oriente,    obrigando-os   a                                                       refugiar-se   nas montanhas. No ano seguinte outro regimento repetiu a façanha e destruiu todas as povoações ajauas ao seu alcance.
Em 1884, foram, por sua vez, atacados os Makololos, oriundos da Barotzelândia, que, depois de deixarem o serviço do Dr. Livingstone, haviam subjugado, graças às armas de fogo, uma parte da população do vale do Chire. Para evitar que os invasores atravessassem o rio, tinham construído uma linha de povoações fortificadas nos locais onde se passava a vau. Vencida, parece que por astúcia, a resistência de uma dessas povoações, os Angonis saquearam o vasto território onde hoje se situa Zomba, Limbe, Blantyre e Milange, só tendo retirado a pedido dos missionários britânicos.
A Chikussi, falecido em 1891, por altura do traçado da fronteira entre Moçambique e a Niassalândia, sucedeu seu filho Gomani, o qual, auxiliado por um chefe ajaua, conseguiu dois anos depois expulsar Kacindamoto, sucessor de Chifissi, para a margem do Lago Niassa, compartilhando o governo da região do Domuè com seu irmão mais velho, Mandala. As repetidas incursões que lançava contra os povos sob protectorado da Inglaterra, levaram à sua derrota e fuzilamento em 1896, por uma expedição britânica, quando recusou submeter-se à humilhação de marchar ao lado dos cavalos dos seus captores. A sua avó Namlangueni passou a compartilhar o governo juntamente com Mandala. Em






1898  este  pediu  o auxílio  das autoridades  portuguesas  de Tete  contra  uma incursão  britânica  que,  efectivamente,  retirou  perante  as forças  comandadas pelo tenente Francisco Augusto Trindade, das quais faziam parte os chikundas do último Caetano Pereira, cognominado «Chinsinga».
Para evitar a recrudescência do poderio angoni o 2.° tenente da Armada Real, António Júlio de Brito, quando ocupou definitivamente a região, decidiu afastar temporariamente  dos seus antigos domínios  todos os cinco filhos de Chikussi. Três deles, incluindo Mandala, faleceram durante a deportação. Rinze ou Zintambira, após o seu regresso, foi nomeado régulo das terras onde havia residido seu pai, embora sem autoridade legal sobre os restantes chefes.
As     duas       derradeiras       vezes       em     que     os     regimentos       angonis       de

Moçambique foram mobilizados como forças activas de combate ocorreram em

1902 durante a campanha  contra o «Chinsinga»  e em 1917-1918  durante a revolta  dos  monarcas  Makombes  do  Báruè  que  se  alastrou  pela  Chicoa  e Zumbo.



Para repetir o sumário de Margaret Read distinguem-se quatro elementos na composição étnica dos Angonis do Malawi e Moçambique:

a) os descendentes dos dois grupos vangunes partidos do Natal após a derrota sofrida por Zwide em 1818 ou 1819;
b) os descendentes dos Tsongas e Karangas que entre o Natal e o Zambeze se agregaram aos núcleos originais vangunes;
c) os descendentes dos incorporados durante as migrações ao norte do Zambeze, sobretudo do extracto Ntumba e Tengo;
d) os descendentes das tribos submetidas que habitavam o território onde os Angonis se estabeleceram definitivamente (Tumbuka, Henga, Chewa, Bemba e Ajaua).


Características  da cultura angoni podem encontrar-se  não apenas nos elementos a) e b) mas também entre as famílias do grupos c) cujos ascendentes






varões foram incorporados nos regimentos e casaram com mulheres dos grupos a) e b).

O IMPÉRIO DE GAZA


Sochangana ou Manukusse:

Teixeira  Botelho  aventa  a hipótese  de  Sochangane  e  Mzilikazi  serem irmãos. Pertenciam ambos, pelo menos, ao Estado Ndwvandwe chefiado por Zwíde, a seu lado lutando contra Dinguisuayo.


Porém, ao contrário do que aconteceu com Mzilikazi, Sochangane permaneceu leal a Zwíde até à derrota que este sofreu perante Chaka, no rio Mhlatuze, em 1818 ou 1819.
Do mesmo modo que N'qaba e Zwanguendaba partiu para o Norte, acompanhado pelos seus parentes e aderentes. O Padre Daniel da Cruz alude a um total de 3000 famílias, o que nos parece manifesto exagero. Ia, pelo menos, acompanhado pelas viúvas de seu pai, por quatro irmãos e por algumas das suas  esposas.  Teria,  nesse  tempo,  entre  30 e 40 anos.  Na sua genealogia conhecem-se  quatro  antepassados:  Mukachua,  Mungua  Gaza  (donde  vem  o nome  que  deu  ao  seu  reino),  Uguagua-Makue  e  Segone.  Muito  embora  se afirme que os invasores eram súbditos de Inkabosa, parece que obedecia a Sochangane  o  exército  que  em  5  de  Julho  de  1821  invadiu  e  saqueou  de surpresa as terras do Tembe na margem sul da Baía. Segundo relatou o Governador  Caetano da Costa Matozo, na nota que redigiu em 11 de Julho daquele ano, os invasores só se retiraram depois de verem satisfeitas as suas exigências em miçangas e manilhas de cobre.
Foi entrevistado no rio Tembe, no dia 8 de Outubro de 1822, por oficiais da esquadra britânica do comandante Owen, que patrulhava a costa oriental da África. Usava a tradicional coroa de cera e uma pena no cabelo a distingui-lo dos súbditos. Estava armado de azagaia e grande escudo de pele de bovino. Devido a  um   mal   entendido   os   seus   guerreiros   atacaram,   durante   a  noite,   o acampamento britânico mas foram repelidos por nutrida fuzilaria.






Segundo uma versão, Sochangane permaneceu durante algum tempo no actual  distrito  do  Maputo,  do  mesmo  modo  que  N'qaba  e  Zwanguendaba. Embora tivesse autorizado o último destes chefes vangunes a partir, mandou traiçoeiramente assaltar-lhe a vanguarda. Os cativos e as manadas foram, no entanto, recuperados pela força das armas por Zwanguendaba que depois acelerou a sua marcha em direcção ao país venda, através do vale do Limpopo. N'qaba, aproveitou a confusão para pilhar a Sochangane mulheres e gado mas depressa foi batido e posto em fuga perdendo tudo aquilo de que aleivosamente se apoderara. Todavia, na versão de M. M. Motenda, Sochangane e Zwanguendaba teriam chegado simultaneamente ao país venda, donde partiram em direcções opostas.
Seja      como   for,        em   1826   viu           as   suas         hostes   consideravelmente aumentadas por refugiados que deixaram o país angune depois da definitiva derrota  dos  Ndwandwe  então  chefiados  por  Sicunyane,  filho  e  sucessor  de
Zwide.

