quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Figuras e Episódios da Zambézia, de Francisco Garricho de Lacerda (1943)

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Fiigurasepisodioszambezia_capa PREFÁCIO
ESTANDO-SE prestes a atingir o cume da íngreme e esca­brosa ladeira da vida, para alguns atapetada de flores, para outros semeada de abrolhos, não se pode deixar de sentir um grato prazer, ao recordar-se dos factos mais importantes, relacionados com as pessoas suas conhecidas, que deste mundo foram desaparecendo, a pouco e pouco.
Basta para isso uma curta concentração de espí­rito, fechar os olhos, e ver passar, na memória, uma a uma, mais ou menos nítidas, essas imagens agradáveis, tristes, inol­vidáveis.
A evocação do passado é, por assim dizer, uma segunda vida. A pessoa que se dedicar a coligir ou anotar essas recordações não deve focar apenas as pessoas ilustres, pelo seu talento, pelos actos polí­ticos, diplomáticos ou heróicos; esses são destinados à posteridade, são os eleitos da glória; não lhes faltando os elementos de apreço, espalha­dos aos ventos, nas conhecidas trombetas da fama.
E, não tendo nós a estulta veleidade, nem a disposição natural dum historiador, que os pudesse imortalizar, com a nossa modesta pena, ficarão, no entanto, na lembrança dos que lerem estas modestas e despretenciosas linhas.
A maior parte desses obscuros portugueses foram nossos companheiros nas campanhas de África, outros conhecidos, com os quais estivemos em mais ou menos contacto, todos porém ali trabalharam, e morreram, esquecidos, senão abandonados, mas garantimos que na medida dos seus esforços, trabalharam para edificação dum Portugal Maior.
Almas grandes, corpos sãos e robustos, para poderem resistir ao mortífero clima africano, para lá foram como nós, arrastados por um sonho, acalentados por uma fixa ideia de conhecerem, verem aquela África até então quási misteriosa, só conhecida para depósito de degre­dados. O seu esforço, só poderá ser deprimido, apoucado, e não res­peitado, por aquele que, movido por uma facciosa ambição política, ou mesquinha inveja, desconheça por completo, quão colossal, titânico mesmo, tem sido o ressurgimento da nossa epopeia colonial, de há meio século até hoje. Verdadeiros Pioneiros da nossa ocupação e civilização, (ninguém com mais justiça merece esse nome), os que, além a milhares de milhas de distância, sem comodidades e conforto algum, lutando con­tra tudo, mas nunca perdendo a esperança acalentadora de melhores dias, sempre com a imagem dos entes queridos, e da Pátria tão distante, na sua mente gravadas, jazem além, sepultados, ignorados, esquecidos, mas que foram a pedra basilar do nosso hoje tão Grande Império Colonial.
Em sinal de admiração, de saudade eterna, lhes dedica esta humilíssima obra o autor.
Lisboa, Novembro de 1943

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