quinta-feira, 16 de agosto de 2012

MENSAGEM DO MDM NAS EXÉQUIAS DO FOTOJORNALISTA KOK NAM

16/08/2012

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Morreu Kok Nam. Esta a triste nova que, desde as primeiras horas de Sábado, 11 de Agosto de 2012, começou a correr Maputo e Moçambique inteiro.
Tendo, pois, em vista o impacto desta triste notícia, que a muitos moçambicanos encheu de luto, nomeadamente aos membros do MDM residentes na Cidade e na Província do Maputo, bem como noutros pontos do País, a Direcção do Partido e a Bancada Parlamentar do MDM vêm, por esta, manifestar o seu profundo pesar pelo infausto acontecimento e inclinar-se perante a figura de Kok Nam, prestando, por outro lado, tributo à sua memória.
Não nos vamos deter em referências cronológicas da sua longa trajectória, pois outros o fizeram já. Queremos,  é, destacar os marcos históricos da vida deste Homem, H em letra maiúscula, que foi Kok Nam.
Nasceu em Lourenço Marques, hoje Maputo, numa família de pais chineses, provenientes de Cantão, China, então ainda no regime da República de Sun Yang Set, um conhecido e respeitado nacionalista, cuja memória a injúria dos tempos iria deitar abaixo e tentar apagar da História, a partir de 1949.
Nesse tempo, os Chineses residentes em Moçambique dedicavam-se uns ao comércio e outros, como os pais de Kok Nam, maioritariamente nas cercanias de Lourenço Marques – Marracuene, Manhiça e Moamba - à Agricultura, contribuindo, por um lado, os primeiros para abastecimento dos cidadãos em bugigangas cuja utilidade escapava a colonos e indianos, como, sobretudo, os segundos, que eram a maioria,  para prover de verduras a cidade de Lourenço Marques. Subsidiariamente, ensinavam novas técnicas de produção aos moçambicanos, com os quais se socializavam, na medida do possível de então.
Foi, pois, neste ambiente, que nasceu e cresceu Kok Nam. E, tal como aos pais moçambicanos de então, que desejavam para os seus filhos algo de melhor do que aquilo que eles haviam tido, também os pais de Kok Nam quiseram que ele tivesse outros horizontes, a tal ponto que, aos 17 anos, isto é, em 1956, ele iniciou uma outra carreira, que veio a ser na área de imagem. Primeiro, revelando e imprimindo as fotos que outros faziam, donde lhe veio a paixão pela imagem, e, depois, passando ele próprio a fazer fotografia para levar a outros a beleza do que os seus olhos captavam, por um lado, e, aproveitando essa oportunidade, fazer veicular a revolta e a denúncia que, desde sempre, Kok Nam quis e soube fazer contra as injustiças de anteontem, o que o catapultou, com absoluta naturalidade, para o mesmo propósito, relativamente às injustiças de ontem e – porque não?! -  às de hoje, até quando o pôde fazer.
Fruto desta forma de encarar a vida, foi, na noite colonial, a sua adesão ao fotojornalismo, do qual foi um dos pioneiros nacionais em Moçambique, no decurso do que foi parar ao Diário de Moçambique, na Beira, fundado por essa grande figura de antifascista e amigo dos moçambicanos, que foi o Bispo Dom Sebastião Soares de Resende e à Voz Africana, propriedade do Centro Africano de Manica e Sofala, no qual, para além do Bispo e de Monsenhor José Soares Martins, também pontificou a figura de nacionalista de Máximo José Diogo Dias, hoje um venerável ancião e respeitado causídico da nossa praça.
Nessa altura, desfilavam na Beira alguns dos melhores nomes do jornalismo então moçambicano, entre eles, para além do próprio Kok Nam, Nuno Bermudes, Rui Cartaxana, Gouveia de Lemos, Estrela Maria, Tomás Mazembe, Araújo João Penha, José Marques Correia, Monsenhor Duarte de Almeida, e por aí fora.
Falecido Dom Sebastião, logo os detentores do poder se puseram a desarticular a plêiade de jornalistas que, na Beira, haviam assentado arraiais, os quais, assim, tiveram de dispersar.
É neste contexto que Kok Nam se lança no fotojornalismo lourençomarquino, integrando o “Notícias da tarde” e o próprio “Notícias”, com uma grande parte dos idos da Beira, a que se junta a prestigiosa figura de Teresa de Sá Nogueira, entre outros.