Há notícia de que, pouco depois, se transferiu para Kossine entre o vale do Limpopo e o rio Mezimchopes. Mas, segundo Dioclesiano das Neves, deixou esta região infestada de tripanosomíases por ter perdido muito gado.
Santos Peixe recolheu nessa mesma área, hoje chamada Magude, uma tradição algo diferente. Sochangane teria descoberto e punido de morte a traição de um dos membros da sua nobreza, um tal Chicunyana, da casa de Zigode. Sonfapunga, irmão do executado, apresentou-se a pedir auxílio a Chaka. Este mandou, então, um exército comandado por Tchakanyana. Internando-se demasiadamente nas insalubres terras baixas em perseguição de Sochangana que entretanto deixara a região, foi acampar na Lagoa Limanzé, no Guijá, cujas águas tornaram os invasores tão doentes que se viram forçados a bater em retirada.
Quintinha e Toscano também aludem às fomes e doenças que obrigaram os guerreiros de Chaka a regressar ao país angune. Sansão Mutemba recolheu igualmente  a tradição  de se não ter verificado  qualquer  recontro  em grande escala entre as forças de Chaka e Sochangana. As primeiras, vendo os seus






intuitos   gorados   pela  retirada   estratégica   das  segundas,   teriam  decidido retroceder  caminho  num  local  ainda  hoje  denominado  Ka  Chaka,  sito  na regedoria Chissungue (Chissunguele?) do Caniçado.
Manjobo, que foi induna de Sochangana, declarou a Gomes da Costa que aquele       conseguiria        bater     os                     regimentos        que         Chaka                            mandara               em                   sua perseguição e que, após este combate, penetrara no Bilene, estabelecendo a sua povoação em Nonoaquinique.
O certo é que em 1828 o monarca de Gaza teve que enfrentar o exército de Chaka  durante  a campanha  com  que  o neurótico  e sanguinário  déspota pretendera comemorar a morte da mãe.
Parece  não oferecer  dúvidas  que as suas  sucessivas  deslocações  se deveram  ao  desejo  de  diminuir  as  probabilidades  de  ser  atacado  pelos regimentos de Chaka e, posteriormente, de Dingane. Segundo Junod, os seus guerreiros, para evitarem ser reconhecidos pelas forças mandadas em sua perseguição, chegaram ao humilhante extremo de se submeterem às tatuagens dos Tsongas.
É aceitável a hipótese de se haver fixado durante alguns anos na margem esquerda do Limpopo, provavelmente na região que veio mais tarde a escolher para sua capital definitiva, Chaimite. É também nesta região, mas na margem direita, em Chiduachine, que a tradição oral assevera ter construído a povoação sagrada onde residiam as viúvas de seu pai.
Segundo       uma      versão      foi     atacado       por     forças      de     N'gaba,       vindas expressamente do Norte do Save, forças que o teriam obrigado a retirar para a margem  direita  do Limpopo.  Este  possível  recontro  teria  ocorrido  no Bilene, segundo F. Toscano.
Mas logo que estas regressaram ao Norte do Save, lançou-se de novo na tarefa   de  submeter   as   tribos   autóctones   cedo   conseguindo   a  completa vassalagem dos Makuakuas e, apenas em parte, a dos Chopes.
Talvez  em  consequência  do  ataque  ordenado  por  Dingane  contra Lourenço Marques, da execução do respectivo Governador Dionísio António Ribeiro em 13 de Outubro de 1833 e da ocupação pelos Zulos das terras ao sul






do Incomáti  ou simplesmente  para  se vingar  da humilhante  derrota  que  lhe infringira N'gaba anos antes, Sochangana mais uma vez decidiu partir. No seu caminho  em  direcção  norte  invadiu  em  1834  as  Terras  da  Coroa,  em Inhambane. Saiu-lhe ao encontro o Governador, comandando os residentes, a gente de armas e os auxiliares nativos de que dispunha. Esses 280 homens, na maioria moradores, foram massacrados num combate travado além do rio do Ouro. Atravessando o rio Save, Sochangane atacou e derrotou N'gaba, em 1836 ou 1837, no actual território da Rodésia, perto da fronteira com o Distrito de Mossurise.  Permaneceu  na região  apenas  dois  ou três  anos  tendo  decidido regressar ao vale do Limpopo devido a uma epidemia de varíola que dizimou os seus súbditos. É provável que seja responsável pelo massacre da coluna de boers que se dirigia a Lourenço Marques, massacre que procurou compensar com 300 cabeças de gado. Parece ter sido nesta altura que resolveu assumir o cognome de Manukusse.
Em 1840 já se encontrava na sua nova capital em Chaimite quando recebeu C. S. Pinto, emissário do Governador de Inhambane. Sobre o primeiro monarca de Gaza diz esta testemunha ocular, quando por ele foi recebido no curral de gado e obrigado a sentar-se sobre o estrume:
«Pouco tempo depois entrou Manicuras, tendo por distinção aos outros nos vestuários, o não trazer mais que uma mancha de tinta encarnada no peito e de branca em um dos ombros, dois fios de miçanga preta à roda da cintura e um círculo formado com os cabelos na cabeça.»
Em 1842 um dos seus tindunas, denominado Matchecuane, atacou os Nkunas que haviam fugido do vale do Limpopo para procurarem refúgio entre os boers no Transvaal Norte.
Nesse mesmo ano tornou a mandar parte do exército ao norte do rio Save. A vassalagem do território foi rápida e pacífica devido ao terror com que ainda eram lembradas as devastações dos anteriores grupos vangunes.
Há notícia de que em 1842 os seus regimentos devastaram os prazos de

Sofala e sujeitaram a tributo o próprio estabelecimento português. A partir de

1844 os tindunas do Império de Gaza passaram a visitar todos os anos, após as






chuvas, a região dos prazos ao Sul do Zambeze, exigindo tributos aos senhores e aos habitantes livres. Os documentos portugueses fazem alusão à presença, nesta região e nesta época, de Muzila, o sucessor de Manukusse.
Defendido pelo interior, de qualquer ataque dos boers - cujos cavalos não sobreviviam à mosca tsé-tsé - Manukusse limitou-se a consolidar o seu império e a expropriar o armentio autóctone.
A acreditar no relato de Erkine incitou os Dondulis, uma tribo tsonga do vale  do  Rio  dos  Elefantes,  a  repelir  uma  força  de  guerreiros  de  Mzilikazi obrigada pelos boers a bater em retirada. Como prémio da bravura que então demonstraram, isentou-os do pagamento de qualquer tributo. Foi possivelmente para evitar incidentes como este que os dois inkosis realizaram o acordo de fronteiras que já referimos.
Em 1853, a escassa área sob domínio do Governo de Inhambane era apenas habitada por 30 000 (Bi)-Tongas. O conquistador delegou em seus filhos a governança  dos territórios mais longínquos  e mantinha relações amigáveis com Swazis, Ndebeles e Portugueses, recebendo embaixadas de Sena, Sofala, Inhambane e Lourenço Marques, vila que não via motivos para hostilizar pon- derando, talvez, os benefícios que para os seus súbditos advinham das trocas comerciais. Sabe-se que por duas vezes se vangloriou perante visitantes que pessoalmente  não  sentia  qualquer  interesse  pelos  artigos  trazidos  do litoral. Limitou-se, na verdade, a reduzir
• vassalagem e ao pagamento de um tributo anual os dispersos prazos e estabelecimentos portugueses.
Faleceu em Chaimite no ano de 1858.



A guerra civil entre Muzila e Mawewe:


Obscuras são as causas da terrível guerra civil em que, após a morte de Manukusse, se envolveram os seus dois filhos Mawewe e Muzila. O certo é que o primeiro era indivíduo praticamente desconhecido, a quem, ao que parece, jamais haviam sido confiadas responsabilidades governativas. O contrário acontecia   com   Muzila   que,   após   seu   pai   haver   partido   do   Mossurize,






provavelmente em 1840, para estabelecer definitivamente a capital real em Chaimite, foi mandado reocupar as terras ao norte do Save, terras que governou como senhor quase absoluto desde 1842 até à morte do velho Manukusse.
Nas fontes escritas reina a maior confusão sobre o acontecimentos a que nos reportamos.
Lança  alguma  luz  um  depoimento  válido  e  inteiramente  baseado  na tradição  oral,  feito  por  Alberto  Munane  Sibia,  natural  do  Distrito  do  Baixo Limpopo e neto de um oficial, phini, de Mawewe, de quem, quando criança, ouviu a versão que se segue.
Manukusse,  quando  transferiu  a  sua  capital  do  norte  do  Save  para

Chaimite (Txhayimithi) teria trazido consigo alguns vandaus

       entre estes a sua primeira mulher, mãe de Muzila, cujo lobolo

• monarca pagara. Mas a «mulher do país», cujo lobolo fora pago pelo povo, era uma princesa swazi da dinastia real dos Dlamini, como tal cabendo a seu filho Mawewe a sucessão ao trono de Gaza.
Pelo direito consuetudinário tsonga a sucessão cabia a Muzila, por ser mais velho e filho de esposa mais antiga. Já pelo direito angune era Mawewe que deveria suceder.
Além disso, este último teria sido criado com os avós na Suazilândia, não gozando de especial afeição por parte de Manukusse, nem tão pouco de popularidade  entre  os  Tsongas,  que  o  acusavam  de  «desnacionalizado».  O inkosi  também  demonstraria  preferência  pela  mãe  de Muzila,  mais  diligente, afectiva e simpática do que as arrogantes e ociosas rainhas de origem angune.
Morto Manukusse e empossado Mawewe, de harmonia com o direito sucessório da minoria conquistadora, logo o novo inkosi iniciou cruéis perseguições contra seu irmão e respectivos correligionários. Foi por isso que Muzila se refugiou, com muitos tsongas, junto de João Albasini.
O governo despótico de Mawewe cedo desagradara aos súbditos. Muzila, atento a esse descontentamento  popular, teria gizado um plano de regresso, com o auxílio do régulo Kossa, de Magude. A primeira batalha que se travou teve lugar entre Chinhanguanine e Maholela, dela saindo derrotado Muzila. Sem






desanimar,  asilou-se em L. Marques,  reorganizou  as suas forças e tornou a enfrentar
o  irmão,  desta  vez  com  sucesso,  numa  segunda  batalha  entre  o  rio

Matola e a Moamba. Mawewe, vencido, refugiou-se na Suazilândia.

Julgando consolidado o seu poder Muzila teria regressado ao Norte do Save, na área do antigo posto administrativo de Machaze, onde nascera, «a fim de restaurar a povoação de seu pai».
Mawewe, ciente da ausência do irmão e rival, invadiu de novo o sul de Moçambique, à testa de um exército swazi. Veio no entanto, a sofrer a sua derrota final nos campos do Intimane, exilando-se definitivamente para a Suazilândia, onde faleceu em 1879.
A. Cancelas coligiu cerca de 1960, no Concelho do Bilene, a tradição de que a batalha em que Mawewe foi definitivamente derrotado se travou nas poximidades da Lagoa Chinanga, hoje na área da regedoria Uanjuculana, do Concelho do Baixo Limpopo. A. C. Myburgh por seu lado, indica 1872 como data de falecimento.
Os documentos oficiais portugueses comprovam parcialmente a versão de A. Munane Sibia.
É sabido que, em 1 de Dezembro  de 1861, Muzila se apresentou  no presídio de L. Marques a solicitar auxílio militar, em troca de submissão à Coroa de Portugal. Compreendendo  a importância do acontecimento,  o Governador Onofre Lourenço Duarte não hesitou em fornecer o socorro pretendido, tanto mais  que  Muzila  vinha  recomendado   por  João  Albasini.   Das  condições acordadas se lavrou uma acta, posteriormente aprovada pelo Governo Central.
Organizou-se então um corpo constituído pela guarnição, moradores de prestígio e guerreiros das Terras da Coroa, corpo que, junto dos regimentos de Muzila e Magude totalizava 16 000 homens. No dia 16 de Dezembro de 1861 travou-se  uma batalha,  perto do rio Limpopo,  em que o exército  de 50 000 homens reunido por Mawewe foi destroçado pela cerrada fuzilaria das armas distribuídas aos caçadores de elefantes. Devemos a Diocleciano das Neves
 relato,  talvez  exagerado,  desta  batalha  e  bem  assim,  do  grandioso






festival de purificação mágica do exército e dos_ guerreiros que haviam morto inimigos.
Muzila  deslocou-se  ao  Bilene  em  princípios  de  1862  para  marcar presença. Mas seu irmão, graças mais uma vez a alguns regimentos cedidos pelo  sogro,  conseguiu  de  novo  batê-lo  e  obrigá-lo  a  retirar  em  direcção  à Mussapa.   Porém,   Muzila   logo   retrocedeu   e,   sempre   com   o  auxílio   do Governador Onofre, infringiu outra derrota às forças do seu irmão, nos campos da Moamba, em 17 e 20 de Agosto de 1862 forçando-o a refugir-se de novo nas terras do sogro ou cunhado.
Finalmente Muzila, em 1863, decerto com o auxílio não só das forças vindas das Terras da Coroa como também do exército privativo de João Albasini como            é         sugerido                 na                        cronologia            de          Chinangana,                   conseguiu             derrotar definitivamente Mawewe, nas margens de Mezimchope.
Todavia, ume, carta contemporânea permite conhecer que Mawewe, auxiliado pelos Swazis e pelo régulo da Moamba, ainda invadiu e saqueou por mais três vezes as Terras da Coroa, apoderando-se de muito gado, marfim e fazendas e chegando ao arrojo de ameaçar o presídio.
Erskine  confirma  que  os  regimentos  swazis  tentaram  por  três  vezes, auxiliar Mawewe a reconquistar o poder. Durante a terceira tentativa foram tão elevadas  as  baixas  que  sofreram  por  sede  e  doenças  tropicais  que  se recusaram a voltar a assisti-lo. Myburgh recolheu idêntica tradição. Repetiu-se, pois, o fracasso da expedição enviada em 1823 por Chaka contra Sochangana.
Diocleciano das Neves afirma ter intercedido, junto do rei Mswati, para cessar o auxílio militar a seu genro ou cunhado e esclarece:
«Finalmente, uma embaixada do Muzila, portadora de importante quantidade de marfim, foi ao Mussuate com um recado nosso, e a guerra terminou para sempre. O certo é que já antes da morte do rei swazi ocorrida em 1868, haviam cessado as tentativas de Mawewe para re- cuperar o trono.»

Dispomos, felizmente, de uma investigação valiosa sobre o território concedido pelo rei swazi a Mawewe e sobre a descendência que ali deixou.






Esse território chamava-se Ntabenezimpisi e Nhlanguyavuka,  compreendendo toda  a  parte  oriental  do  actual  distrito  de  Barberton.  Ali  estabeleceu  várias capitais distritais, sendo conhecidos os nomes de onze dentre eles. O mesmo autor conseguiu identificar cinco das suas esposas e respectivos filhos. Teria falecido cerca de 1872 na povoação de Kwa-Shayaza, no distrito de Piggs Peak. Radicam-se na sua genealogia os chefes das comunidades tribais designadas pom Mkhatjwa (de Miyomo e de Mbambiso).
É interessante notar que o território chope pouco foi afectado pela implacável guerra civil. Um significativo testemunho é, a esse respeito, fornecido por Erskine que em 1871 deparou já povoada uma região do vale do Limpopo que em 1868 se encontrava deserta. O chefe local Intxi-Intxi, informou-o que durante oito a nove anos estivera refugiado entre os Chopes, os quais, a título de retribuição, lhe haviam exigido todo o gado que possuía.