Rapidamente ficaram desiludidos, o que os levou a novas apostas. É quando um grupo de jornalistas – Kok Nam, Rui Cartaxana, Areosa Pena, Mota Lopes, Miguéis Lopes Júnior, Maria de Lurdes Torcato, Mendes de Oliveira – e outros, fundam a revista “Tempo” que, por duas décadas, seria o espelho, primeiro, da outra face do Moçambique colonizado e, depois, dos excessos do Moçambique ciclópico, anterior ao nosso actual Estado de Direito Democrático. Dois exemplos, apenas, desta realidade: foi com Kok Nam que a “Tempo” trouxe a lume a foto do menino de Magude ao qual um colono marcou a ferro e fogo, exactamente como costumava fazer ao seu gado. Feita a denúncia, o colono alegou que se tratava de uma “brincadeira”. Imagine-se que esta “brincadeira” tivesse sido feita ao cão do mesmo colono!... O segundo exemplo encontramo-lo em 1976 quando Kok Nam trouxe, também na revista “Tempo” as primeiras imagens de um Centro de Reeducação, no caso o de Sacuzo, Gorongosa. Aquelas fotos permitiram que alguns cidadãos soubessem que ainda estavam vivos familiares seus, dos quais, desde um e dois anos, os tinham como desaparecidos, quiçá, mortos! Deve ser por isto que, nos últimos dias, se tem vindo a dizer que Kok Nam trouxe Moçambique ao Mundo e o Mundo a Moçambique. Eu acrescentaria: trouxe também o País ao País, isto é, Moçambique a Moçambique, anteontem, ontem e hoje.
Quando a aurora do Estado de Direito Democrático despontava, um naipe de jornalistas organizou-se para exigir que a liberdade de imprensa viesse consignada no texto constitucional então em gestação. Foi isto em Fevereiro de 1990 e os encontros desse grupo de profissionais foi em casa de Kok Nam. Na altura – antes do Estado de Direito Democrático e em plena Guerra dos 16 anos, antes, até, do início das conversações que conduziriam ao AGP – era necessária uma dose cavalar de coragem para uma simples adesão à iniciativa e, claramente, uma loucura visionária para alguém albergar em sua casa tal iniciativa, até porque nenhuma garantia havia sobre a isenção e honestidade de cada um dos que ali poderiam acorrer. Por aqui se vê a coragem cívica de Kok Nam, a mesma coragem que, no primeiro período autárquico, o levou a integrar, na Assembleia Municipal da Cidade do Maputo, aquela bancada que, minoritária embora, era, em sua opinião, aquela que melhor representaria os interesses desta cidade, que ele havia defendido, fotografando-a, milhentas de vezes.
Kok Nam era, também, um homem solidário. De entre tantos episódios, trazemos aqui o caso de um grupo de jornalistas que, em serviço na Zambézia, se foi para alojar no Hotel Chuabo, do qual era, então, capataz, uma ex-colona, a tristemente célebre Dona Amália. Quando os viu chegar, e após um interrogatório boçal – era aquele o que estava ao seu nível -, sentenciou que só ali ficava o Kok Nam; os outros que fossem buscar alternativas noutros lados. Prontamente, Kok Nam disse que, nessas condições, também não ficava, o que levou a ex-colona a alojar todo o grupo.
Curiosamente, Kok Nam, homem de muitas virtudes, era muito taciturno, o que parece abonar a favor do adágio  que diz que “só o tambor vazio é que faz barulho”. Deve ser por isso que, no último Festival Nacional de Cultura, para o qual fora convocado para, como um dos Embondeiros da nossa Cultura, receber, das mãos do Chefe de Estado um diploma agraciativo, quando este não apareceu, não fez mossa: Kok Nam valia mais do que qualquer diploma e era, de longe, superior à miserável máquina de premiação que, esquecendo os diplomas para ali anunciados, acabou embaraçando o Presidente da República, que, assim, não pôde atribuir os diplomas, e ofendendo os agraciados!
Compatriota Kok Nam, ilustre concidadão e prezado amigo:
Nenhuma das mensagens que, nesta hora, te possamos fazer, traduz a tua forma de ser e estar e o contributo que deste à nossa moçambicanidade. Aqui, queremos, apenas, dizer o quanto te admirávamos e o quanto de ti aprendemos. Tu já cumpriste a tua parte. Oxalá cada um de nós saiba, inspirado em ti, cumprir a sua. Descansa em paz, amigo Kok Nam.
À tua família, aos teus amigos e colegas, o Movimento Democrático de Moçambique, o seu Presidente, os seus militantes e simpatizantes e a respectiva Bancada Parlamentar apresentam os mais sentidos pêsames.
Maputo, 16 de Agosto de 2012    

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