Muzila:

Também designado nos documentos escritos, por Mzila, Muzira, Mugira. Muhlanga  afirma que o seu verdadeiro nome era Chibakuza. A. M. Cardoso informa, por seu lado, que tomou o nome de Inhamanda depois de vir do Transvaal.
Quando seu pai regressou ao vale do Limpopo para estabelecer em Chamite a capital do reino de Gaza, Muzila foi mandado completar a ocupação da região entre os rios Save e Zambeze, região que governou como senhor quase absoluto desde 1842 até à morte de Manukusse, ocorrida dezasseis anos depois. É mencionado por João Julião da Silva logo em 1844, ano em que os Angunes de Gaza, parece que pela primeira vez, cobraram tributos nos prazos ao sul do Sena, Muzila, vencida a longa e sangrenta guerra de sucessão que travou com seu irmão, dedicou-se, por algum tempo, à reorganização militar e administrativa dos territórios ao sul do Save, após o que voltou a fixar-se na cordilheira montanhosa que, ao sul do rio Buzi, se estende de ambos os lados da fronteira entre a Rodésia e Moçambique. Parece ter construído a sua primeira capital na área do actual Posto de Chibabava. Mudou-se posteriormente para locais que baptizou com os nomes de Mandlakazi e Tchametchame. Em 1872






Erskine mediu assem as coordenadas da sua capital: 20° 23' lat. sul e 32° 30' long. este. Parece que em 1874 se transferiu para Buchanibude, 14 milhas ao sul do Monte Selinda. A sua última capital, aquela onde faleceu, em 1884, tenha o nome de Moiamuhle. O missionário Depelcline passou nas suas proximidades em 1880. Parece ter sedo Tchametchame que possuía o nome angune de Ndwengo, e que passou a ser reservada às suas viúvas, revestindo por conseguinte carácter sagrado.
As relações hostes que durante alguns anos manteve com o reino swazi devido ao auxílio militar prestado a Mawewe parecem ter cessado graças ao processo drástico a que recorreram outros soberanos angunes: a criação de uma  «terra-de-ninguém»,  completamente  desabitada,  com  uma  largura  de quatro dias de marcha, que seguia aproximadamente, os cursos dos rios Sabié e Incomáti.
As formas regularizadas de intercâmbio diplomático foram particularmente importantes na manutenção de relações estáveis com o vizinho reino Ndebele. As respectivas esferas de influência eram separadas pelo rio Save. Ao contrário do sucedido com outros grupos de origem angune que, como vemos, constantemente se degladiavam entre se, os reinos de Gaza e Ndebele conseguiram respeitar uma situação prolongada de coexistência pacífica. Pouco depois  de ter sucedido  ao trono, em 1868, Lubengula  enviou  a Muzila  uma oferenda constituída por gado bovino. É possível, no entanto, que tivesse havido ocasionais mal entendidos. Quando Erskine, em Outubro de 1873, visitou Muzila e solicitou autorização para continuar caminho até à capital ndebele aquela foi- lhe negada por se encontrarem em guerra aberta e o primeiro ser adverso à abertura de quaisquer vias comerciais através dos seus domínios. Entre parênteses  diremos  que  a  referência  que  nesta  passagem  faz  a Mzelekaze deve-se, decerto, ao desconhecimento da real situação interna do reino ndebele. Na verdade, em 1873 já Lubengula havia sucedido a seu pai, falecido cinco anos
antes.

Todavia, logo em 1879, depois de longas negociações, Lubengula tomou como             sua         principal                  mulher                      uma            filha      de        Muzela,                 Kwalila.       Esta       partiu






acompanhada por uma grande embaixada da qual faziam parte várias outras possíveis noivas, incluindo uma irmã do monarca de Gaza. Esta embaixada foi faustosamente acolhida e acumulada de entretenimentos durante os meses que precederam o casamento. O Pe. Law cruzou-se com ela em 14 de Setembro de
1879.

Dados  os entendimentos  tácitos ou explícitos  mantidos  com Swazis  e Ndebeles e as resistências surgidas contra o seu domínio nos territórios entre os rios Pungué e Zambeze, não admira que Muzela tivesse procurado saquear, avassalar e obrigar a tributos as populações que ocupavam o actual Transvaal Norte. Erskene, quando em 1868 passou pelo território compreendido entre os rios Limpopo e dos Elefantes, encontrou os súbditos do chefe Manjaje constantemente saqueados por Muzila que lhes destruía as culturas e os empobrecia de todos os modos; se possuíssem gado as visitas ainda seriam mais                           frequentes.             Nas   povoações          abandonadas as           populações                 viviam escondidas no mato temerosas dessas depredações. Também na cronologia de Chinangana se encontra uma referência às razias efectuadas pelos regimentos de Muzila, em 1870, entre os habitantes dos Montes Spelonken.
Outro relato recente e fidedigno refere-se às incursões lançadas contra os povos do sudeste da actual Rodésia. O chefe Hodi Kufakweni conseguiu com os seus súbditos resistir durante oito anos aos destacamentos  enviados  para o destroçar. É que na sua juventude conhecera pessoalmente Zwanguendaba a quem pedira que o treinasse nas tácticas militares vangunes. Só em 1873 sucumbiu,  finalmente,  a  um  ataque  lançado  por  três  regimentos  de  Gaza, segundo um plano cuidadosamente preparado. O que conseguiu surpreendê-lo seria comandado por N'yamande (o último cognome de Muzila? )
As suas  relações  com  os Portugueses  revestiram-se  de carácter  algo ambíguo.  Como  em  todo  o  vasto  interior  as  autoridades  portuguesas  não exerciam  qualquer  domínio  efectivo,  o chefe  angune  parece  ter  considerado mera  formalidade,  sem  repercussões  políticas,  o  acto  de  vassalagem  que prestou em 1861. Sabe-se que os moradores de Sofala chegaram a cotizar-se para  lhe  pagar  o  tributo  que  anualmente  exigia.  Por  sua  causa  Sofala  foi






abandonada e a administração portuguesa transferida para Chiluane. Mesmo em relação a João Albasini, que tanto o ajudou a conquistar o trono, Muzila não primou pela generosidade. Logo a partir de 1864 levantou obstáculos tão difíceis à  actividade  dos  caçadores  de  elefantes  actuando  no  Zoutpansberg  que  o célebre pioneiro viu gravemente afectados os seus negócios.
Visando decerto monopolizer o tráfego de marfim, igualmente expulsou da região entre os rios Buzi e Revue os caçadores de Manuel António de Sousa. Conta  G.  Bivar  Pinto  Lopes  que  este  pioneiro  e  outro  natural  da  índia cognominado «Chapuquira» organizaram uma expedição contra os vangunes, sendo, porém, batidos e forçados à retirada. Juntamente com o capitão indígena Bacião,  fortificaram-se,  respectivamente,  em  Maforga,  Gondola  e  Bandula. Depois de assaltadas as suas aringas viram-se obrigados em 1854 ou 1855 a procurar refúgio, com muitos Teves, na Serra da Gorongosa, único local que entre toda a região do Save ao Zambeze nunca pagou tributo aos monarcas vangunes.
Muzila  mandou,  mais  tarde,  um  exército  de  3000  homens  atacar  a fortaleza natural que servia de abrigo ao célebre «Gouveia», exército que depois de numerosas tentativas fracassadas decidiu bater em retirada. O enérgico sertanejo goês não se limitou a alcançar esta vitória mas, graças à linha de aringas que construiu na década de 1860, conseguiu afastar da região os regimentos de Muzila que anualmente se deslocavam aos prazos de Sena para cobrança dos tributos.
Também a influência de Muzila no Reino de Manica parece ter sido disputada por M. António de Sousa em 1874. Segundo uma versão oficial portuguesa, as dinastias rivais de Makoni e Makombe teriam acometido naquele ano a de Mutassa, que, na qualidade de avassalada, pediu assistência militar a Muzila. Mas teriam sido derrotados os regimentos por este expedidos. Aconselhado pelo seu medium-espírita, o atacado teria rogado a M. António de Sousa que lhe acudisse. Este teria conseguido, efectivamente, expulsar os invasores,  recebendo,  como  prémio,  a  submissão  do  monarca  de  Manica. Todavia  nem  aquele  sertanejo,  nem  o  seu  aliado  J.  C.  Paiva  de  Andrada,






conseguiram até 1884 obter ali quaisquer concessões.

Já no Reino do Báruè, onde imperavam os Makombes, a influência de Muzila  parece  ter sido  mais  apagada.  De 1826  a 1830  esteve  o reino  sem monarca devido a disputas de sucessão. Depois, prolongando-se por um lustro, surgiu   a  ocupação   dos  Angonis   chefiados   pelos  Masekos.   Em  1846  a aristocracia báruè encontrava-se irremediavelmente dividida entre os dois pretendentes ao trono, Chibudo e Chipatata. Documentos históricos portugueses referem-se à gorada tentativa feita em 1854 por Muzila, ainda governador, para colocar  no  trono  o  seu  protegido  Chibudo.  Depois  da  morte  do  Makombe Chipatata em 1880 e da ascensão ao trono de M. António de Sousa, a linha de
30 ou 40 aringas que construiu do Zambeze ao Pungué, defendeu a região contra os regimentos do Império de Gaza, que, nas suas incursões anuais para colecta de tributos na Chupanga e no delta do Zambeze, se viram forçados a seguir a rota meridional através de Cheringoma
Hostis foram igualmente as relações entre Muzila e os Portugueses de Inhambane. Erskine, que passou por esta vila a caminho da corte de Gaza em Julho de 1871, narra que Bitongas e parte de Chopes, fugindo aos ataques dirigidos pelos Vangunes, se concentraram na região circunvizinha. Armados e dirigidos  de  1869  a  1877  por  João  Loforte,  o  célebre  «Nhafoco»,  coronel honorário   das   forças irregulares,   que   desfrutavam   de   imenso   prestígio, conseguiram manter os inimigos em respeito. Há notícias de aquele dirigente mandar enforcar os indunas de Muzila que tentaram cobrar tributos nas Terras da Coroa dependentes do Governo de Inhambane. Nesse ano, a fronteira entre aquelas terras e o Império de Gaza era demarcada pelo rio Inhamini, afluente do Inhanombe.
Também  se  sabe  que  em  1881  Muzila  mandou  atacar,  mas  sem resultados significativos, a região habitada pelos Chopes.
Um português com quem Muzila manteve relações amistosas foi Diocleciano  F. das Neves.  Sabe-se  que mandou  dois regimentos  prestar-lhe honras fúnebres quando faleceu perto de Inhampara, na margem direita do Limpopo, em Fevereiro de 1883.






No que se refere às relações mantidas com outras potências há a notar que em 1870 Muzila quiz demonstrar a sua independência política mandando uma representação a Sir Theophilus Shepstone, Secretário dos Negócios Indígenas, no Natal com a tripla incumbência de resolver uma pendência com os Swazis, sugerir a visita de um enviado britânico e fomentar o intercâmbio comercial. Perante as reservas de Shepstone, acentuaram os representantes de Muzila que de nenhum modo se consideravam súbditos portugueses. Para os fins  que  pretendiam  foi  nomeado  St. Vicent  Erskine  que,  com  o  seu  safari, desembarcou  em  Inhambane  aos  12  de  Julho  de  1871.  Em  1872  quando recebeu o enviado, depois de o fazer esperar dois meses e meio, Muzila tinha a sua capital nas faldas do Monte Selinda, capital que era designada pelo nome autóctone de Tchametchame e pelo angune de Ndwengo. St. Vicent Erskine, embora frisando que não havia deparado no reino de Gaza com qualquer influência portuguesa, não forneceu informações favoráveis de Muzila. Em 1878 o rei angune mandou nova embaixada ao Natal, embaixada que foi despedida depois de gratificada com alguns presentes.

Em 1882, após um litígio envolvendo a submissão à Coroa de dois chefes tribais do vale do Incomáti, procuraram as autoridades portuguesas fazer aplicar o acto de 1861. Mas o enviado Sousa Teixeira foi, pelo governador angune do Bilene, Matinguana, informado que ignorava totalmente o acordo. Porém, em princípios de 1883, um ano antes da sua morte, quando Muzila foi visitado por António Maria Cardoso,  parece haver reconhecido  a validade  da sua vassa- lagem. Este militar descreveu deste modo o monarca de Gaza: «Muzila é um velho dos seus setenta anos, magro, de uma altura regular, feições agradáveis, barba bastante,  que usa rapada,  e fisionomia  simpática.  Vestia  na cinta um pedaço de pano paló e sobre ele algumas peles de macaco; ao pescoço um lenço  azul  e  branco,  amarrado  por  duas  pontas;  na  mão  esquerda  uma charuteira de palha coberta de miçanga, e na direita uma caixa de prata para rapé. Está débil e quando anda apoia-se num pau, que lhe serve de bengala. Não  parece  estar  no  uso  pleno  das  suas  faculdades  mentais,  e  o  olhar amortecido e indeciso denuncia a aproximação de demência. Estava rodeado de






oito dos seus grandes, do secretário Maquejana e de um outro quase da mesma idade do que ele, mais baixo e de fisionomia estúpida e repelente e bastante magro, chamado Mandigase».
Os desenvolvimentos históricos do reinado de Muzila podem assim descrever-se:
a) Começo espontâneo do movimento migratório de trabalhadores para a

África do Sul;

b) Importância crescente das receitas deste movimento que substituíram as de caça ao elefante, cuja extinção no sul do reino se iniciou por volta da década de 1870;
c) Integração na economia monetária, reforçada pela venda de géneros como gergelim e amendoim, exportados por firmas francesas;
d)   Crescente   solicitude   dos   europeus,   sobretudo   de  Ingleses   es- tabelecidos no Natal, recebendo o Império de Gaza, a visita de comerciantes, missionários, exploradores, etc.;
e) Renovado interesse dos Portugueses pela manutenção de contactos com o monarca;
f) Empenho do monarca pela aquisição de armas de fogo.



Gungunyane (N'Ghungunyane):



Dois        missionários         estrangeiros         obtiveram        em      1885,         junto      dos Makwakwas, a informação de que a morte de Muzila fora mantida em segredo durante dois anos até que se encontrasse firmemente estabelecida a autoridade do seu sucessor.
• que, ao que parece, Muzila nunca chegou a dispor duma inkosikazi, cujo lobolo tivesse sido oferecido pelo povo. Pelo menos em 1872 declarou a St. Vincent Erskine, enviado pelo Governo do Natal:
«I wish you to announce I have not yet raised any woman to be Queen of the Country, and that, although I have already six sons, I have appointed no heir to the throne».






Duma observação de António Maria Cardoso parece inferir-se que Mundungaz seria o herdeiro legítimo. O mesmo autor afirma, contudo, que já por ocasião da visita que fez a Muzila em 1883, os três seus filhos Mufemane, Mundungaz e Komo-Komo, conspiravam para se apossarem do trono. Que o primeiro foi mandado assassinar pelo segundo não oferece qualquer dúvida.
Os melhores testemunhos permitem afirmar que, a exemplo do verficado entre outros grupos de origem angune, o direito consuetudinário reconhecia ao nkosi de Gaza competência para designar o seu sucessor. Teria sido o próprio Muzila quem, pouco antes de falecer, decidira escolher Mundungaz.
Segundo F. Toscano, Mufemane, além de primogénito, era filho de Fussi, nkosikazi  lobolada  com  os  bens  do  povo.  Gungunyane  era  filho  de  Iozio, preferida de Muzila mas possuindo estatuto inferior.
• testemunho de Mhlanga também permite inferir que Gungunyane fora designado como sucessor pelo velho Muzila. Na verdade, logo após a morte do pai, deu ordens para que a sua capital passasse a ser guardada por dois regimentos, o Amapepa durante o dia,
       o Amangonde, durante a noite.

J. Quintinha e F. Toscano contam as circunstâncias em que Maguiguana e  Manyune  receberam  ordens  para  liquidar  Mufemane.  O  assassinato  fora devido a intrigas da dissoluta Damboia, irmã de Muzila, ressentida com a intransigência que aquele sobrinho manifestava para com os seus exemplos de desprestigiante libertinagem
      promiscuidade.

 certo  é  que  Komo-Komo  também  desapareceu  e  que  Gungunyane parece ter vivido, até ao fim do seu reinado, atormentado pela possibilidade do regresso de dois outros seus irmãos: Anyana
• Mafabaze, que, prudentemente, se tinham posto a salvo após a investidura. Há notícias de que em 1889 e até mesmo em 1893 os partidários de Mufemane ainda eram numerosos.
Segundo  uma  versão,  Mundungaz  teria  decidido  adoptar  o  nome  de

Gungunyane guiado pelo intuito de infundir terror. Seria aquele o nome dado a






profundas furnas (possivelmente abertas na época das explorações mineiras do

Complexo Mutapa-Rozwi) onde eram lançados os condenados à morte.

D. L. Wheeler considera provável que o nome constitua uma corrupção de epíteto dado pelos swazis ao seu rei, ingwenyana, isto é, leão. Daí ter Gungunyane sido chamado o «Leão de Gaza».
Sabe-se  que,  após  a  investidura,  continuou  a  política  predatória  e agressiva dos seus antecessores. Tentou, em repetidas incursões, vencer os Manicas refugiados nas suas montanhas. Mandou cobrar tributos no coração do território xona.
Em 1888 Gungunyane, visando reafirmar os laços cordiais que seu pai mantivera com o Estado Ndebele, casou com uma filha de Lobengula. Este, no ano anterior, casara com M'pezui, irmã do monarca de Gaza.
Quais  as  razões  que  levaram  Gungunyane  e  os  seus  conselheiros  a tomar a crucial decisão de transferir a capital real para o Sul de Moçambique, abandonando  a terra natal e fazendo-se acompanhar  por largas dezenas de milhar dos seus guerreiros e famílias vandaus?
D. L. Wheeler enumera-se deste modo: expansão e pressão portuguesa dirigida contra os territórios de Manica; necessidade de ocupar melhores terras de cultivo no vale do Limpopo; determinação de reduzir à servidão o povo chope e, desse modo, assegurar a soberania angune em todo o Sul do Save, com excepção das Terras da Coroa.
Seja  como  for,  em  1889  o  Governador  de  Inhambane  recebeu  do residente  político  na Corte  de Gaza,  a notícia  de que  Gungunyane  decidira transferir a sua capital para o vale do Limpopo, acompanhado por cem mil dos seus súbditos e cativos. Por ordens emanadas do Governo-Geral, os Vangunes e seus vassalos não deviam ser hostilizados durante a passagem pelas Terras da Coroa, nem tão pouco se deveriam tomar medidas de defesa que pudessem considerar provocadoras. De facto esta grande migração processou-se sem resistência armada, limitando-se os vangunes e seus súbditos a apoderar-se de todo o gado e mantimentos que encontraram no caminho.
Gungunyane   chegou   a             solicitar   protecção   armada   às                autoridades






portuguesas, tendo sido, na verdade, escoltado pelo comandante militar de Chiloane. Melo Sequeira fornece úteis indicações sob o percurso seguido pelas duas colunas em que, no rio Save, se dividiram os migrantes.
O itinerário da jornada foi o seguinte: partiram do Mossurize no mês de Abril,              depois das         colheitas                                     de       1889,           tomando                                    o      caminho       de     Mucupi, Metunguacha,                                 Rio               Save, Macobane,          Govuro,                         Vilanculos,         Savanguana, Macuácua, Mejéquene, Coguno, Chimoio, Lagoa Suli e Manjacaze.
Djambul, tio de Gungunyane, saiu de Mussurize na mesma ocasião, com cerca de mil homens, tomando o caminho do Alto Save, Moamba, Chaimite, Chibuto e Manjacaze.
As duas colunas demoraram seis meses de viagem.



Sobre os motivos que levaram Gungunyane a fazer-se acompanhar de dezenas de milhar de vandaus, F. Toscano esclarece:
«Como os seus ascendentes, usava da táctica de T'cháca, na Zululândia: quando  conquistava  uma  tribo  deslocava-a  e  com  esta  ia  conquistar  outras tribos, entregando o novo país aos vencidos doutras terras. Assim fizera o seu avo Manicusse, levando de Gaza os vencidos para abater N'qaba nos territórios de Sofala, Mussapa e Mussurize, ficando os mundaus como habitantes dessa região e vassalos dos vátuas. Assim continuava fazendo o Gungunhane, tra- zendo consigo para Gaza todos os mundaus válidos, com suas famílias, sempre ao propósito de bater os muchopes».
Na  verdade  o  número  de  descendentes  directos  dos  vangunes  era bastante reduzido. Em 1887 Paiva de Andrada, calculou-os em apenas 2000, concentrados especialmente em torno da capital, no Mussurize, e na área de Chaimite.
No termo da sua longa marcha, Gungunyane iniciou a construção de sua capital, sempre denominada Mandlakazi, de início perto do Lago Suli, em Cambana.  Mas logo a transferiu para Manguanhana,  parece que por razões mágicas.
A instalação da nova capital não foi tarefa fácil. Na própria corte, apenas






com algumas palhotas em 1890, se conheciam as agruras da fome.

Talvez por isso mesmo não tardou a ser lançada a ofensiva contra os

Chopes, dedicados agricultores que viviam em relativa abastança.

Procedeu à divisão dos seus imensos domínios meridionais em diversas províncias,  de  cujo  governo  incumbiu  seus  tios  e  parentes.  Sabe-se  que  a Djambul (ou Jambul) foi distribuído o Guijá, a Ngulusa (ou Inguisa) o Bilene, e a Cuio o Chibuto. Queto ficou na corte como conselheiro e confidente. Mepissane e Molungo receberam decerto outros cargos.
A  reforçar  o  ódio  de  Gungunyane  para  com  os  Chopes,  parece  ter militado uma inimizade puramente pessoal que nutria contra Sipadanyana, filho de Binguana, um dos chefes supremos daquela etnia. Como se encontra sobejamente  comprovado,  os vangunes  seguiam  a hábil  política  de criar  na capital real os herdeiros dos chefes conquistados ou avassalados. Os futuros dirigentes eram dessa maneira integrados sem dificuldade, na cultura angune e, além disso, ofereciam a importante vantagem de servirem como reféns.
Ora, Sansão Mutemba conta-nos, com foros de autenticidade, que Sipadanyana fora, muito novo, levado para a corte de Muzila. Aqui fazia parte do mesmo grupo de adolescentes a que pertencia o futuro Gungunyane. Cedo se desenvolveu entre os dois extrema rivalidade, rivalidade acirrada pelo facto de nos jogos,   caçadas                e             outras              competições                 de   destreza                                    e        resistência, Sipadanyana arrebatar normalmente o triunfo. Mais tarde, já inkosi, Gungunyane alimentou a secreta ambição de se desforrar das humilhações passadas, expulsando e batendo o seu rival e o respectivo pai, ambos em revolta aberta contra o domínio angune.
O tratado entre Portugal e a Grã-Bretanha, celebrado em 11 de Junho de

1891, respeitou com alterações de fronteiras, a convenção de Agosto de 1890 e, definitivamente, dividiu o Império de Gaza entre as duas potências europeias.
Esta delimitação de fronteiras reduziu substancialmente o território avassalado  pelo  monarca  angune.  Logo  no  mesmo  ano  de  1891,  quando Djambul, seu tio e governador dos territórios que hoje constituem o Limpopo e o Caniçado, mandou atacar e cobrar tributos entre os povos ribeirinhos dos rios






Letaba,  Sunguedzi  e  Chicha,  as  autoridades  do  país  vizinho  prenderam  e mandaram enforcar os tindunas comandantes dos regimentos.
Não conduziram  a resultados palpáveis os esforços desenvolvidos  por Gungunyane para manter a sua independência e equipar os seus regimentos com armas de fogo, jogando com certa destreza diplomática não só com os representantes  dos  governos  britânico  e  português  mas  também  com  os interesses da British South Africa Company e da Companhia de Moçambique.
à inevitável confrontação final serviu de rastilho o asilo político concedido a dois régulos rebeldes das Terras da Coroa, seguido da obstinada recusa de Gungunyane em os entregar às autoridades portuguesas.
A versão nativa deste incidente- típico dos conflitos micro-políticos tradicionais em África - é transcrita no relato que H. A. Junod enviou a António
Enes.

Quando  ao  encorajamento  que  Gungunyane  teria  dado  aos  régulos rongas rebeldes ainda é matéria controvertida. Walter Rodney considera-o importante e até mesmo decisivo.
Depois da derrota que os régulos rongas sofreram em Marracuene, Gungunyane      desenvolveu     grandes                                    esforços                  visando,       deliberadamente, contrabalançar  o  crescente  prestígio  das  armas  portuguesas  e  manter  a ameaçada coesão do seu reino. Logo em Março ordenou a mobilização de cinco regimentos  para lançar nova ofensiva contra os Chopes. Tempos  antes fora eliminado, por suspeita de deslealdade, Maquidame, parente do monarca e governador de Inhampura. Os chefes desta região vieram mais tarde solicitar às autoridades militares portuguesas que as suas mulheres e o seu gado se recolhessem a Xinavane, para fugir às incursões punitivas dos vangunes.
Em 8 de Setembro a coluna do Sul é atacada em Magul. Junod, segundo dados que recolheu entre os próprios atacantes, assevera terem sido os regimentos   dos   chefes   rongas   revoltados   de   Zihlahla   e  de   Nondwane, totalizando  pelo  menos  6000  guerreiros,  os  que  mais  se  aproximaram  do quadrado formado pelas tropas portuguesas. Os regimentos de Gungunyane, muito  mais  numerosos,  ficaram  bastante  afastados  e,  atemorizados  com  o






tiroteio, puseram-se em fuga. Walter Rodney interpreta esta passividade como resultante  de  expressas  ordens  de  Gungunyane  no  sentido  de  evitar  um confronto directo com os Portugueses, ordens amplamente indicativas da sua vontade de negociar uma solução política.
As  derrotas  que  as  forças  rongas  sofreram  em  Marracuene  e  Magul devem ter contribuído para que nunca chegasse a efectivar-se a ofensiva que, segundo        Junod, Gungunyane        planeara          com         os           asilados                          Mahazule                                    e N'uamantibjane.
Resolveu, finalmente, atacar as tropas portuguesas quando soube que o Coronel Galhardo, partido de Chicomo, avançava sobre Mandlakazi. A batalha final travou-se em Coolela, na manhã de 7 de Novembro. Os regimentos avançaram na formação clássica de meia-lua para serem imediatamente desbaratados pela nutrida fuzilaria das espingardas, metralhadoras e peças de artilharia.
As estimativas sobre o número de atacantes são variáveis. De qualquer modo não deviam ultrapassar os 15000, dos quais algumas centenas equipados com armas de fogo. Toscano garante terem sido doze os regimentos envolvidos, mencionando os respectivos comandantes. Este autor transcreve o testemunho ocular de Uanhanhana  Cossa que, entre Mandlakazi  e Coolela,  assistiu aos comentários  desfavoráveis  dos chefes  vangunes  Cuio,  Chuaiva,  Manguhuxe, Maguijana  e  Sone  que  recusaram  participar  no  ataque  por  discordarem  da recusa intransigente do Gungunyane em entregar os dois régulos rongas refugiados. Também não estiveram presentes os regimentos de seus outros tios Mepissane e Djambul.
No dia 9, o monarca,  bastante desmoralizado,  convocou  uma reunião para  discutir  a  situação.  A  ela  apenas  assistiram  Queto  e  Cuio,  seus  tios, Molungo e Machamene, também membros da família real, e, ainda, os comandantes de regimento Manhune, Simango, Papila, Vava, Mafaque, Fiti, Muzuazua,  Zaba,  Matanato  e  Mamboza,  que  tinham  dirigido  o  ataque  de Coolela. Segundo o referido Uanhanhana Cossa, que estava presente, Gungunyane  queixou-se  amargamente  de  ter  sido  atraiçoado  pelos  próprios






irmãos de seu pai.

O monarca tinha-se já retirado para o lugar sagrado de Chaimite, onde se encontrava sua mãe e o túmulo do seu avo Manukusse, de quem decerto esperava protecção sobrenatural.
Mouzinho de Albuquerque, nomeado governador militar de Gaza em 10 de Dezembro, deliberou lançar-se em sua perseguição. Logo no dia 13 lhe foi entregue o chefe N'uamantibjane por cinco enviados de Gungunyane. Mas era já tarde. Em 28 conseguiu efectivamente  capturá-lo sem deparar com qualquer resistência dos milhares de guerreiros que o cercavam. In loco mandou imediatamente fuzilar o induna Manhune e o tio do monarca, Queto, dois dos principais instigadores da resistência.
Após a derrota de Gungunyane numerosos elementos de origem angune ou         plenamente             identificados            com                       a                               cultura        angune,    refugiaram-se                                em Mabulanine, no Speloken, comandados por seu tio Mepissane. Outra vaga de emigrantes chefiada por Guijá, fixou-se em Devesha. Em 1933 estes dois grupos compreendiam, respectivamente, 30 000 e 15 000 almas, sendo dirigidos por Tulimahanche, filho de Gungunyane. T. F. Johnston afirma que o nome correcto daquele era Thuli-Lamahashe, isto é, «poeira de cavalos».
Tem intrigado  muitos  historiadores  as causas  da obstinada  recusa  de Gungunyane em entregar os dois régulos rebeldes - recusa que conduziu à sua derrocada e posterior deportação. Quintinha e Toscano atribuem-na a simples manobras  de aventureiros  estrangeiros  que  lhe  garantiram  não  disporem  os Portugueses de poder suficiente para o vencer em combate.
Afigura-se-nos, porém, que Gungunyane temia sobretudo o irremediável golpe que viria a sofrer, perante os povos submetidos, o prestígio dos conquistadores vangunes, sobretudo o da sua aristocracia dirigente.
Também nos quer parecer que a sua renitência era baseada na absoluta convicção  de que,  mesmo  entregando  os régulos  refugiados,  a guerra  seria inevitável. Os preparativos bélicos dos Portugueses tinham-no persuadido que seria impossível  preservar  a paz. Nestas condições,  a entrega  dos rebeldes redundaria na perda de preciosos apoios militares quando chegasse a hora fatal






do confronto. Apoios militares constituídos não só pelos guerreiros de Zihlahla e Mazwaya,   mas   também   por  todos   os  chefes   autóctones   que  ainda   se encontravam ao seu lado e que, se reconhecessem a sua impotência perante os Portugueses, não hesitariam em mudar de campo.
Não  contou,  decerto,  que  seus  próprios  tios,  na  batalha  final,  iriam recusar-lhe o apoio dos seus regimentos, talvez mais aguerridos e dedicados dos que os formados quase exclusivamente por homens das tribos submetidas. O facto é que os membros  da casa reinante  estavam  divididos  pelo crucial dilema.            A      própria                 mãe-substituta         de                Gungunyane,           Umpibekezana,               com importantes funções rituais e políticas, era favorável à entrega dos asilados. Da mesma opinião eram todos os seus tios, com excepção de Queto. Parece que, em última análise, o monarca conseguiu fazer prevalecer a sua opinião.
Havia inegáveis tensões e desacordos no seio da família real e da aristocracia dominante. Na previsão de situações semelhantes, os monarcas dos outros reinos vangunes que se destacaram na história desta parte da Africa, evitavam atribuir qualquer autoridade política e militar aos seus parentes. Daí as constantes segmentações sofridas pelos grupos partidos do país natal.
Os monarcas de Gaza mantiveram durante 75 anos a unidade do seu império. Mas o poder e a autonomia que concediam aos membros da família reinante,  terminaram  por  lhes  ser  fatídicos  no  dia  decisivo  de  Coolela.  Mas mesmo que tal não tivesse acontecido a superioridade da organização, da tecnologia, do armamento, era tão flagrante que, cedo ou tarde, acabariam por sucumbir.
Parece  ter contribuído  para  o ressentimento  da aristocracia  angune  e para o processo  de desintegração,  o facto de Gungunyane  -visando,  talvez, conquistar adesões -escolher muitos dos favoritos da corte entre os povos conquistados e, ainda, locupletar-se com o gado e as mulheres obtidas durante as incursões armadas.
Não se devem minorar as terríveis devastações do alcoolismo e dos estupefacientes.  Na própria  corte  a embriaguez  era habitual.  Até as rainhas eram ávidas de bebidas fortes. Já narrámos que um dos filhos do monarca,






Mango, morreu depois de ingerir 25 litros de sope.

A frouxa resistência militar oposta faz suspeitar que decaíra o espírito combativo dos regimentos. Decadência que pode atribuir-se a costumes dissolutos,  à  emigração  para  as  minas  de  ouro  e  diamantes  e,  enfim,  à integração de um número excessivo de mancebos provenientes das tribos conquistadas ou sujeitas a tributo. Verificou-se, por conseguinte, um processo de relaxação  da disciplina  e defeituosa  selecção  dos comandantes  militares, semelhante ao dos Ndebeles.
Também aconteceu que certo número de epidemias e infortúnios desabaram simultaneamente sobre o Império de Gaza: peste bovina, pragas de gafanhotos, ínfima produção agrícola e consequente fa
mina, varíola trazida pelos refugiados ndebeles, etc.



A revolta de Maguiguana:



Cossa de Magude, Maguiguana parece ter exercido as funções de cozinheiro  na corte de Muzila.  Graças à sua bravura,  valor pessoal e plena integração nos costumes vangunes conseguiu guindar-se à posição de comandante-em-chefe do exército.
Contudo não podia comparecer às assembleias que reuniam os membros da nobreza, senhores de terras.
Não comandou os regimentos que atacaram as forças portuguesas em Coolela. Encontrava-se, na altura, no Bilene tentando apressadamente mobilizar outros regimentos para enfrentar o avanço da coluna comandada pelo Coronel Galhardo.
Mouzinho  de Albuquerque  enumera  deste modo as causas da revolta organizada por Djambul e Maguiguana em 1897:


-    fraca ocupação militar;

- secas de 1895 e 1897, aliadas à peste bovina e às pragas de gafanhotos que conduziram a condições de famina e levaram os






vangunizados a pretender regressar ao prévio sistema de pilhagem para conseguirem sobreviver;
-    abusos praticados pelos cipais;

-      desejo de saquear as lojas dos comerciantes asiáticos.


G. Liesegang, em comunicação pessoal, opina ter sido objectivo dos revoltosos obrigar os Portugueses a repatriar Gungunyane e a reinvesti-lo no poder.

Gomes da Costa por seu lado, aponta como razão a «má interpretação e a péssima execução da ordem do governador referente à confiscação do gado do Gungunyane».
Esta última causa afigura-se-nos como bastante importante. Na verdade, já referimos que todos os monarcas vangunes se arrogavam a propriedade exclusiva do gado confiscado. Contudo, por razões de diversa ordem (receio de epizootias, desejo de homenagear os súbditos, etc.), as numerosas manadas eram postas à guarda de homens de confiança que, na prática, as tratavam como se fossem suas. É bem possível que esses fiéis-depositários tivessem, após a derrota e desterro do monarca, passado a considerar o gado como sua pertença. A confiscação desse gado - no caso dos executores se terem guiado pelo conceito  tradicional  de propriedade  real-não  poderia  deixar de provocar profundos ressentimentos.
Seja como for, de início, o Alferes M. A. Chamusca, tendo reconhecido o estado de insubmissão em que se encontrava a população dependente do posto militar de Palule, retirou para o Chibuto em meados de Março de 1897. Andou apenas oito quilómetros quando perto da Lagoa Nafucuè foi atacado por duas
«mangas» de revoltosos e trucidado juntamente com o pequeno destacamento.

O Comissário Régio Mouzinho de Albuquerque, interrompeu a campanha contra os Namarrais e assumiu o comando da coluna especialmente organizada. No dia 21 de Julho cerca de 5000 guerreiros, a maioria deles de origem vandau, cercaram e atacaram o quadrado português, em Macontene, tendo sido destroçados pelo fogo e logo perseguidos pela cavalaria e pelos auxiliares. O










comissário régio, à testa de um destacamento especial constituído por 30 cava- leiros e o mesmo número de cipais, lançou-se em perseguição de Maguiguana que  conseguiu  abater.  Entre  a  lista  dos  que  acompanhavam  Maguiguana, figurava Chope-Chope, irmão classificatório de Gungunyane.
Segundo   declarações   prestadas   por  alguns   prisioneiros   efectuados durante o combate de Macontene, Maguiguana mandara matar a própria mãe de Gungunyane,  Umpibekezana,  por  ser favorável  aos Portugueses  e se haver recusado a fazer preces pela chuva. Francisco Toscano acrescenta outra razão: a discordância que manifestou quando soube do massacre do destacamento do Alferes Chamusca, em Palule.

Sem comentários: